Desbravando Mais Memórias Nostálgicas... O Xat.com!

Em conversas casuais no Discord da Aliança Aventuras, é normal mencionar-mos o Xat.com. Na Era de Ouro dos Blogs sobre Pokémon, quase todos os sítios web continham esta pequena caixinha mágica onde se podia dialogar com outros usuários/visitantes dos blog, diretamente em um cantinho de seu template reservado a esse mesmo espaço de convívio.
Infelizmente, cada Xat não salvava os diálogos quando estes iam além das 15 mensagens, além da quantidade de palavras a enviar de cada vez ser bem limitada e o envio de imagens praticamente inexistente, o que me faz pensar sobre a quantidade de tretas e pérolas divertidas nos diálogos que eu hei de ter perdido nas horas onde não me encontrava disponível. Porém, conheci pessoas maravilhosas e consegui passar momentos super divertidos numa época onde a comunidade de Pokémon parecia mais simpática, acolhedora, calma e inocente.
O Xat.com ainda existe em pleno 2025 (pelo menos no momento de escrita deste desabafo/pensamento/reflexão) e parece ainda ter uma pequena base de usuários fieis... Se bem que o site deve estar a respirar por aparelhos, com tantas formas melhores de comunicação na Internet nos dias de hoje...
Hoje, decidi explorar um pouco este importante local da minha infância/adolescência, onde passei imenso tempo. Para começar, a difícil tarefa que foi o de recuperar a minha velha conta no site... Mas lá consegui me lembrar da password e entrar kkkk
Heis um exemplo (Nome do Grupo:AEP2025AventurasScarletViolet) Clique aqui para aceder ao link direto! Se não conheciam, podem ver como era com os vossos próprios olhos! (Pelo menos enquanto o site ainda existir)
Get AEP2025AventurasScarletViolet chat group | Go to AEP2025AventurasScarletViolet website
✨✨ 🐊🐊 Mensagem Especial Aniversário + Notas da Autora #18 - Capítulo Especial - Abril, Águas Mil
✨✨TRÊS ANOS DE AVENTURAS EM PALDEA!!!✨✨ 🐊🐊
É inacreditável que eu já escrevo Aventuras em Paldea à três anos! Este ano os meus planos foram cancelados para polir os atuais Capítulos da fanfic. Novas e melhores ideias surgiram para arruinar a programação de aniversário que já havia sido publicada. Mas em contrapartida, ganhei uma ideia para um Capítulo Especial que realmente viu a luz do dia! (Alguma coisa tinha que aparecer, no meio de tantos planos cancelados e mudanças que nem o futuro consegue prever, não é?).
Tal como dito por Tamar no final deste próprio Capítulo Especial, a melhor coisa das épocas festivas é a sua imprevisibilidade. Nem todos os anos ocorrem de forma igual... Apesar de alguns parecer! Eu quis manter uma formula nos dois anos anteriores, mas este ano, provei que nem sempre tal acontecerá pelos mais diversos motivos, incluindo questões externas... O que será que o próximo ano irá entregar? Nem eu sei, de qualquer forma, vamos focar no aqui e agora da fanfic, para já.
Abril, Águas Mil, acontece antes dos acontecimentos principais de Aventuras em Paldea, e temos um pouco do passado de Haruka e Juliana. Sei que ainda era muito cedo para revelar tais informações aos leitores, mas eu não vi como abordar o tema do Capítulo sem incluir aquela pequena referencia, portanto, procurei ser subtil o máximo dentro dos possíveis. Considere, caro leitor, um presente especial meu como autora para cada um de vós, pois esse mistério é, de facto, um dos mais intrigantes. As portas para novas teorias agora estão abertas!
Já fazia algum tempo que eu queria apresentar Abílio e Adelina, adoro esses dois velhinhos! É curioso como, tal como eu, Juliana também foi muito próxima aos avôs paternos no passado, tendo pouca, ou praticamente, nula ligação aos maternos (algo que será abordado na fanfic principal em algum ponto futuro!).
Acabei pensando muito nos meus próprios avôs ultimamente, e foi isso que me incentivou a referir o amor dos avôs paternos de Juliana.
Como, no momento de escrita desta publicação, ainda estou desempregada (infelizmente, vivo num lugar pequeno onde não aparece nada), fui a minhas poupanças para puder ir ao dentista... Sim, o Capítulo Especial foi escrito no meio de um surto criativo que eu tive enquanto estava cheia de dores de dentes horríveis devido a um dente que havia lascado à mais de um ano, que acabou com uma cárie profunda, (a qual originou uma infeção, mas isso são detalhes... enfim, estou viva!).
O que acontece é que muito do pouco dinheiro que eu ainda tenho guardado havia sido originado de presentes de aniversário e Natal do meu próprio avô. Mesmo uns doze anos depois do seu falecimento, ele, literalmente, olhou por mim com pena e acabou por me pagar o dentista através do que eu fiz questão de nunca gastar em mais nada.
Outra coisa que aconteceu. Após tantos anos, poluindo o ambiente, parado no quintal da minha casa (por motivos que devem estar algures no Tomo 89897489478949 do Grande Livro das Peripécias da Minha Vida), o carro vermelho do meu avô foi vendido. O meu avô adorava aquele carro. O espaço que antes ele ocupava agora ficou vazio... tal como as caixas dos presentes de aniversário de Juliana.
Espero que o que eu sinto hoje em dia chegue a eles e alguma maneira, tal como a mensagem dos avôs de Juliana para a própria. Agora sinto que essa questão do dente foi um último favor feito antes deles partirem em direção a uma nova vida, lá onde quer que eles estejam.
Lavem e cuidem dos vossos dentes, crianças. Sem querer assustar ninguém, as dores não são nada agradáveis, parece que seu ouvido e sua cabeça ficam explodindo e é uma latejada medonha no maxilar. (sem exageros, aquilo não é uma condição de vida para ninguém. Tive que extrair o dente pois recuperar o mesmo estava fora do meu orçamento, e bem... estou viva!). Além disso, também poupem o vosso dinheiro pensando em urgências futuras, e sejam gratos a quem vos for gentil!
A ideia para este especial me surgiu ao pensar no quanto também devemos ser gratos a quem nos rodeia. Tal como mencionei em mensagens de aniversários anteriores, se não fosse o povo da Aliança Aventuras, eu não sei se ainda estaria por aqui. Juliana procurou agradecer a sua mãe com uma fatia do seu bolo favorito, apesar da própria Juliana não o apreciar, pois os avôs a incentivaram a comemorar o aniversário como um dia que pertencesse, não apenas a ela, mas a ambas, como forma de comemorar o triunfo, apesar do que perderam.
As mesmas palavras dos dois anos anteriores se repetem, sempre! Ou pelo menos, quase todas as palavras! Planos estão sempre a mudar e mudar, e não dá para fazer grandes promessas! Apenas seguir firmes e continuar produzindo, em busca do imprevisível e inesperado!
Agradeço de coração a todos os leitores e a todos os que me incentivam e acreditam no meu trabalho. Muita coisa está a acontecer na minha vida, tanta que ainda não cai em mim. Muito obrigado por me fazerem sorrir nos momentos de necessidade e por criarem e manterem este lugar onde eu sinto que pertenço, apesar de tanta confusão a dominar o mundo à nossa volta.
Nós devemos agradecer e pagar aos outros é em vida.
Portanto...
... tomem uma fatia de bolo red velvet a cada um de vocês!
Abril, Águas Mil - Capítulo Unico
Se existia algo
que Juliana Rodríguez Garcia adorava fazer era acordar tarde após uma louca madrugada
nas praias de Cabo Poco. O conforto da sua simplória cama caía sempre tão bem
depois de uma aventura regada a licor na garganta e areia nos pés — principalmente
se o relógio já marcasse as duas da tarde.
O quarto
desarrumado lembrava um autêntico alambique, sendo a única diferença um
Krokorok histérico com uma pá e esfregona em mãos, correndo de um lado a outro
atrás de uma pequena Sandile, procurando manter a ordem no meio da barafunda
instalada de roupas desarrumadas, lixo e poeira enfeitando o chão e a mobília. Juliana
costumava sempre manter o seu espaço pessoal organizado dentro dos possíveis,
mas bastava bater o dia um de Abril que — literalmente — esse seu lado de
menina organizada parecia uma mentira em sua personalidade.
Os avôs paternos
nunca se esqueciam dela. Pelo contrário, até enviavam as coisas cedo demais.
E ali estavam os
antecipados presentes de aniversário aos pés da sua cama, no aguardo do dia
vinte e quatro para serem desembrulhados. Chegaram na manhã anterior, como
sempre, e Tolya já rasgara uma parte do embrulho brilhante de uma das caixas,
mal contendo sua curiosidade. Tamar adotava a pose de guardião obsessivo do
tesouro. Mesmo sabendo que Juliana nunca daria uso às ofertas depois de
abertas, iria garantir que ninguém estragasse a surpresa. Só seriam abertas pela
própria no verdadeiro dia do aniversário de Juliana e ponto final.
O Senhor Abílio e
a Senhora Adelina enviavam sempre três caixinhas coloridas de laços
extravagantes para a neta. Uma oferta individual de cada um, e uma terceira
caixa que procurava ser uma escolha de ambos – tentativa fracassada de
preencher um espaço vazio que há muito não existia. Juliana já avisara ambos no
passado para não o fazerem, só pioravam as coisas naquela época do ano, mas
eram teimosos e amavam demais a neta para lhe darem ouvidos. Um mimo extra era
garantia, já que a neta nunca os ia visitar e muito menos atendia os
telefonemas, e com a idade avançada a viagem se tornara longa demais para o
velho casal.
— Juliana! Está
na hora da aula! — ouviu de repente uma voz no outro lado da porta após umas
salientes batidas.
A garota
pressionou o travesseiro contra a face, soltando um ‘’Já vou, mãe’’ nada
convincente. Não faria mal nenhum tirar mais uns cinco ou dez minutos extra no
seu ninho para descansar da ressaca.
Talvez dona
Haruka não fosse se importar, pois significava mais um tempo extra dedicado à
Padaria Sonhos de Daschbun. O tempo da Quaresma era uma das épocas mais
atribuladas do ano para o negócio, ao lado da passagem de ano e Natal. Foram
inúmeras vezes em que as aulas em casa haviam sido adiadas ou canceladas porque
a famosa padeira de Cabo Poco tinha uma ou duas novas encomendas a fazer no
meio de tantas.
Aos cinco anos de
idade, o dia de Páscoa havia calhado no mesmo dia do aniversário da menina. Juliana
não se recorda muito da ocasião, mas pelos rumores, fora uma desgraça, com a
mãe quase se esquecendo de um bolo para a filha no forno e um princípio de
incêndio na cozinha. Em outros anos, a mulher já chegara a enviar o bolo de
aniversário acidentalmente a um cliente, dentro de uma das caixas de
encomendas, um erro que ia contra qualquer precedente, o que intensificava seu lado
perfeccionista.
As batidas na
porta tornaram-se mais persistentes.
— Juliana! Eu não
tenho o dia todo! Queres aproveitar a minha pausa ou não?
— Não… — E
limitou-se a virar a cara para o lado após entregar a resposta, ainda com a
almofada sobre toda a cabeça, salientando o peso dos cobertores que também lhe
tapavam o corpo inteiro. Só um minúsculo buraco entre as ondas de tecido a
adolescente usava para respirar.
Sentiu a maçaneta
da porta a girar, mas havia trancado-a quando se deitou para não ser incomodada
e para a mãe muito menos ver a perdição de confusão que ocorria por todo o chão
do quarto.
Haruka soltou um
suspiro de frustração quando tentou girar a maçaneta outra vez, em vão.
— Minha menina,
não me obrigues a estragar a porta outra vez!
— Mãe. Deixa-me
dormir!
— São quase três
da tarde! Não sais-te desse quarto. Não comes-te nada o dia todo.
— Não preciso de
comer para dormir.
— Já deste sequer
comida a Tolya e Tamar?
Juliana desviou
brevemente a almofada para o lado, olhando na direção da taça de comida e caixa
de areia de seus Pokémon localizada nas proximidades. Tamar era um bom mordomo
que deixava as coisas tanto organizadas ao ponto de saber cuidar de si e outrem.
Entre tudo, era a única área do quarto que ele estava a conseguir manter impecável.
A adolescente
voltou a cobrir a cabeça com a almofada, e a resposta saiu, mais uma vez,
abafada pela massa de espuma.
— Eles
desenrascam-se.
— Sim, e também
precisam de apanhar ar puro. Um banho de terra faz bem a eles, afinal são
Pokémon terrestres, apesar de eles se darem bem na escuridão. Tens a certeza
que eles ai dentro não estão pressionados?
— Humm…
Tolya não parava
com as tentativas de assaltar as prendas de aniversário. As humanas as podiam
ter simplesmente escondido num canto qualquer, longe de tamanha curiosidade. A
diferença é que a irrequieta Sandile descobriria ao explorar todos os cantos da
casa, e iria destruir tudo quando ninguém estivesse a olhar. Era melhor assim, com
Tamar de guarda constante, sacrificando a higiene do quarto para correr
constantemente atrás da irmãzinha rebelde. A paciência do Krokorok estava por
um fio.
— Espero que o
quarto esteja limpo... — sentiu a mãe cruzar os braços, ao encostar todo o corpo
na porta.
Uma subtil
ameaça.
Silêncio.
A adulta esfregou
as têmporas.
— Andas-te no
álcool outra vez? — Voltou a ouvir a voz da mãe, ameaçadora do outro lado.
A adolescente
manteve o silêncio. Uma das suas velas aromáticas ainda queimava nas
proximidades, quase a terminar o pavio, mas nem isso impedia o olfacto apurado
de Haruka em identificar o veneno que a filha ingeria quase todas as noites.
Era um perigo encontrar-se acesa com os constantes pulos de Tolya e Tamar de um
lado a outro, mas em sua mente deambulavam questões maiores.
— Não negues, eu
sinto o cheiro daqui. Eu não sei quem vende essas coisas a menores de idade e
muito menos onde arranjas já que o stock
da nossa loja está intacto, mas quando eu descobri tu vais ter problemas… Oh,
se vais! — E pelo tom de voz, era claro que a mulher já estava igual o
Krokorok, pelos seus limites.
Juliana soltou um
suspiro, levantou-se devagar para evitar tonturas, mas, principalmente,
problemas maiores com mais uma briga indesejada entre ela e progenitora, algo que
era comum com bastante frequência e podia atingir níveis feios.
Dirigiu-se até a
porta, girou o trinque, abrindo-a muito a contragosto e recebendo o olhar de
reprovação da mãe, a analisando de cima a baixo.
— Olha só o teu
estado… — Começou, antes de ser interrompida.
— Eu sei, eu sei que
eu devia ter vergonha, tomar banho mais vezes, e mais blah, blah, blah… Bom dia
também para ti. — Falou, não deixando a progenitora continuar.
— Correção: Boa
Tarde, Juliana — Haruka emendou-a, para sua insatisfação.
— Podemos lá
despachar isto? Tu não tens uma lista de coisas infindáveis na padaria para
fazer? Pois olha que eu também tenho.
— Espero que
arrumar e aspirar esta espelunca seja uma dessas tarefas — a mulher espreitou
por cima do ombro da filha para o interior do quarto que mais lembrava um
lixão. — Eu já te disse, tu és melhor do que isto.
As olheiras
negras e cabelo desgrenhado não negavam o nível da louca aventura nocturna que
a jovem havia vivenciado. Juliana revirou os olhos e colocou-se em marcha, em direção
à sala de estar pacata da casa, que ficava no fundo do corredor.
Haruka moveu a
cabeça ligeiramente para o lado, agarrando uma Sandile pela cauda, que tentava
escapulir-se entre suas pernas para seguir a treinadora e, consequentemente, ir
a caminho da sua liberdade. Se Tamar a seguisse, ela iria conseguir
desnorteá-lo nos corredores da casa ao ponto de ter tempo suficiente para
voltar ao quarto e rasgar os embrulhos para saciar a curiosidade. Uma pena que
seu plano maquiavélico fora cancelado cedo demais.
A pequena
crocodilo arregalou os olhos, e manteve-se muito quieta enquanto era elevada no
ar pelo braço forte da humana. Odiava ficar de cabeça para baixo assim,
pendurada que nem umas calças num estendal.
— Eu sei que tens
fornecedores, sua safada. Tens sorte eu não ter provas suficientes… Mas quando
eu descobrir quem te dá as bebidas, podes ter a certeza que tu só não vais
junto para a prisão porque és um Pokémon, e sem ti, aí é que a Juliana se
meteria mesmo em coisas piores. — Haruka falou para Tolya, que assoprava em
resposta, com os dentes arregaçados. Depois encarou Tamar, que, obediente e
educado como sempre, apressou-se a fazer o pedido que se seguiu. — Vou levar a
Tolya para o seu castigo e ela deixará de te ser um problema, pelo menos, para
já. Apressa-te a arrumar o quarto e depois vai para a cozinha. Temos muito a
fazer lá em baixo.
— Sim, minha Lady Senhora Mãe da Juliana —
e Tamar realizou uma vénia educada.
— Quando ela disse castigo, ela quis dizer que
me vai prender outra vez à perna daquela avestruz sardenta? — Tolya não
estava nada satisfeita.
— Não é como se não merecesses. A Cleo é a
melhor Espathra pra te por na linha — Tamar sorriu, triunfante, já a dar
uso a seus materiais de limpeza.
Tamar sabia que
Cleo era intensa quando queria e quando era necessário. Tolya odiava-a tanto do
mesmo modo que Cleo detestava servir de baby-sitter.
Só o fazia porque sabia que a recompensa seria bastante satisfatória no final.
Era impossível negar uma fatia de bolo red
velvet no fim de cada sessão exaustiva de cuidar da Sandile rebelde. Haruka
sabia mais que ninguém que seus Pokémon eram excelentes mentores, e nada melhor
que fazer os Pokémon da sua filha passarem um bom tempo ao lado deles.
— Mas ela é tãoooo chata… — Sandile soltou
um resmungo de aborrecimento enquanto Haruka caminhava com ela em mãos. No
outro lado do corredor, já a descer as escadas em direção à cozinha da Padaria,
ainda se sentia os seus queixumes infantis.
Cerca de vinte
minutos depois, Haruka regressou à sala de estar, para encontrar uma Juliana
ensonada com uma cara enterrada num livro, sentada em seu cadeirão favorito.
A televisão
estava ligada, passando imagens aleatórias das novelas favoritas da mãe, mas a
adolescente mal tivera noção em mudar de canal para algum dos seus canais
predilectos de vídeo-clipes de músicas, tão tonta se encontrava. Por outro
lado, era provável que tal não fosse possível, pois do comando remoto, nem
sinal dele por cima da mesa de centro da sala, onde geralmente se encontrava.
— Terminaste o
ensino Primário há quatro anos — ela abriu um olho ao ouvir a mãe dizer aquilo,
assim, simplesmente, do nada.
— Essa conversa
de novo? — sua voz saiu rouca.
Haruka pigarreou.
— Vai chegar uma
altura que eu não vou ter mais o que te ensinar.
— Não quero
saber. Não quero voltar para a escola.
Mais silêncio.
A mulher
dirigiu-se a uma das muitas estantes que se estendiam pelas paredes, passando
os dedos por todos os livros que lá se encontravam. Uma a uma a ponta do
indicador roçando nas lombadas. A maioria eram manuais antigos e enciclopédias,
existia sempre alguma coisa nova a descobrir no meio daquelas páginas de
conhecimento. Porém, ter acesso ao material era uma coisa, ter a capacidade de
ensinar esse mesmo material e o filtrar era outra, principalmente se tivermos
em conta as dificuldades de Juliana como aluna.
Bem no fundo,
Haruka sabia que, por muito que tentasse, a situação com a filha não podia
continuar assim. Juliana era uma cabeça oca que necessitava de mentores a
sério. Profissionais capacitados para lidar com ela.
— Já vimos quase
tudo o que temos por aqui. Só nos resta olhar a Internet, onde encontramos tudo
e mais alguma coisa de graça. Mas eu não gosto, pois Internet é sinónimo de
imensas distrações… Principalmente para ti. E haja dinheiro para papel e
tinteiros para imprimir tudo o que eu desejar.
— Sim, eu sei. As
tuas novelas já são chatas o suficiente — ela resmungou, torcendo o nariz de
nojo ao fitar o enorme televisor que cobria a parede.
— Sim, uma
excelente maneira de te deixar concentrada no que eu quero que estudes — a
mulher realizou um sorriso no canto da boca.
Quando um
adolescente estuda, até olhar as paredes costuma ser mais interessantes que as
letras do texto do material em si. Mas no caso de Juliana, era bem melhor tomar
atenção a um caderno, tirando apontamentos sobre ciências naturais ou
realizando cálculos matemáticos, do que olhar dramas de novelas ou bulhas entre
concorrentes de reality shows. Aquele
tipo de conteúdo era uma tortura para ela.
Em certo momento,
Haruka respirou fundo, preparando-se para a derradeira revelação, e removeu uma
folha do bolso, desdobrando-a.
— O Senhor Abílio
e a Senhora Adelina ofereceram-se para me ajudarem a pagar os teus estudos. Eu
rejeitei.
— Outra vez isso?
Que bom! — Juliana não escondeu a felicidade.
Felicidade esta
que durou pouco tempo, pois a informação seguinte lhe caiu como um raio.
— Em Setembro
vais para a Academia Naranja e Uva. Eu vou matricular-te este verão.
Um “O QUÊ?” foi solto mentalmente, mas
Juliana sentia-se tão tonta que apenas limitou-se a voltar a deixar a cabeça
cair no meio do seu livro, com um estalo poderoso. Foi sorte se ela não ficar
com a testa negra.
— Eu. Não. Quero.
E com tantas escolas em Paldea… Logo essa?
Levantou a
cabeça, somente por Haruka ter enfiado a mão entre seu cabelo solto,
puxando-lhe pela orelha com força tal que a mesma ficara vermelha. Podia ser
que tal golpe chama-se a filha à razão. Um gesto que a mãe ansiava imenso
realizar desde a altura que viu o filme de terror nos aposentos da pequena, e
apesar de não gostar de bater em Juliana, tomara coragem para realizar o ínfimo
castigo corporal.
— Au! Larga-me!
Já não sou criança nenhuma! Para!
— Eu ainda cortei
custos na Padaria e poupei uns trocados nos últimos meses para ter dinheiro
suficiente para as propinas e é assim que me agradeces? A Academia Naranja e
Uva é a melhor e mais prestigiosa escola de toda região de Paldea, para não
falar uma das mais famosas no mundo. Nem todos tem a oportunidade que eu te vou
dar!
— Aquele edifício
grandão de Mesagoza? Parece tão velho e chique que qualquer dia cai. Frequentar
aquilo parece mais chato que as tuas novelas da tarde!
E soltou a orelha
da adolescente, mas seu discurso continuou.
— Eu estudei
durante muitos anos naquela escola e foi uma das melhores experiências que eu
tive na minha vida. Também quero que tenhas isso para evoluíres como pessoa.
Ficar sempre aqui, fechada em casa, não te faz nada bem!
— Engraçado que
eu sinto o contrário. Sair de casa é prejudicial para minha saúde.
— Eu sei,
Juliana, que a tua bateria social é fraca. Mas vais fazer um esforço, sim? Tens
que assumir responsabilidades. Além disso, ainda estamos em Abril. Tens o ano
inteiro para te despedires de casa a mandriar.
— Obrigada pela
parte que me toca — Juliana, agora livre do dedo da mãe na orelha, não parou de
esfregar a área, para não a sentir tanto dolorida.
— Vais negar que
és preguiçosa agora? Enfim… Eu tratarei de toda a burocracia e tu não precisas
de mexer nem um dedo, além de dar uma melhorada em teu comportamento. Eu juro
que não vou andar sempre em cima de ti para sempre. Ai de ti se chegares
atrasada algum dia!
— Está bem, mãe.
Já entendi. Já ouvi essa mesma conversa milhares de vezes.
— Só quero me
garantir que ela fica bem entranhada na tua cabeça… Agora diz-me, o que é que
queres para o teu aniversário?
Juliana piscou os
olhos ensonados. A realidade bateu na sua cabeça. Estou quase a completar dezassete anos. Boa. Mais um e posso ir
oficialmente para a cadeia… Mas pelo menos, estou livre no consumo de minhas
bebidas predilectas.
— Não precisas de
te preocupar, podes te esquecer dele, igual ocorre em outros anos. Não quero
nada. — Foi o que acabou por dizer.
— Para começar,
eu nunca me esqueço. Tu é que te enfias sempre vinte e quatro sob vinte e
quatro horas na cama e a Tolya come o bolo todo antes de tu apareceres. Mas
este ano, não queres mesmo nada, nem sequer algum bolo? Algum pudim? Outro tipo
de guloseima?
A garota encolheu
os ombros.
— Eu não quero
celebrar meu aniversário. Nunca quis. Não quero bolo nenhum! É assim tão
difícil compreenderes isso?
A mulher soltou
um longo suspiro contido que há muitos minutos aguentava.
— Quantas vezes
eu tenho que te dizer que devíamos celebrar! Nos livramos daquele homem, devia ser uma comemoração por eu ter tido coragem de
assinar a papelada do meu divórcio e denuncia-lho. Não devia ser um velório!
— Isto talvez seja
fácil para ti, mãe. Sabes perfeitamente que, no meu caso, é mais complicado. Eu
perdi tudo.
Mais outra onda
de silêncio. Uma pausa carregada encheu o ar. O bom e saliente silêncio,
somente quebrado pelo barulho das imagens do televisor entrecortado com o som
do ar condicionado e o borburinho típico de restaurante — talheres e pratos a
terlintar vindos do andar de baixo da casa.
Haruka sentou-se,
cabisbaixa, no sofá. A distância que existia entre ambas não era apenas o vão
físico, encontrado entre aquele espaço e o cadeirão.
Acabava por ser
algo mais.
A mulher procurou
esboçar um sorriso. Era muito difícil lidar com a situação enquanto memórias
longínquas ainda deixavam um sabor amargo na boca. Algumas eram tão complexas
que ficava difícil acreditar que realmente aconteceram, e não eram nenhum
produto das fantasias da imaginação.
Com a voz
engasgada, Haruka acabou por soltar.
— Juliana, estou
aqui, não me perdeste. E se estás a te referir à Eurene, foi um acidente. Eras
apenas uma criança… Brincando com outra na hora, local e momentos errados. — E
a quietude da outra fez Haruka prosseguir o diálogo. — Quem teve a verdadeira culpa
fui eu! Estava tão ocupada que não vos prestei atenção! Tu não devias te
cruxificar tanto!
Já não conseguia
ouvir mais. A garota levantou-se de rompante, deixando seu manual escolar e
seus cadernos caírem ao chão, com um estrondo e uma chuva de papelada
esvoaçando e enfeitando vários metros de distância.
— Nunca me vais
conseguir compreender! — Quase gritou, deixando a porta a bater com força atrás
de si depois de sair a uma velocidade surreal.
De volta ao
quarto, de volta a seu buraco escuro onde tinha a certeza que não iria magoar
mais ninguém.
Antes de
regressar ao trabalho, Haruka ainda ficou muito tempo ali, fitando o espaço
vazio que Juliana ocupara havia poucos minutos antes. Se existia alguém que realmente
compreendia, era ela. Mas por que é que era tão difícil mostrar isso? Seriam os
conflitos de personalidade entre ambas? Sabia que tinha que ter calma com ela,
mas a realidade é que Juliana levava as coisas a um lado tão extremo que tal
parecia impossível.
Encostou as
costas no sofá e ficou olhando para cima, num gesto meditativo.
Tudo começara
graças àquele maldito acidente que assombrava tanto Juliana. Santiago Garcia
ficou um homem completamente diferente — mais violento — depois de tamanha
perda. Por vezes, Haruka não sabia como conseguia ser tão insensível. Talvez
porque, para começar, não era suposto Eurene ter existido. Juliana era próxima
demais do progenitor na época, e, do nada, aparece outra criança roubando as
atenções? É claro que ela iria crescer frustrada!
Bem no fundo,
Haruka estava a ser egoísta. Ela sabia disso.
Mas como não ser
quando o ex-marido, do nada, aparecia com uma filha de outra mulher, que nem
ele próprio sabia que existia?
Haruka sacudiu a
cabeça e desviou aquelas estúpidas e amaldiçoadas memórias. Levantou-se e
partiu em direção ao andar de baixo da casa. Precisava se distrair urgentemente
e nada melhor que sacrificar suas duas horas de pausa para afundar-se até o
pescoço em limpezas e mais tarefas da Padaria para se saciar, evitando levar as
lembranças mais além da ponta do iceberg.
O quintal da casa
também tinha uma ou duas ervas daninhas entre os canteiros de flores que
precisavam de ser removidas urgentemente, antes de ficarem maiores ao ponto de
matarem a raiz das suas plantações. Talvez uma boa jardinagem cairia bem
naquele dia, enquanto deixava tudo a cargo dos seus Pokémon. O cheiro de terra
fresca e plantas era um aroma bem terapêutico para a alma.
Mas as ideias
mudaram abruptamente quando chegou à cozinha, dando de caras com o caos ali
instalado.
— TIRA-A DAQUI! TIRA-A DAQUI! — choramingava
um Pokémon de corpo longo e esguio, a correr de um lado a outro. Haruka fechou
a cara ao ver que, em pouco tempo de sua ausência, a cozinha inteira ficara
igual ao quarto de Juliana em termos de desarrumação e destruição.
Danny, um enorme
Dudunsparce de três segmentos que mal cabia nos corredores entre bancadas,
corria de um lado a outro, batendo com o enorme lombo em tudo o que era lugar,
uma tentativa desesperada de livrar-se da Sandile agarrada a uma das suas asas
com a mandíbula. O restante dos Pokémon tentava acalmar o matulão, sem sucesso.
Pratos e utensílios de cozinha não paravam de cair dos espaços onde se
encontravam arrumados devido a mini terramotos que o corpo enorme do Pokémon
causava a cada impacto. Muitas das encomendas já haviam sido destruídas num
prejuízo de incontáveis Pokédollars.
— Sério mesmo que
eu não posso sair daqui que tudo se descontrola? Onde está a Cleo? — a pergunta
da humana recém-chegada soou no ar, intimidante ao ponto de todos se
imobilizarem, devastados.
Uma pequena massa
flutuante conhecida por Milcery apontou inocentemente para um dos cantos da
cozinha, onde uma avestruz jazia, caída no chão, ao lado de uma frigideira
tombada. Um Pokémon humanóide conhecido por Tsareena abanava um papel em forma
de leque, na tentativa desesperada de despertar a avestruz que ali havia
desmaiado depois de levar um golpe forte na cabeça.
Haruka
aproximou-se rapidamente dela. Existiu uma época em sua vida que ela estudara
enfermagem Pokémon, mas os planos, sonhos e ambições mudaram drasticamente com
os anos, e a vida a levara para um rumo completamente diferente. Portanto,
sabia o que tinha a fazer em casos de primeiros socorros. Removeu do bolso um
spray de Poção Especial para urgências que esguichou no bico da Espathra. Em
poucos minutos, ela não tardou a despertar graças ao cheiro forte.
— O que raios aconteceu? Por que minha cabeça
tá doendo? — Cleo olhou para todos os lados, atordoada. Depois, fitou Jade,
a colega a seu lado. Piscou em breves instantes os seus grandes olhos azuis. — Eu… Morri?... Mamã? És tu?
— Eu quero todos
de volta ao trabalho! Por amor à Arceus! — exclamou Haruka.
A mulher agarrou o
Dudunsparce pela enorme cabeça e tocou em um nervo específico debaixo do queixo
do Pokémon, fazendo o enorme matulão imobilizar-se e cair.
Antes de ter
qualquer chance de escapar, voltou a agarrar a Sandile pela cauda, sacudindo-a
com força em pleno ar.
— És mesmo um
íman de problemas, não é mesmo, sua maldita? Tu e a Juliana fazem mesmo um belo
par! Até tenho pena do Tamar por cuidar de vocês dois sozinho a toda a hora!
E apressou-se a sair
da cozinha, em direção ao quarto da filha. Abriu a porta com um pontapé forte —
se a mesma estava, ou não, trancada, agora era difícil descobrir graças à
maçaneta que se havia quebrado entre as lascas de madeira que voaram após o
golpe.
Juliana encontrava-se,
novamente, debaixo do aconchego dos seus cobertores suados, enquanto Tamar
terminava de varrer o chão com a vassoura, mais aliviado por a ordem dentro
daquele aposento ter sido restabelecida, mesmo que temporariamente.
Ao sentir o
estrondo da porta, só teve tempo de olhar para cima, com espanto, e levou logo
com uma pequena Sandile no meio do focinho, que Haruka havia atirado em sua
direção com imensa frustração.
— TAMAR? SERÁ QUE
ÉS MESMO O ÚNICO QUE CONSEGUE BOTAR ESSA PEQUENA GIRATINA NA LINHA? E JÁ AGORA,
DESCULPA ESTAR A GRITAR CONTIGO! TU NÃO TENS NOÇÃO DO CAOS QUE ESTÁ LÁ EMBAIXO
NA COZINHA! E EU TENHO QUE LEVAR A CLEO
AO CENTRO POKÉMON! E ESTÁ TUDO ATRASADO!
O pobre crocodilo
encarava a humana piscando os olhos sem compreender nada, enquanto a Sandile,
presa em seus braços, mordiscava os seus dedos e não parava de assoprar,
tentando escapulir-se para pular na direção do seu objetivo: destruir a prendas
de aniversário, localizadas a preciosos centímetros de distância.
— Vá lá! Deixa-me ir ver uma coisa naquelas
prendas!
— Não vais, não! – grunhiu Tamar,
frustrado pelos seus minutos de paz terem terminado abruptamente. — Eu sei bem o que esse teu ‘’ver’’
significa! Não vais rasgar aqueles presentes, nem que eu caia morto por um tiro!
— Então, Tamar! Só quero confirmar uma coisa!
Eu tenho certeza que as caixas estão vazias. Não fizeram barulho algum quando a
Jade as deixou cair quando as trouxe ontem.
— Para começar, ela é uma Tsareena demasiado
delicada para esse percalço. Segundo. Para com desculpas esfarrapadas. Eu sei
bem quais são as tuas intenções! Não vais abrir esses presentes!
A mulher, depois,
dirigiu-se até o espaço da filha, removendo todos os cobertores dela, e
fazendo-a a garota cair no chão num estrondo, por se encontrar embrulhada que
nem um casulo no meio dos lençóis.
— Mãe. Que
gritaria! Podes-te calar?!
— POR ARCEUS!
JULIANA, PRENDE ESSA MALDITA NA POKÉBALL E NÃO A DEIXES SAIR MAIS PELA CASA
HOJE!
— E por que
caralho o Tamar não a deixa abrir aquelas caixas? — Juliana, ainda no chão, colocou os cobertores
por cima da cabeça. — Problema resolvido. Não é como se eu me importasse. Nunca
gosto do que eles me costumam oferecer pelos anos mesmo.
Tanto Haruka como
Tamar olharam incrédulos para o amontoado de cobertores no chão.
Pela primeira vez
naquele dia, Juliana mostrara um ponto completamente válido.
— Tens a certeza?
— A voz de Haruka amansou. Pouco a pouco, ficou claro que ela própria também parecia
curiosa. — Quer dizer… Se for outro daqueles perfumes que tu não gostas e eu acabo
sempre por usar… Bem… Eu não tenho falta agora. Um dos de ano passado, ainda
tenho um frasco cheio.
— Mas, minha treinadora, dizem os costumes
humanos que abrir presentes e desejar parabéns antes do dia costuma entregar
azar a quem o faz. — O Pokémon apertou mais Tolya em seus braços, que
parecia ansiosa por ver que o rumo da conversa iria levar mesmo à concretização
das suas vontades. Tamar era deveras um Krokorok bastante supersticioso.
— Não é como se
eu já não fosse uma azarada, Tamar — pelo movimento dos cobertores ao soltar a
voz abafada, era claro que esta se encontrava deitada em posição fetal. — Deixem
a Tolya fazer o que ela quiser e parem lá com essa barulheira toda.
Ordens eram
ordens. A Sandile estufou o peito, orgulhosa, quando o Krokorok incerto
obedeceu o desejo da treinadora, a pousando no chão. Com a boca aberta, dentes
afiados, prontos para rasgar e mastigar, Tolya atirou-se aos três presentes de
aniversário num súbito salto.
Das três caixas,
começou pelas duas maiores. Um rasgo aqui, e outro acolá, lá revelavam a caixa
de papelão interior, deixando o outrora chão impecável sujo de lascas de papel
de embrulho, que nem pegadas de terra sujando o azulejo e os tapetes de uma
ponta a outra.
— Eu sabia, está vazia! — Anunciou Tolya
ao mundo, ao terminar de abrir a primeira caixa.
O Krokorok evitou
olhar para o interior da caixa de papelão, por tal parecer mal-educado, mas a
exaltação na voz da Sandile venceu.
Ele próprio
espreitou o interior, para o confirmar, com uma nova onda de curiosidade.
— Está vazia… Está mesmo vazia — Tamar certificou-se.
Mal podia acreditar. Estava disposto a dedicar tanto tempo e garra a proteger
aqueles presentes para, no final das contas, chegar o dia vinte e quatro e os
mesmos acabarem com um vazio decepcionante no interior.
— Está vazia? O
quê? Não tem nada dentro? — Juliana pareceu despertar por completo, removendo
rapidamente as ondas de lençóis que a cobriam e correndo até o local onde as
caixas se encontravam empilhadas.
— Como assim está
vazia? Vocês têm a certeza? — Haruka, que se aprontava para sair do quarto e já
se encontrava ao lado da porta, acabou por voltar a dar meia volta com o
objetivo de contemplar aquela surpresa estranha.
Juliana acabou por
agarrar a outra caixa grande. Quando a abriu, não houve surpresas. Agora jazia
duas caixas vazias aos seus pés.
— Que tipo de
jogo aqueles velhinhos idiotas andaram a tramar? Será que houve algum problema
nos correios? — Haruka começou a questionar-se. — Não… É impossível. A
encomenda chegou completamente selada.
— Talvez eles se
esqueceram de colocar a prenda no interior. Eu… Eu não sei. — Juliana encolheu
os ombros, já procurando a terceira e última caixa entre o lixo de papel de
embrulho desfeito.
O Senhor Abílio e
a Senhora Adelina nunca iriam se esquecer de tamanho dia importante… Pois não?
A folha que Haruka assinara ao carteiro e seu Dragonite, para confirmar ao
remetente a chegada da encomenda ao destinatário, indicava que era realmente
uma encomenda vinda diretamente de Porto Marinada. A murada, os nomes,
encontrava-se tudo dentro dos conformes.
Tamar começou a
procurar entre as folhas, enquanto Juliana mantinha a pequena caixa em mãos.
Não podia ser.
Alguma coisa se encontrava muito errada.
Seus avôs enviavam
sempre qualquer coisa.
Um envelope com
vários Pokédollars que Juliana gastava no seu abastecimento secreto de bebidas
alcoólicas com Tolya era a esperança que Tamar tinha ao procurar no meio da
barafunda. Até a própria Tolya o ajudava, esfregando o focinho que nem um Lechonk
entre as folhas.
Na maioria dos
casos, a oferta continha perfumes que ela nunca iria usar, pijamas bonitos que,
mal por mal, apesar de cores pirosas e extravagantes, a garota acabava sempre
por vestir. Em alguns casos, até cordas novas para sua guitarra e alguns desinfetantes
especiais que iriam proteger a madeira, pois seu avô também fora músico em
tempos e sabia da paixão da neta mais que ninguém. Diários novinhos para ela
anotar suas canções também se tornavam conteúdos comuns nos últimos anos.
O mesmo padrão se
repetia na época Natalícia. A encomenda chegava cedo demais. Ou era dinheiro,
ou pijamas, ou perfumes, ou packs de higiene clássicos com desodorizante,
champô e gel de banho, creme hidratante…
Juliana chocalhou
a pequena caixa. Dentro dela, jurou sentir qualquer coisa, apesar de, tal como
as outras duas, continuar leve que nem uma pena.
Fitou a mãe com
descontentamento, que havia se ajoelhado ao seu lado.
— Tem que haver
algum motivo para isto… — Começou Haruka. — Talvez dentro dessa caixa exista
algo.
A terceira caixa
era algo que Juliana acabava sempre por descartar sem nunca abrir.
Mas naquele caso,
a curiosidade falou mais forte.
Puxou o laço
encarnado brilhante por uma das pontas, o mesmo desfez-se, libertando o papel
de embrulho de suas correntes, facilitando a sua remoção. Apesar de mais
pequena, a caixa mantinha o mesmo tom de papelão das outras.
Nada de novo e
suspeito até ali.
Mas tudo mudou no
momento que Juliana abriu suas abas, dando de cara com um papel dobrado em duas
metades, bem no fundo escuro da caixa.
Uma carta.
Uma carta escrita
com muito amor.
– O que será que
diz?... – Começou Haruka, afastando-se um pouco para dar à filha a devida
privacidade.
Juliana, sob a
luz serpenteante de sua vela aromática, sentou-se na beira da sua cama, ao lado
da mesa-cabeceira, para iniciar sua leitura.
A letra em
português foi difícil de interpretar ao início, principalmente depois de passar
tanto tempo a ouvir e a ler coisas somente no bom e velho espanhol.
Mas logo ela se
acostumou ao ritmo, pois pouco a pouco, se recordava da maneira certa de
decifrar a letra bonita do seu avô e o tom suave de sua avó.
Abril. Águas Mil.
O velho ditado Porto-Marinense nunca antes pareceu tão
real aqui na nossa pacata e vazia casa à beira-mar. É curioso o quanto a
tristeza é sempre relacionada com a chuva. Sabemos que contigo ao longo deste
mês, minha neta, é igual. Mas fica sabendo que não estás sozinha nas ondas da
dor e nas encruzilhadas da jornada.
Olhamos o horizonte, respiramos o ar salgado da maresia,
e pensamos… Será que, se algumas coisas tivessem acontecido de maneira
diferente, o rumo da nossa vida teria sido igual? O que será que existe para lá
daquilo que o mar nos mostra?
A dor da perda é difícil de superar, principalmente nas
horas em que se percebem que fazem anos que ocorreu. Mas tu, Juliana, também
tens que pensar: HYAY! Faço dezassete anos! Só mais um ano e lá vem os dezoito!
A vida adulta começando oficialmente! Um ano passa mais rápido do que aquilo
que se julga. Nessa altura, poderei sair de casa e viver sozinha, poderei ir
votar, namorar à vontade sem ninguém me julgar por ser menor de idade, e, se eu
fizer alguma merda mais grave, posso ir presa! Hahaha!
(A tua avô quase não me deixou acrescentar e escrever
esta parte da carta, mas eu editei a mensagem antes dela reparar. Não lhe
contes nada, está bem? Fica nosso segredinho! Ela discutiu comigo, dizendo que
dezoito anos não muda nada na vida a ninguém. Mas que palavras chatas as dela,
não é? Eu cá acredito que, todos precisamos apenas de um incentivo para pensar
positivo. Vai lá para fora aproveitar a juventude e diverte-te, rapariga!
Qualquer idade é um marco que deve ser celebrado!)
Deves ter ficado surpresa por estas caixas este ano
terem vindo vazias. A verdade, é que nós os dois não sabemos mais o que te
oferecer, pois já te demos de tudo o que pudemos pensar. Já deves estar tão
grande, tão crescida… com gostos completamente diferentes daqueles que nos lembramos
vindos de ti. Não largas-te a música naquela velha guitarra, pois não? Ela liga
tudo o que resta da nossa pequena família.
Então, tal como o poder da música, este ano nós os dois
decidimos entregar-te algo que só possas conseguir receber com o coração.
Sentir.
Lembras-te daquele filme com dinossauros que tu gostavas
tanto em miúda? Ainda temos a VHS aqui em casa, e nós os dois reassistimos o
filmes estes dias, lá na velha e grandona TV que só funciona às mil pancadas,
só para te voltarmos a dizer a mesma frase do filme:
Deixa o teu coração guiar-te. Ele sussurra, por isso,
ouve-o com atenção.
Algumas palavras fazem melhor sentido em certas fases da
vida. Incrível como histórias são quase imortais se as virmos por esse ângulo,
não é?
Sabemos que possivelmente ignoras-te e deitas-te fora
esta mensagem. Mas a escrevemos na mesma, com fé em Arceus que a mensagem
chegaria a tuas mãos de alguma maneira e que a lerias, pois nós os dois te
amamos mais do que qualquer outra coisa em nossa vida.
Reconhecemos que a nossa casa carrega demasiadas
memórias para ti, mas por favor, se um dia decidires passar por perto de Porto
Marinada, vem fazer-nos uma visita.
Nós sentimos mesmo a tua falta. Ou, pelo menos, devias
atender os nossos telefonemas.
Eu e a tua avô não iriamos aguentar uma viagem longa
para te ver em Cabo Poco, infelizmente, e tu sabes bem o infortúnio da última
vez que tentámos.
E nesta carta, não cabe tudo o que queremos te dizer.
Por mais palavras que existem, muitos sentimentos não se podem expressar.
Oh, por Arceus, olha só como esta carta já está longa!
Qualquer leitor já deve estar a dormir a esta hora!
Antes de concluir… Só vamos acrescentar: Acreditamos que
não existe presente de aniversário melhor neste mundo do que um beijo e um
abraço. Já que algo físico e palpável parece uma realidade distante, neste
momento, quero que saibas que foram imensas as vezes que agarrámos esta carta
junto ao peito.
Pode ser que assim, indiretamente, consigas receber todo
nosso amor.
Falando em beijos e abraços, tenta abraçar a senhora
Haruka mais vezes. Ela é a tua mãe e uma mulher forte e maravilhosa, que cuida
muito bem de ti, sempre pronta a se sacrificar por tudo. É o teu aniversário e,
afinal das contas, também é um dia para ela, pois ela é que te carregou em seu
ventre e sofreu imensas dores para te trazer a este mundo. Foste um presente
muito desejado dela, devido às suas dificuldades em conceber. Nem todas as
pessoas que nascem tem essa mesma sorte. Já existem desgraças suficientes neste
mundo, todos precisamos de pequenas ideias e palavras de conforto que nos façam
sorrir.
Por favor, vocês são duas grandes guerreiras. Superaram
as dificuldades com garra! Neste Abril, por favor, esqueçam a desgraça e
celebrem os vossos triunfos juntas. Assim, a água das chuvas parecerá menos
gelada.
Com muito amor.
Dos teus avôs paternos,
Abílio & Adelina.
Não evitou sorrir
quando leu algumas partes, pois julgou sentir o tom de voz rouco de cada um
deles a murmurar aos seus ouvidos. Também imaginou-os a observar o oceano no
topo do farol lá no promontório de Porto Marinada, de mãos dadas, como tanta
vez faziam. O seu avô a cantarolar aos toques da sua própria guitarra era uma
imagem difícil de esquecer, e que se mantinha bem nítida em sua cabeça.
Juliana fitou a
vela tremeluzente ao seu lado, que estendia constantemente a sua sombra na
parede do quarto.
Dobrou o papel
até o mesmo se tornar um quadrado minúsculo e, de seguida, atirou-o à chama num
gesto impulsivo. A chama devorou-o de forma instantânea.
Tal como seus avôs
disseram, existia coisas que não dava para transmitir com palavras. Pelo
contrário, eram sentidas no coração.
Preferia guardar
aquelas palavras para si e somente para si, agora transformadas no calor do
fogo que abrasava a sua pele.
Haruka, Tamar, e até
mesmo Tolya, ficaram atónicos com aquilo, talvez, obtendo uma ideia
completamente errada da realidade que ocorria na cabeça da adolescente. O papel
acabou por cair no chão de azulejo, onde terminou de desintegrar-se, até se transformar
num montinho de cinzas disforme.
— O que é que
estás a fazer? Juliana… O QUE É QUE O PAPEL DIZIA? DIZ-ME IMEDIATAMENTE! — A
mulher estava à beira do colapso.
— O chão que eu acabei de limpar… — Tamar
lamentou, pois já tinha ajuntado as papeladas dos embrulhos e lascas de madeira
da porta partida, enquanto aguardava o momento silencioso de leitura da
treinadora.
— Não era nada
demais, mãe… — Juliana começou a dizer.
— Eu ocupei meu
tempo precioso aqui por causa disso! A Cleo deve ter voltado a desmaiar a esta
hora porque não cuidei dela... — A mulher colocou a mão na cara, ainda a fitar
o chão, visualmente preocupada.
— Ainda me queres
fazer um bolo de aniversário? — Juliana soltou de impulso.
— O que te fez
mudar assim de ideias de repente? — Ela olhou, desconfiada para a filha.
— Não foi nada,
não… — Juliana apertou os punhos em seus joelhos, ainda a encarar as cinzas da
mensagem dos avôs, no chão. — O sabor pode… humm… Ser… Pode ser red velvet? Com aquele creme de laranja
que tu sabes fazer sempre tão bem? — Gaguejou, um toque de ansiedade na voz.
— Eu faço sempre esse
bolo para meus aniversários e, que eu saiba, tu odeias red velvet! Dizes sempre que é corante sem sabor a nada! — Haruka
estava embasbacada com aquilo.
Juliana soltou
uma pequena gargalhada, a primeira que Haruka via na filha há algum tempo, e
que a deixara completamente sem jeito melhor além de manter a surpresa mesclada
com choque gravada em sua face.
— Mãe… Eu acho
que este ano, eu consigo aprender a gostar. — Juliana prosseguiu, apesar de
tentar esconder uma expressão de nojo. — Só me apetece red velvet. É isso.
— Só porque é a
minha combinação favorita tu não precisas de pedir…
— Tu não querias
fazer algo para mim nos meus anos? Então pronto. Aproveita que eu te estou a
pedir algo agora e vai fazer sem falta! Deixa anotado na tua agenda, mãe. E se
eu mudar de ideias, ignoras e fazes na mesma. Como sempre fazes! — Disse, em
tom brusco.
Haruka calou-se,
e cruzou os braços um pouco amuada.
A adolescente foi
até o expositor e agarrou sua guitarra. Sentiu subitamente uma vontade bizarra
de aproveitar aquele bom tempo da tarde e ir tocar para o quintal traseiro da
casa.
Um dia raro entre
os típicos dias chuvosos de Abril.
O sol
encontrava-se radiante num céu limpo sem qualquer sinal de nuvens, e depois de
tanto tempo na escuridão do quarto impulsionada pelos cortinados fechados, sentir
tal calor iria cair mesmo bem enquanto olhava para o mar, que, sem dúvidas,
estaria a cintilar que nem uma bola de espelhos.
Mas antes de
sair, virou-se para a mãe, com um aceno de cabeça.
— Este ano, quero
celebrar meu aniversário contigo. Juntas.
E saiu em passos
rápidos, já a dar uns acordes em seu instrumento musical e sem deixar espaço
para a mãe retorquir o que achava da ideia.
— Não é como se
nós nunca passássemos o dia juntas, literalmente. — Haruka encarou os
crocodilos da filha, e encolheu os ombros. De certa forma, um alívio a inundou
antes de ela também sair do quarto, pois os deveres da rotina já a chamavam em
peso. — Acho que já sei o que os avôs paternos lhe disseram…Vocês dois. Certifiquem-se
que ela acorda cedo nesse dia.
— Red velvet? Eca — declarou a Sandile.
Já a seu lado,
Tamar fechou o focinho da sua irmã com um gesto súbito, a impedindo de falar
mais alguma asneira.
E anunciou em voz
alta, tanto o que vinha em sua cabeça e o que acreditava que vinha no interior
da melhor padeira de Cabo Poco:
— Vamos preparar-lhe a melhor festa de
aniversário de sempre!
— Todos os anos dizes isso e acaba sempre a
mesma merda — a Sandile conseguiu resmungar, apesar das garras que lhe
prendiam o focinho. As palavras entrecortadas foram bem audíveis. — O que fará este ano ser diferente?
Tamar sorria mais
que nunca olhando as caixas vazias. Aquela situação se resumia a uma palavra:
Improvável. Uma pequena diferença que fizera, bem, a diferença na rotina.
— Não sei — respondeu à irmã. — Mas é esse mistério e essa incerteza que sempre deixa tudo entusiasmante a cada época festiva que passa!
































































