Nemona corria Cabo Poco de uma ponta a outra, em busca de qualquer coisa que lhe pudesse ser útil para auxiliar a nova amiga, e, quando se entendia por buscar, ela estava a esgravatar praticamente todos os locais que encontrava em frente. Analisava a beira do precipito instável procurando possíveis caminhos, até a mais minúscula pedra no interior da mata ali do lado.

A jovem parou para recuperar o fôlego, e, após inspecionar alguns declives dos arredores, decidiu se distrair um pouco com outro assunto pendente enquanto buscava por soluções.

 O seu Pokémon, o Pawmo que deixara a cargo de controlar a corrente eléctrica do farol para evitar desgraças maiores, já dava sinais de exaustão. Não uma exaustão física, mas psicológica, por estar naquela tarefa repetitiva à mais de dez minutos. Nemona decidiu o ajudar na tarefa, para depois, ele próprio, livre da corrente, a auxiliar na busca de alguma entrada para o interior de Inlet Grotto.

– Espera ai amigo, vou desligar o quadro elétrico do farol… Onde será que fica? – Nemona refletiu, era a melhor solução, em vez de continuar a puxar tanto pelo Pokémon.

Próximo do caminho da mata que ia dar a Los Platos, encontrava-se uma pequena cabine, que Nemona dera conta alguns minutos atrás. Uma casita pacata de cimento, sem uma única janela, apenas uma porta de ferro fechada. Vários cabos eléctricos saiam de um orifício dessa cabine e penetravam o chão. Cabos semelhantes saiam do chão e penetravam por uma fissura nas paredes do farol, sendo que um deles era o que Pawmo segurava. Nemona calculou ser uma das coisas que ela procurava.

Aproximou-se, refletindo num meio de abrir a porta. Como era uma porta de fechadura especial, não abria pelas mãos de qualquer um com qualquer ferramenta, por isso, precisou de um pouco de força para o fazer, de modo a quebrar a fechadura. Conseguiu a tarefa, dando umas pancadinhas com uma rocha, e depois pôs-se a tocar nos botões do interior e interruptores, sem saber bem para que cada um destes serviam.

– Será que é este?... Ou é esse?... E então este aqui? – Questionava ela na direção de Pawmo, enquanto testava os diversos botões, mas o Pokémon continuava a sentir a corrente a percorrer-lhe o corpo.

O corte geral de energia do farol foi conseguindo com sucesso cerca de dez minutos mais tarde após muitas tentativas pacientes, quando Nemona puxou uma alavanca que estava bem na frente do seu nariz.

– Afinal era isto, foi fácil! Como estás a te sentir agora, amigo? Melhor. Não é? –Nemona questionou-lhe, a sorrir.

O Pawmo deu uns pulos, largando os cabos eléctricos e saindo do topo dos destroços, animado por finalmente estar livre da tarefa que lhe proporcionava bastante cansaço mental. O que Nemona não sabia é que ela também tinha cortado toda a electricidade que alimentava as casas de Cabo Poco, algo que mais tarde daria nas atenções devido à demora a ser reposta além do perigo que era o farol apagado durante a noite.

– Olha só esta quantidade de computadores e papeladas… – disse a jovem, analisando com mais atenção todo o entulho debaixo dos blocos da parede caída. – Bom, não há tempo! Vamos lá ajudar a Juju!

O Pawmo acenou, com toda a sua dedicação. Nemona sorriu, dando-lhe umas pancadinhas no pelo amarelado das costas. Ambos então saíram dali, emaranhando-se mais a fundo na mata.

Caminhavam rápido, e, por isso, seguiram o trilho com imensa velocidade para áreas que ela ainda não tinha explorado em Cabo Poco por serem mais amplas e afastadas, até Nemona ouvir o som de uma queda de água ao longe, entre o farfalhar das árvores. Ela não soube bem o porquê, mas o seu eu interior mandou-a seguir o som, e então, ficou mesmo muito surpresa em se aperceber que a sua intuição não estava errada de todo.

Mais à frente, era possível ver uma ponte atravessando um riacho, ponte esta que dava acesso a Los Platos alguns metros mais abaixo no caminho, e o próprio riacho servia como uma fronteira entre ambas as localidades. Aquele pequeno vilarejo era maior do que Cabo Poco, mas naquela hora, visto ao longe, parecia deserto, já que a maioria dos habitantes eram alunos que andavam por Mesagoza nas aulas ou então nas suas viagens e projetos escolares.

Porém, isso não importava tanto, pois na superfície da água, um Pokémon em peculiar nadava, de um lado para o outro, e esfregava a boina de penas da sua cabeça com a água fresca da corrente. Era um pato branco, que Nemona reconheceu quase imediatamente como um Quaxly. Estes patos vaidosos não se encontravam em situações normais na natureza, portanto só podia ser um dos Pokémon perdidos que Juliana buscava.

A jovem tomou uma maior aproximação, devagar, para não o assustar.

Graças a Arceus o pato parecia bem, e não se encontrava nada preocupado por estar ali, sozinho, desconhecendo o paradeiro dos seus companheiros, pois um sorriso era lhe estampado no bico a cada um dos seus movimentos delicados na água, deixando-se levar pela vagarosa corrente. A única diferença que ele tinha dos Quaxly comuns era a falta de penas traseiras, como se tivesse sido perseguido por algum cão que lhas tivessem arrancado. Mas, devido a sua natureza asseada, o Pokémon já tratara de disfarçar a pele nua da área ao pantear as penas circundantes e cuidar das suas outras feridas menos visíveis.

– Oh, olá amigo. O que estás por aqui a fazer? Estás bem? – Nemona questionou-o, agachando-se na margem para ficar na mesma altura que a dele, depois do pato dar com a sua presença.

O pato olhou para a humana intensamente, e acenou com a cabeça, entendendo as palavras. Ao mesmo tempo, parecia decepcionado por ter sido apanhado no meio do seu joguinho de fugitivo. De qualquer das maneiras, era o tempo certo para parar de desfrutar do seu momento de liberdade e voltar para a Pokéball do Diretor.

– Ouve, Quaxly, por acaso sabes de alguma coisa de um Sprigatito e de um Fuecoco? – Nemona lhe pediu, com delicadeza. – Calculo que sejas um dos Pokémon do Diretor Clavell. Não és?

O pato não fez boa cara ao ouvir aqueles nomes, como se estivesse demasiado apavorado com sua experiencia no passado e desgostasse da presença dos dois. Mas então olhou o Pawmo, todo poderoso e dedicado, ao lado da sua treinadora, e pensou que devia ajudar, muito a contra gosto da sua honra, era o correto a ser feito.

Então decidiu mostrar-lhes a ambos o caminho mais próximo, para a ajudar na missão de encontrar os Pokémon perdidos. Saiu da água, e saltou à frente de ambos, estendendo a asa na direção dos dois.

Vem comigo – era o que o gesto dizia. Depois apontou para o topo de uma das inclinações do terreno, por entre as árvores que se localizavam na direção do farol. – É por ali.

O caminho escuro era iluminado por estranho musgo esverdeado que cintilava pelas paredes e pelo chão, como placas de cristal. Porém, aquele estranho fenómeno causado pelos musgos outrora ali plantados por mãos humanas não desciam até os mais profundos caminhos de Inlet Grotto.

Numa das câmaras mais profundas, uma criatura quadrúpede caminhava de um lado para o outro, imersa na escuridão. Suas passadas pesadas indicavam uma extrema preocupação juntamente com todos os movimentos circulares que tecia ao longo do perímetro.

Em certa altura, a criatura de pelo mais negro que o breu, e cicatriz no pescoço, foi com a pata a uma pedra, que se encontrava na frente do seu caminho, esmagando-a. Quando elevou a pata, migalhas de pó encontravam-se no lugar, tamanha fora a sua força e ódio.

O chefe vai me matar… – dizia ela, entre grunhidos abafados de frustração.

No centro daquela área, a Pokémon guardava cerca de três ovos, inspecionava-os constantemente, a cada segundo, aconchegando-os com um pouco de palha seca sempre que ajeitava melhor o formato do ninho.

Ela não queria saber de comida roubada, nem do Cyclizar estranho que afastava os alvos da matilha. Naquele preciso momento, só se interessava pelo bem estar daqueles três, que eram os seus bens mais preciosos.

Depois de se certificar que estava tudo bem com os seus ovos, a cadela voltou à sua longa caminhada, imersa nos pensamentos, sempre refilando em grunhidos e alternando círculos que pareciam não ter fim.

Pelo menos, até ouvir um assobio.

Aquele Pokémon parou, subitamente, farejando o ar abafado. Uma pequena aragem fria, vinda do exterior, zumbia por entre as rochas, refrescando-lhe o pelo da ponta do focinho.

Merda, eles entraram aqui… – comentou, reconhecendo os cheiros particulares que o seu olfato captara, que logo a fizeram arregaçar os dentes. – Merda… Merda!... Merda!

O Pokémon virou-se na direção oposta ao da entrada do vento. Um caminho descia mais abaixo, penetrando numa escuridão ainda mais intensa e sinistra que a do local onde ela se encontrava. Um estranho respirar provinha de lá de baixo, como se milhões de olhos estivessem ali dentro adormecidos, só à espera, aguardando o momento certo para o glorioso despertar.

Assim, ela soltou um latido pouco sonoro, um aviso próprio da matilha, que só Houndour que nem ela conseguiam captar.

Temos intrusos! Se preparem para o ataque!

De ombros encolhidos e olhos cerrados, Juliana deixava Tolya e Tamar serem os seus guias. A dupla de crocodilos, graças a suas habilidades, conseguiam ver muito bem no escuro, e conduziam a treinadora apavorada por entre os caminhos de Inlet Grotto.

Não conheciam o local, pois nunca o tinham explorado antes, mas deixaram-se ser guiados pelo grande Cyclizar que ia em frente. Este tinha um ar mais familiarizado e confiante com os caminhos em frente, mas, mesmo assim, o melhor era não criar muita aproximação do dragão, caso alguma coisa desse errado.

– Por favor, tirem-me daqui… Por favor, tirem-me daqui… Por favor, tirem-me daqui… – Juliana suplicava, repetidas vezes.

Não o dizia em voz alta, mas sim, num sussurrar aflito. Pronunciava continuamente aquela suplica, tantas vezes, mas mesmo tantas, que só intensificavam sempre que um uivar longínquo era sentido, proveniente das profundezas da gruta. Nem mesmo a presença do seu tão desejado Cyclizar a parecia acalmar de tanto que ela sofria de antecipação.

Vez ou outra, dava um pulo, quando sentia um Diglett ou um Yungoos atravessando a área, confundindo a presença dos mesmos com os tais cães negros. Estas toupeiras e mangustos eram as únicas espécies de Pokémon que partilhavam o lugar com os Houndour, e pareciam mais receptivos à presença da humana e dos Pokémon estranhos. Paravam na beira do trilho, observavam-nos uma mão cheia de instantes, mas logo desapareciam sem fazer muito caso.

Tens a certeza que devíamos seguir este Cyclizar? – questionou a Sandile para o irmão, em certo momento da travessia.

Sim, porque perguntas? – respondeu Tamar.

A Sandile deu um salto, para tentar se afastar do pé de Juliana, quando esta tropeçou numa determinada pedra do chão. Juliana logo ficou alerta por não sentir a presença do calor da Sandile em sua perna, por isso, a Sandile teve que voltar a se encostar à perna dela, para a treinadora ganhar a confiança necessária para continuar a caminhada.

Ah… Não é por nada. Tenho certeza que a Juliana já tropeçou aqui neste mesmo sítio umas cinco vezes… – a Sandile murmurou.

Se não te agarrasses tanto à perna dela, ela não tropeçava assim tanto – Tamar bufou, sentindo a mão da treinadora apertar ainda mais a sua.

Para ti é fácil dizer que andas em dois pés e és alto – Tolya resmungou, entredentes.

Não te esqueças que tens que tomar banho quando chegarmos a casa – Tamar notou – Essa roupa já vai dar trabalho a lavar. Tenta não sujar mais ao guiares Lady Juliana.

Ela é que quer assim! Tu és mesmo arrogante! – a Sandile soprou.

De certa maneira, Tolya tinha razão pelo irmão estar preocupado com assuntos mundanos naquele momento crucial. A treinadora abria os olhos para procurar onde estavam ou para ver como é que a gatinha em seus braços se encontrava, mas logo os cerrava outra vez, pois a escuridão que sentia de olhos fechados conseguia ser bem mais aconchegante que a escuridão e os musgos esverdeados de Inlet Grotto.

Durante toda a viagem, a Sprigatito mantinha-se muito quieta e calada no meio do casaco, apenas com os olhos arregalados e orelhas esticadas, fitando todas as direções possíveis. É claro que ela ouvira a conversa entre Tolya e Tamar, o que a fez ganhar coragem para a realização de uma ideia que andava nos seus pensamentos.

Reuniu todas as suas forças e soltou um Leafage contra uma das paredes. As folhas esvoaçaram como um pequeno tornado saído do corpo da gata, atingindo a parede e formando uma marca que lembrava um X.

Oh. Bela ideia, gata! – Tolya sorriu para ela.

O…Obrigado… – a Sprigatito soltou, num miar pequeno e muito tímido, bem contido para si.

Como se isso fosse necessário… – o Krokorok revirou os olhos.

Em certa altura, Tamar engoliu o orgulho, pois notara que atravessavam a marca vezes consecutivas, tantas que cada um dos integrantes do grupo ficava chateado sempre que davam uma curva e lá voltavam a avistar o maldito X estampado na parede. Tamar ainda abriu a boca para dizer algo, mas logo a fechou – realmente, o grupo devia andar às voltas, como se o Cyclizar procurasse por alguma coisa que não conseguisse encontrar.

O próprio dragão deu conta da marca que o grupo usava como guia para não se perderem, por isso, quando já iam em quinze ou dezasseis voltas, parou abruptamente os passos, inspecionando o perímetro e cheirando o ar, na busca de outra solução.

Oh, senhor Cyclizar! Ai à frente, está tudo bem? – Tamar questionou, estranhando os movimentos deste, a farejar o ar, inquieto.

O Cyclizar olhou para trás, como se não compreendesse o que ele lhe dizia, mas ao mesmo tempo sabendo que o Krokorok dirigia aquele grunhido para si. Lambeu os dentes e o próprio olho, depois de o piscar, encarando Tamar à medida que procurava decifrar melhor o que este dizia.

Ele é mesmo um Cyclizar muito estranho – Tolya admitiu, gostando bastante do gesto bizarro que via o dragão realizar. Lamber o próprio olho era bem nojento de se ver.

Ele não deve compreender a nossa língua – observou Tamar.

Ainda bem – sorriu Tolya, com ar perverso.

Continuaram a caminhada, até a parede onde se encontrava o X ficar mais próxima. Ali, quando o Cyclizar encontrava-se a poucos centímetros do símbolo, usou todas as forças do seu corpo para derrubar as rochas, desferindo um golpe que dera origem a um buraco, grande o suficiente para todos passarem. Afinal a parede era oca o tempo todo, e aquele novo caminho ia dar a um corredor ainda mais amplo, de onde saiam latidos da matilha de cães, mais intensos, que não se comparavam em nada ao murmúrio de antes.

–  AII! Que foi isto? – disse Juliana num sobressalto, completamente apavorada, quase não conseguia andar devido a suas pernas bambas.

Ainda não tinha avistado os cães e já sentia o seu coração disparar a mil só por causa dos uivos constantes que saiam do buraco escuro.

Vamos nos esconder em algum lugar… Ou procurar outro caminho… – pediu Tamar, preocupado, sentindo o suor da sua treinadora entre os seus dedos, além da sua frequência cardíaca – Temos que parar, ela não está bem.

Depois encarou o Cyclizar, que já atravessava a fissura, pronto para dar um pontapé na matilha inteira de Houndour que se escondia sabe-se lá onde nas profundezas daquele vasto corredor negro.

Olha, meu caro senhor, a nossa treinadora está no meio de uma situação delicada, não te importas de esperar um bocadinho para a conseguirmos acalmar? – pediu Tamar, o mais delicado que conseguiu, apesar de toda a sua preocupação.

O Cyclizar moveu a cabeça lentamente.

Não entendia as palavras daquela língua, mas, ao mesmo tempo, compreendia o pedido que aquelas palavras queriam entregar. Afinal, ele sentia o estado da humana, e tinha bem a noção do que ocorria. Mal a analisou de cima a baixo, teve em conta o ritmo da respiração desta, pois o peito da jovem não parava de subir para cima e para baixo, como se o ar lhe falta-se.

O dragão aproximou-se da humana devagar, e tocou com o seu focinho de leve no nariz dela.

Alguns minutos depois, Juliana abriu os olhos, fitando aquele par de carinhosas esferas cor de âmbar, sendo envolta pelo bafo quente do dragão. Um bafo tão quente que significava conforto e lembrava em muito sua casa, todo o apoio e todo o abraçar da sua família. Agarrou naquela cabeça grandona cheia de penas, envolvendo-o nos seus braços, sentindo o seu calor mais de perto.

A gatinha nos braços de Juliana desceu para o chão, apesar de estar um pouco coxa, já se sentia muito melhor e achou que não era a altura indicada para continuar nos braços da humana. Assim, Juliana conseguiu se entregar por completo ao grande Pokémon dragão. Tolya e Tamar também a abraçaram com mais força, mostrando todo o seu apoio e proteção.

E ficaram assim, durante muito tempo.

– És tão fofinhooo, sabias? Eu já te disse hoje que eras fofinho?... – como reação ao que a humana dizia, o Cyclizar lambeu-lhe a face. Depois, a treinadora encarou Tolya e Tamar. – Muito obrigado por isto, eu estava precisando… Quanto a vocês, peço desculpa se me passei…

Juliana estava sentada, com as costas apoiadas no grande Cyclizar. Analisava suas penas brilhantes e as escamas escarlate bem detalhadamente, acariciando-lhe o focinho vezes e mais vezes sem conta. O grupo tinha atravessado parte do corredor, seguindo por um caminho que dera a uma câmara mais ampla. O local era bem iluminado, graças a fissuras na rocha de onde entrava luz solar vinda de cima, apesar de demasiado altas para escalar e sair. O musgo cintilava pelo chão, além deste ser um assento bem confortável. Ali ao lado, uma pequena lagoa subterrânea entregava uma graça decorativa ao terreno, e vez ou outro vários Yungoos eram avistados a saciar a sede nas suas águas.

Enquanto a treinadora dava sinais de melhoria, Tolya e Tamar discutiam o que fazer a seguir, num ponto um pouco mais afastado da sua treinadora, enquanto supervisionavam a Sprigatito limpar suas feridas com a água límpida da lagoa.

Temos que sair daqui, antes dos cães aparecerem. Não quero que ela passe por aquilo de novo. – Tolya disse, preocupada.

Eu sei, mas paciência. Ainda temos que encontrar o Quaxly e o Fuecoco. Lembras-te? Se bem que… Eu não faço a mínima ideia do que aconteceu entre eles – e Tamar olhou para a Sprigatito, com um observar bem pesado, como quem pedia uma explicação mais detalhada. – Acho que está na altura de algumas respostas.

B… Bem… nos distraímos, fomos até a quinta, e nos assustamos com aquele Cyclizar enorme a comer laranjas no meio das árvores – o Krokorok arqueou a sobrancelha ao ouvir, o que fez a gata eriçar o pelo com a repreensão e continuar a desculpar-se. – Ele veio atrás de nós, foi tudo muito rápido, depois demos conta de uma entrada para esta mesma gruta e nos escondemos aqui dentro. Eu não lembro como fui parar à praia, apenas me recordo de bater com a cabeça depois de ser perseguida por uma matilha de Houndour furiosos.

Acho que explica muita coisa – Tamar cruzou os braços, refletindo nas palavras da pequena Sprigatito.

La… lamento o que aconteceu… não… não era intenção nossa nos afastarmos tanto da casa. Quer dizer… Pelo menos não era a minha.

É compreensível, não te preocupes tanto com isso, pequena. – Tamar disse, dando-lhe uma pancadinha nas costas para ver se esta não tinha tanto sentimento de culpa. Depois, continuou. – Tens a certeza que os outros estão por aqui?

A Pokémon gato acenou com ar confiante.

O Fuecoco de certeza. Já o Quaxly não sei, mas é possível. Ele é mais forte e ousado do que eu e o Fuecoco.

Estou a ver… Não podem ter ido longe. – Tamar acrescentou.

Sim! Viraram jantar! – Tolya comentou, abrindo a boca e lambendo-se, como quem estava cheia de fome, e isso deixou a Sprigatito com um arrepio na espinha.

O Krokorok revirou os olhos, impaciente. Espreitou Juliana, que continuava distraída com as brincadeiras do Cyclizar enorme, que não parava de a lamber e a pedir mais e mais caricias no meio da barriga. Não lhe agradava nada a ideia de se afastar do grupo, mas como mais velho, e mais forte, devia aproveitar a brecha de distração da treinadora e fazer algo de útil em vez de continuar ali parado só à espera do tempo passar. E o tempo a passar, significava uma aproximação maior dos Houndour.

Tolya, fica aqui com Juliana e com o Cyclizar, enquanto eu me encarrego de uma pequena missão.

O quê?! Para onde vais sem mim!? – Tolya fitou o irmão, de modo assanhado.

Vamos nos separar, vou procurar uma saída, e auxílio, mas não te preocupes, vou tentar não ir muito longe caso ocorra algo. Quando Lady Juliana estiver em segurança longe daqui, nós e a nova amiga dela podemos procurar os Pokémon perdidos.

Parece-me bem – a Sprigatito respondeu, abanando a cauda, pois a ideia agradava a gata. Não sabia quem era a amiga, muito menos conhecia qualquer coisa chamada Nemona, mas era refrescante pensar em estar livre daquele maldito local, pois se tinha alguém que também abominava os cães era esta pequena gata, apesar de não o demonstrar tanto em comparação a Juliana e ser mais corajosa.

Puxa, só eu que não fico com essas missões mais ousadas – A Sandile comentou, ofendida. – Mas tenta ser rápido, se ela der por tua falta ela vai disparatar! Eu não sou a melhor Sandile do mundo para apoio moral.

Eu sei… Eu sei… Bom. Não saem daqui! – O Krokorok deu um sorriso simples para a irmã, começando a se distanciar devagarinho para a rapariga de casaco de inverno não notar seu sumiço.

O sorriso que dera era um sorriso confiante, o género de sorriso que encorajava qualquer pequena criança. Tolya animou-se um pouco mais, relembrando-se do que seu irmão era capaz, e acreditando que ele voltaria mesmo num piscar de olhos.

Um uivo de Houndour foi sentido, fazendo a Sandile correr na direção da humana que brincava com o Cyclizar, pouco depois do Krokorok desaparecer nos corredores de Inlet Grotto.

O Pokémon crocodilo desfez seu sorriso, tomando uma pose mais séria. Andava mais rápido e se escondia quando sentia os cães, e mais devagar quando o movimento destes parecia mais distante e menos frequente, esgueirando-se para trás de rochas e pilares caso algum passasse perto. Olhava para cima a cada passada, encarando as frestas por onde toda a claridade entrava.

Tal como prometera à sua irmã e à Sprigatito, procurou não se distanciar muito da lagoa nem da treinadora. Mas como não conhecia bem o local, foi inevitável não parar mais longe. Não gostava nada da ideia de deixar Juliana sozinha com Tolya, além do mais, também deixara na sua companhia um Pokémon fraco e ferido… Tudo por um bem maior, ele sabia que Nemona era experiente, e com o auxílio dela ali dentro, tudo seria mais fácil.

A certa altura, Tamar ouviu uma voz familiar, um chamado distante.

Atentou-se ao ar, procurando a origem do som, e encontrou uma enorme rocha.

No seu topo, existia uma fissura de onde provinha luz, um sol intenso que fazia dançar longas sombras na parede da gruta ao seu lado e por todo o chão.

Era um sol puro.

Uma saída para o exterior.

A fissura não se localizava num local assim tão alto em comparação com todas as outras que vira, mas ainda assim, tinha uma altura considerável. Era melhor do que nada. Graças a suas habilidades de Pokémon do tipo Ground, conseguiu escalar até o local. O topo da rocha era liso e espaçoso. Foi até a fissura, analisando as imagens, silhuetas e sons que se encontravam no outro lado.

Uma sombra pequena, e outra maior, cuja estrutura revelou ser uma humana, caminhavam no outro lado da parede debaixo de árvores. A humana era bem tagarela, enquanto o pequeno era um Pokémon sério e silencioso. Tamar apressou-se, e recorreu a um poderoso Dig para abrir mais a fissura, construindo um enorme buraco e fazendo mais luz penetrar no local, clareando ainda mais o corredor da gruta.

Nemona encontrava-se no outro lado, e tomou um sobressalto ao ver o crocodilo a sair de forma súbita da parede atrás de si. O Krokorok sentiu um alívio enorme em ver que ela vinha acompanhada de um Quaxly, menos um Pokémon perdido para procurar. Tamar fez uma vénia apressada aos dois para os receber, foi ignorado pelo Pokémon pato que era demasiado orgulhoso para ligar a gesto daqueles, mas fazendo Nemona reconhecê-lo quase de imediato.

– Otimo! Senhor crocodilo! Encontraste-me! Agora, onde está nossa Jujujinha? –Nemona recebeu-o, com tom alegre.

O crocodilo fez um barulho, e então conduziu Nemona, mas esta parou na beira da enorme rocha antes de ambos descerem. A humana fitou o cenário lá em baixo. Visto dali de cima, era mais alto do que se julgava. Nemona ajeitou sua luva, ainda pensou em se aventurar ao lado do Krokorok, mas depois de mexer os dedos e sentir uma dor aguda nas suas articulações, achou que o melhor era ficar quieta, pois não conseguiria aquela tarefa tão facilmente por culpa do seu problema físico.

– Parece que nossa amiga vai ter que vir até aqui ao nosso encontro. É muito alto aqui. Tem que ter outra forma. É que eu não vou conseguir subir nem descer isto. Acho que a Juliana nem vai conseguir. Mas temos que tentar, não é? É a única saída que eu achei, e diferente da falésia, pelo menos esta rocha parece estável.

Tamar realizava a tarefa sem preocupações, tanto a subida como a descida, por isso achou um tanto surpreendente a humana, que antes parecia tão entusiasmada, agora se mostrar tão hesitante face ao desafio. O Pokémon pato e o Pawmo queriam permanecer na companhia de Nemona, mas mudaram de opinião quando sentiram outra vez uivos nas profundezas. Ela melhor eles irem com ele para ajudar, e avançaram.

– Fiquem bem, okay? Pawmo, lembra-te do que eu te ensinei! Eu queria mesmo ir com vocês! Não acredito que vou perder um combate! – a humana encorajou-os, apesar do seu ar de decepcionada. Ao mesmo tempo, tirou do bolso outra Pokéball, brincando com ela entre os dedos para passar o tempo de espera, caso fosse necessário mandar algum reforço.

Tamar apressou-se a dar um salto até o chão lá em baixo, como quem descia de uma varanda de vários metros de altura. O Quaxly e o Pawmo saltaram para baixo, e o Krokorok ajudou-os a amparar bem a queda.

Marcou o local mentalmente onde Nemona esperaria, e os três correram então até o encontro de Juliana, da Sandile, da Sprigatito, e do Cyclizar, enquanto o ar era inundado, mais uma vez, por uivos e latidos intensos.

Juliana ainda não tinha dado por falta do seu Pokémon, já que, tanto a Sandile como o Cyclizar, faziam tudo por tudo para a sua treinadora não olhar ao redor procurando pelo Krokorok e se aperceber que este estava desaparecido. Para isso, Tolya fazia caretas, saltava, guinchava, tudo para chamar a atenção e evitar com que a treinadora olha-se para o lado. O Cyclizar esfregava-se no casaco da humana, sempre a pedir caricias na barriga.

– Tolya! Motoca! Parem com isso! No início era divertido mas agora estás insuportável… – Juliana começou a reclamar.

Pouco a pouco, as artimanhas da Sandile começaram a deixar de surtir efeito, o que deixou Tolya ainda mais ansiosa. Ela não podia mesmo fazer com que Juliana notasse a falta do Krokorok. Pelo menos o Cyclizar ainda conseguia a distrair.

A humana, em certa altura, aproximou-se devagar da pequena Sprigatito, que estava na margem da água do pequeno lago, a apreciar o som das gotas que caiam das estalactites num pingue-pingue constante que disfarçava os uivos dos Houndour. A Sandile estava cansada, e aproveitou a nova distração da treinadora para parar, respirar e reformular seus planos, deixando a distração continuar nas patas do Cyclizar… Pelo menos, até o Krokorok chegar.

– Então… Como te sentes? Estás melhor? – Questionou Juliana na direção da gatinha de pelo verde.

A Sprigatito piscou os olhos ao notar a humana ao seu lado, e miou baixinho, continuando com a patinha dentro da água. Juliana deu um sorriso simples.

Os Pokémon selvagens que por ali habitavam bebericavam daquela água sem problemas, mas Juliana não fazia a mínima ideia se era boa ou não para consumo humano. Ela estava com sede, muita sede, ter medo dava-lhe sede, e imaginava como seria a frescura do líquido a inundar-lhe a boca. Analisou o manto, chegando-se cada vez mais perto da margem, mas não bebeu. Decidiu usar a água para limpar melhor as feridas da Sprigatito, nos locais onde a gata não conseguira chegar. A Pokémon ainda tinha muito sangue e sujidade ressequida pelo corpo. A humana se abaixou para a lavar, enxugando-a com seu casaco, até, notar, um efeito interessante na água.

A mesma se tornava numa espécie de espelho.

Vez ou outra, a água agitava-se, devido ao movimento de algum Pokémon aquático que ali habitasse. A humana achou curioso a forma como esse movimento transformava o seu reflexo.

Primeiro, sua pele parecia mais negra que o usual.

Seus cabelos tornaram-se mais curtos e escuros. Depois, o nariz ficou bem mais pequeno e redondo, com uma tonalidade vermelha e uma pintinha escura na ponta. Os olhos estavam diferentes, como se ela estivesse a ser transformada num animal.

Juliana encolheu os ombros.

Afastou-se da margem, depois aproximou-se, para dar um reset em todo o processo sinistro que o seu reflexo sofria. Piscou várias e mais várias vezes os olhos, em mais outra tentativa de compreender aquela transformação irregular e tentar perceber se estava ou não sonhando.

Foi ai que sentiu a Sprigatito ao seu lado assoprar, com o pelo todo eriçado, encarando a outra margem da lagoa.

A humana empaleceu.

Um Houndour estava ali.

Estava mesmo à sua frente, imóvel, a poucos metros de distância, a fitando de ar perverso, e era o reflexo dele que se misturara com o seu próprio reflexo.

Juliana deu um salto.

Há quanto tempo será que o bicho estaria ali, no seu puro silêncio, enquanto os outros criavam uma distração ao fazer barulho em outros pontos de Inlet Grotto?

A Pokémon tinha uma estranha cicatriz no pescoço, e  ali sentada, observava, com uns penetrantes olhos escuros, mais escuros que o breu da própria gruta.

 Surgido das sombras, no lado da margem onde Juliana se encontrava, um outro Houndour apareceu, a rosnar, depois apareceu outro na outra margem, posicionando-se bem atrás da líder da matilha. Depois veio mais um e mais outro, os dois com os dentes arregaçados e grunhidos de ódio bem profundos que saiam da garganta. E logo depois, mais uns três ou quatro, seguidos de mais uns cinco ou seis, cada um numa posição feroz própria de ataque, prontos para protegerem o seu território.

Juliana sentiu ainda mais secura dominar-lhe a boca, e estava demasiado apavorada para se mexer. Nem sequer para gritar. Apenas encolheu-se em posição fetal, com a Sprigatito nos braços. A humana estava rodeada por um cerco imprevisível que os malditos cães haviam estipulado, e era indescritível o nível súbito de medo que agora domava seu corpo.

Ataque! – uivou a Houndour que liderava o assalto, finalmente a se movimentar.

O Cyclizar levantou-se imediatamente, seguido de Tolya que estava ao lado de Juliana mas que também não notara o surgimento súbito dos cachorros. Tolya agarrou-se à treinadora, que começou logo a desesperar ainda mais ao notar a falta de Tamar.

A Sprigatito foi a primeira a respirar fundo e a investir, soltando um poderoso Leafage contra as águas da lagoa após miar mais alto para avisar os outros do seu ataque. A Sandile apercebeu-se imediatamente do que estava ocorrendo, e escondeu-se nas vestes da sua treinadora, fazendo a mesma também se agachar mais para a encobrir naquele instante. As folhas caíram na superfície da água com tanta força e velocidade que fizeram uma onda enorme cair sobre os cães, os encharcando e obrigando-os recuar, desfazendo parte do cerco.

Inteligente… – pensou Tolya, breves instantes, antes de ver um Houndour saltar atrás de si e de Juliana enquanto os outros sacudiam o pelo de tão encharcados e atordoados que estavam.

Para proteger a humana, foi a vez do Cyclizar entrar em ação, dando uma investida com sua enorme cauda como um chicote, fazendo com que outros cães voassem até a parede, alguns até mesmo caíram no interior da água num splash que molhou ainda mais os restantes. O assunto era entre ele e os cães, e a humana não tinha nada haver com aquilo, por isso, era óbvia a frustração do dragão ao ver que os cães apontavam precisamente para Juliana.

A líder da matilha estava dominada por uma fúria a olhos vistos por ver seus companheiros recuar e a perder em tão pouco tempo, mas sabia que a humana era o ponto fraco daquele grupinho de invasores, logo, dava instruções aos outros para a humana ser o ponto alvo desde o inicio.

 Latiu mais alto, mandando os Houndour que estavam atrás dela irem em frente, antes dela ser atingida por um poderoso Water Gun, um golpe originário de um patinho branco e azul que aparecera bem a tempo para o resgate. Tolya sentiu um enorme alívio em ver Tamar, um Pawmo e um Quaxly chegarem para ajudar.

O Pawmo correu, dando cobertura ao Krokorok, desferindo uns socos e raios aos cães negros que tentavam morder tanto ele como Tamar. O Quaxly sabia que os Houndour eram fracos a golpes do tipo Water, por isso, continuou a insistir no seu Water Gun, dando tiros certeiros no corpo dos cães.

Os Houndour saltavam por todos os lados, e continuavam cada vez mais e mais a aparecer, vindo as entranhas de Inlet Grotto. Além do tipo Water, também eram Pokemon fracos contra tipo Ground, por isso, os golpes da Sandile e do Krokorok magoavam bastante, que, no caso, alternavam ali e aqui com um Dig, prendendo os cães no chão em buracos estreitos e fazendo este caírem, desequilibrando-se no pavimento irregular ou esmagados por pequenas derrocadas.

Apesar de muitos recuarem, a matilha ainda era uma maioria, e em breve superariam o grupo quando o grupo se cansasse. Eles não tinham opções melhor do que aproveitarem a melhor oportunidade que surgisse para fugirem, que era precisamente agora que o cerco estava mais dispersado, e então correram, antes que os Houndour os cercassem outra vez.

É por ali a saída! Sigam-me! – Tamar rosnou, dando a ordem, bem no momento certo.

O Quaxly ajudava bastante a abrir mais caminho em frente com seus golpes, encharcando os cães de cima a baixo e evitando estes de voltar a formar o cerco.

Entre todos, o Cyclizar era o único que tinha ar de querer ficar, esmagando os Houndour, um por um, conquistando a sua vingança sabe-se lá do que sobre o que tivesse ocorrido no passado entre ele e aquele grupo.

Juliana não conseguia fazer nada, nem sequer andar, e Tolya, Tamar, o Quaxly e a Sprigatito não podiam carrega-lha. O Cyclizar olhou para a humana caída em seu estado tão debilitado, demasiado apavorada para se mexer ou sequer abrir os olhos, e então decidiu ajudar, agarrando-a e mantendo-a bem protegida debaixo do seu braço.

Não os deixem fugir! – rosnou a Houndour, mais uma vez, muito furiosa por ver que os alvos pensavam em escapar. Mal deu por si, levara com mais um Water Gun no focinho. Houndours odiavam mesmo água, e a cadela só ficou ainda mais enfurecida com aquilo.

O Cyclizar olhou para trás, ansioso por ver a líder encharcada e ainda mais enfurecida, agora estava certo que aquela fuga fora a sua melhor decisão.

Durante a travessia, Tamar e o Pawmo protegiam Juliana e a Sprigatito de um lado, Tolya assumiu o posto de outro com Quaxly, enquanto o Cyclizar auxiliava os dois com golpes da sua enorme cauda e rugidos, derrubando os que vinham atrás com grandes chicoteadas que lhes partiam os dentes sempre que estes iam contra ele para lhe morder as penas traseiras.

Tolya e Tamar não estavam muito habituados a batalhas, logo davam muito de si. Em breve, ambos ficariam desmaiados de exaustão e feridos pelas mordidas da matilha. Tamar já sofria algumas tonturas devido ao cansaço, tanto que já não se recordava bem de qual estrada seguir.

Tolya deu com o sinal, e ficou preocupada com o irmão. Ao notar isso, o Pawmo assumiu a linha da frente, guiando todos.

Não desistem agora! Estamos quase lá! – encorajou o Pokémon marmota.

Em pouco tempo de corrida, chegaram ao ponto de encontro onde Nemona os esperava, sempre derrubando cães e mais cães que apareciam no caminho, vindos das sombras.

Tamar reuniu todas as suas forças que restaram e desferiu um golpe rápido na rocha por cima das cabeças de todos. Apesar do perigo em atingir os amigos, a derrocada caiu na entrada daquele espaço amplo e impossibilitando a chegada de mais Houndour pelo túnel que seguiam, além de esmagar uma mão cheia deles.

Pelo menos, impossibilitando a chegada de mais Houndour por algum tempo. O tempo suficiente para escalarem a rocha e saírem pela fissura até a liberdade do exterior. Estes cães não iriam desistir facilmente e dariam a volta, seguindo outro túnel e entrando naquela divisão.

– Hey! Aqui em cima! – gritou a humana, com os braços no ar, e que alívio fora para Juliana ouvir a voz aconchegante de Nemona. – Andem! Não tem muito tempo! Estou ali a ver vários Houndour furiosos a chegar!

Tamar ajudou Tolya, o Quaxly e a Sprigatito a subir, já o Cyclizar conseguiu o fazer sem problemas, ao dar um salto, se apoiando nos rochedos com uma das mãos enquanto suportava Juliana com o outro braço. Alguns cães lhe mordiam a cauda, o puxando para trás, mas o dragão era mais poderoso e conseguiu libertar-se facilmente com mais chicoteadas.

Ao sentir a claridade do sol do exterior tocar-lhe nas pálpebras, Juliana abriu os olhos instintivamente. Esteve com eles serrados, com o corpo encolhido e a tremer, o tempo todo, e fora uma sensação milagrosa sentir o vento embater-lhe na face. Enquanto isso, Nemona encontrava-se maravilhosa com o corpo muito bem definido do grande dragão que abraçava a rapariga.

Agora a seu lado, aquela criatura naquela forma era enorme, e a rapariga viciada em batalhas apaixonara-se de imediato pela robustez que ele transmitia.

– Opa. Que bicho poderoso! Depois posso combater contra ele?! Por favor?

A humana de casaco pesado mal lhe respondeu, deixando-se cair dos braços protetores do Cyclizar para o meio do chão, recuperando o fôlego. Ai Nemona notou o quanto a coisa estava mesmo séria e que não devia entrar em brincadeiras.

– Juliana, tem calma, eu estou aqui agora, amiga!

A humana de casaco pesado elevou o corpo com certa dificuldade, Nemona amparou-a com uma mão para a ajudar a se erguer em pé.

Ela bem que tentou desviar a sua atenção do que ocorria, mas foi inevitável não dar atenção ao seu maior medo. Durante vários instantes, seu olhar se dirigiu para o grupo de cães lá em baixo, ferozes, com as patas raspando na enorme rocha e em uivos altos, procurando uma maneira de subir.

Mais chegavam e se juntavam ao grupo, patrulhando aquela área. Seria bom se, em certo ponto, eles desistissem e começassem a recuar, muitos estavam feridos ou a cambalear devido às chicotadas da cauda do dragão e golpes dos restantes Pokémon, por isso, a presença deles ali não iria durar muito mais.

Entre eles, o olhar da humana cruzou-se com a expressão séria da cadela que tinha a cicatriz no pescoço.

A líder da matilha era a única imóvel entre o grupo agitado. Juliana sentiu um arrepio na espinha ao ver os escuros olhos dela fitarem intensamente os seus. Sentiu que a sua história com aquela Houndour não terminaria por ali.

– V… Vamos sair daqui… – foi a única coisa que Juliana conseguiu pedir, em voz trémula. – Vamos para casa.

Virou as costas e respirou fundo, aliviada em estar longe dos cães mas ainda atordoada por causa do que se passou. Tolya e Tamar a acompanharam na saída, apoiando-a dentro dos possíveis. Ela achou estranho ao princípio, pois nunca antes se tinha apercebido daquela entrada ali para as grutas que dominavam as praias e o litoral – até Nemona tinha ficado surpresa por nunca ter encontrado aquele caminho antes – mas logo se esqueceu ao ver a paisagem exterior. Mais à sua frente, o aconchegante farol de Cabo Poco reluzia, com a área frontal destruída mas a sua torre ainda erguida ao sol.

Enorme era o alívio que Juliana sentiu ao ver as árvores dançando com o vento, o mar se perdendo no horizonte, e a sentir a erva fresquinha debaixo dos pés. Apesar de ter estado na gruta pouco mais de uma hora, para ela foi como se durasse anos. Retornou Tamar e Tolya para o interior das Pokéballs, pois ambos estavam num estado péssimo e mereciam um bom descanso.

Enquanto isso, Nemona não conseguia conter o entusiasmo, agarrada ao braço do Cyclizar como quem andava de mão dada a um namorado alto e musculoso, e essa ideia despontou um pouco de ciúme em Juliana.

– Vamos combater! Vamos combater! Vamos combater! Vamos combater! – insistia ela, em pulos constantes.

Mas o Cyclizar não parecia disposto a isso no momento. Juliana nem o tinha capturado ainda sequer, e já conhecia o suficiente daquele Pokémon para saber que o mesmo também não estava bem. O dragão caiu, pouco tempo depois, no meio da grama, adotando a mesma pose fraca que tinha antes, com ar apavorado. A mesma forma que tivera quando tanto ela como Nemona o tinham avistado na praia.

O entusiasmo de Nemona transformou-se numa tremenda preocupação.

– O que aconteceu? Ele está bem? Onde está o Pokémon poderoso que te salvou?

– Não sei, ele voltou à forma que tinha quando o encontramos na praia – respondeu Juliana, também com ar preocupado.

– Tadinho! Ele deve estar cheio de fome depois da luta toda, por isso está fraco… – e procurou uma barra de cereais com chocolate no seu bolso, encostando na ponta do focinho dele. – Queres um bocadinho?

Mas o Cyclizar não aceitou, talvez sabia que chocolate fazia mal a algumas espécies de Pokémon ou comera tanto lixo antes que perdera o apetite naquela altura. Juliana passou os dedos nas suas penas, acariciando-lhe com imensa ternura, e notando que agora as penas sujas não cintilavam tanto como antes.

– Obrigado, amigo, se não fosse tu eu tinha ido desta para melhor… – agradeceu outra vez, ao se lembrar de tudo o que acontecera no interior de Inlet Grotto, e da forma como o dragão a acalmara e ajudara. – Depois vou te dar de comer e limpar quando chegar-mos a casa. Agora descansa.

– Que aventura que tu deves ter tido ali dentro, amiga! – Nemona aproveitou a brecha para tocar no assunto, pela infelicidade da outra. Foi como se a preocupação em relação ao dragão tivesse desaparecido de um segundo a outro quando rebobinou no interior da cabeça o que perdera da situação. – Quero mais! Muito mais! Que triste que eu não consegui participar em muita coisa e fiquei só olhando as paredes! Para a próxima aventura também quero ir contra uns perritos.

– Aventura? Dizes que aquilo foi uma aventura?? Foi mais um pesadelo! Espero que não volte a acontecer! Nunca mais! – Juliana respondeu, sobressaltada.

Ambas continuaram a seguir a estrada de terra batida, voltando para o meio do miradouro, parando em frente aos destroços do quarto do farol. O Cyclizar seguiu ambas, com passos vagarosos, e deitou-se em cima das rochas. Juliana manteve sempre o olhar nele, receosa que mais alguma coisa lhe acontecesse.

– Oh… Juju… Desculpa! Eu não tenho nenhuma fobia, e nunca conheci ninguém que tivesse, parece complicado de lidar… – Nemona lamentou-se.

– Bota complicado nisso – a rapariga de casaco de inverno respondeu baixinho, dizendo o que lhe vinha no pensamento.

Depois sentiu uma pontada de embaraço, fitando as Pokéballs dos seus crocodilos feridos, depois olhou o pato e a gatinha que a seguiam. Ainda estava muito atordoada pelo ocorrido, sempre alerta. Nem sequer podia ouvir o bater de asas dos Fletchlings que logo dava um pulo, com o coração a disparar.

– Calma Juju! É só um Fletchling – Nemona acalmou-a, quando um destes passou perto da cabeça delas num voo baixo e demorado.

– Só falta o Fuecoco agora… Como queres que eu esteja calma? – Juliana estremeceu, e depois murmurou, preocupada, só de imaginar-se dentro de Inlet Grotto, rodeada de cães, mais uma vez. – Espero que os cães não tenham feito canja de crocodilo com ele. Não acredito que vou ter que voltar ali dentro!

– Só falta um Fuecoco, não é? Se ele estivesse lá dentro, tínhamos o visto. Ou entãooo… – observou Nemona, enquanto vislumbrava todos os lados possíveis em torno das rochas.

Naquele mesmo instante, Nemona tocara no braço de Juliana, e apontou para um canteiro carregado de flores coloridas de diversas espécies, que existia na beira das escadas que levavam até a varanda do topo da torre.

– Acho que o encontrei!

A rapariga do casaco de inverno conduziu o olhar até o local que a companheira apontava, notando um Pokémon encarnado no meio das roseiras do canteiro. Brigava com vários Yungoos e Fletchlings por uma laranja, laranja esta que já se encontrava tão queimada que parecia mais um pedaço duro de carvão.

A Sprigatito e o Quaxly foram até lá, para tirarem o crocodilo dali do meio antes que a briga gerasse outras proporções, afugentando os Pokémon selvagem, que logo correram para a mata.

Nemona sorriu ao ver os três Pokémon reunidos. Enquanto isso, Juliana deixou-se cair em cima do corpo do Cyclizar estranho, sentindo um peso enorme sair-lhe de cima dos ombros. Agora era só levar todos para casa, cuidar deles, alimenta-lhos, e os manter no interior das suas Pokéball até os devolver ao Diretor no dia seguinte ou deixar com Nemona. Menos uma preocupação na sua pacata rotina. E que grande dia agitado aquele fora. Correndo de pijamas todos sujos de terra e farinha, com um casaco de inverno rasgado, numa tarde quente, por grande parte da localidade que a viu nascer.

– Pelo menos ele parece bem de saúde, diferente da Sprigatito e do Quaxly que vão precisar de alguns cuidados – analisou Nemona, fitando o Fuecoco com mais atenção.

Ao voltar para o lado das humanas, a Sprigatito trazia uma das rosas do canteiro de flores consigo, apesar de estar um pouco esmagada, e com uma das pontas queimadas, devido à briga entre os Pokémon. Tocou na perna de Juliana, mostrando-lhe a flor, fazendo com que a humana se abaixa-se para receber o presente, se derretendo com tamanho ato de gentileza por parte da pequena Pokémon.

– É para… mim? – questionou, surpresa.

– Não é por nada, e talvez já está óbvio, mas eu acho que ela quer ficar contigo – Nemona começou a rir. – Afinal, não era isso que o Diretor queria, que escolhesses um desses três como companheiro para começares a tua jornada?

Juliana não tirou os olhos da pequena Pokémon, que movia sua cauda de um lado para o outro. Não estava com muita cabeça para pensar na questão, depois daquele susto enorme, só queria retornar ao conforto do seu lar, mas não era mentira que toda aquela experiencia criou uma afeição grande entre ambas.

E então, foi como se Juliana já soubesse da resposta desde o início daquela maluca aventura.

– Eu queria um amigo novo que gostasse de música, mas nenhum deles pareceu interessado quando toquei na minha guitarra… – disse, ao remover a guitarra das costas e dar uns breves acordes como aquecimento, prendendo a rosa que a gata lhe tinha oferecido no instrumento.

A Pokémon sentiu-se muito feliz por vez que a jovem adorara o seu presente, tanto que usara para embelezar um dos seus objetos mais preciosos. Juliana estava bem mais calma, e a energia das notas que tocou transmitiram uma vibração mágica que a libertara completamente dos seus medos.

– Fuecocos adoram cantar depois de evoluírem! – Nemona chutou, olhando o crocodilo decepcionado, que levava um sermão demorado do Quaxly ali perto, depois de ver o mesmo deitar fora a sua laranja estorricada.

– Outro Pokémon crocodilo? Eu já tenho o Tamar e a Tolya… Já agora encomendava um Totodile de Johto e criava uma fazenda de crocodilos… – Juliana comentou, entre os seus pensamentos.

– Então porque não ficas com essa gata? Ela parece gostar de ti. E se tens fobia a cães deves amar gatos, em contrapartida, não?

– Eu… Eu não sei… Não sei se fica… Canteiro… Laranja… Flor… Rosa… – Juliana falou o que pensava, confusa, enquanto vislumbrava a Pokémon roçar o lombo em sua perna e todos os detalhes daquele encontro.

– Do que estás à espera! Diz lá um sim! Fica com ela! Para de enrolar! Não vês que ela quer ficar contigo? Anda! – Nemona mal continha o entusiasmo.

– Calma Nemona. Não vês que eu já estou a pensar num nome para dar a ela?

– Ohhhhhh! Então isso é um SIM?!

– Rosa! – Juliana exclamou, dando-lhe umas caricias entre as orelhas – Vou te chamar de Rosa!

A Pokémon miou, parecia gostar bastante do nome que lhe fora entregue, e que combinava bastante com o seu presente. Juliana então agarrou sua guitarra, e cantarolou, para a Pokémon.

A rima foi pequena, simples, improvisada, mas muito especial ao som das notas do instrumento, tal como muitas das músicas momentâneas que ela sempre proferia.

 

Rosa! Rosa!

Rosaaaaa!

Motoca! Motoca!

Motocaaaa!

Das mais belas coisas;

Que recebi;

Depois desta;

Experiência desastrosaaaa!

 

E com eles;

Que não volte a-acontecer!

Uma derrocada, um uivo;

Tornar-me uma estátua a arder…

Sem mais nada a temer!

Eu terei forçaaa, a valeeeeeeeer!

 

A Sprigatito deu um pulo de alegria, apoiando-se no ombro da humana e roçando o focinho no nariz dela quando ela acabara a canção. O Cyclizar também copiou o gesto, apesar de mais debilitado, também ele pareceu gostar muito daquela pequena melodia cantada e lambeu o rosto da humana. Juliana deu-lhe uns mimos no focinho, que se traduziam a um gesto que mandava o dragão parar para continuar em repouso.

– Bom… Acho que acabou tudo bem… É… Acho que agora, sim, agora posso dizer a todos: Vamos para casa… – e olhou a outra, enquanto prendia melhor a correia do seu instrumento em suas costas. – Devias ir também, Nemona.

– Eu te acompanharei até lá, Juju! Eu quero comprar umas coisas na padaria. E passar o resto do dia contigo! Vamos festejar esta pequena conquista!

– Ótimo… Não me vou livrar desta desgraçada assim tão cedo… – Juliana murmurou para si própria enquanto arrumava melhor a sua guitarra.

Graças a Arceus Nemona não a ouviu, pelo menos na totalidade.

– Que disseste?

– Vou falar com minha mãe para te fazer um desconto! – Juliana exclamou de súbito, com um sorriso simples no rosto, para disfarçar.

E então, ambas seguiram a estrada até a Padaria Sonhos de Daschbun.

Pelo caminho, o ar foi inundado por um cheirinho acolhedor a pão fresquinho que fez Juliana rir depois de ouvir a sua própria barriga a roncar. Estava outra vez cheia de fome, devido ao susto enorme que sofrera. Conhecia Nemona há pouco tempo, mas ganhara uma grande amiga sem se aperceber, uma companheira para a vida, como se ambas já se conhecessem desde sempre.

E além de uma amiga, também ganhara dois novos Pokémon. Uma Sprigatito e o seu tão desejado Cyclizar estranho. A rotina seria diferente a partir daquele dia, e sabe-se lá o que esperava por ela de agora em diante.

Nas profundezas de Inlet Grotto, a Pokémon de pelo escuro e encarnado caminhava, sozinha, de um lado para o outro. Era difícil conter o mesclar de sentimentos que a dominavam depois de ver a derrota da sua matilha. Mas ela sabia que tinha que ser forte.

Sua barriga roncou, mas não valia a pena procurar por alguma coisa para petiscar, a reserva de alimentos estava em baixo devido aos movimentos do Cyclizar comilão por todo o litoral nas últimas semanas, e os mais feridos após o confronto tinham prioridade aos poucos alimentos que restavam.

Ele vai me matar… – Sussurrou, já estava tão habituada à ideia que só a dizia por ser um simples costume seu. O significado original daquelas palavras já não surtiam efeito algum.

Mas afinal… Quem seria ele?

A cachorra aproximou-se do ninho que existia no centro do local, vislumbrando os ovos quentes e em segurança. Não tomou uma maior aproximação destes como ainda se encontrava húmida e encharcada devido aos poderes do Quaxly.

Aquele maldito pato. Quem me dera ter arrancado as penas todas dele e me deliciado com sua carne…

Suspirou.

Não tinha nada a fazer agora além de esperar e ver o que acontecia.

Como correu a caçada? – de súbito, ouviu a voz.

A voz que ela mais temia.

E a voz não se manteve em silêncio durante muito mais tempo, continuando a grunhir no seu tom pesado e aterrador.

Ouvi dizer que aquele Cyclizar saiu ileso.

A Houndour baixou a cabeça, à medida que a sombra saia da parede, se aproximando dela e do ninho sorrateiramente. O Pokémon recém chegado era bem maior, um cão de pelagem negra mais robusta, contava com dois pares de chifres salientes lhe saindo da cabeça e uma espécie de colar com uma caveira ao pescoço. Os ossos que o cobriam reluziam de forma sinistra no meio do escuro, mais sinistra que o musgo típico de Inlet Grotto, como se tal brilho não fosse algo natural.

Eu tentai mas…

Não terminou  a frase e levou logo com uma patada súbita na cara, que a fez ganir. Assim, a Pokémon ganhara uma nova cicatriz no olho esquerdo, que combinaria perfeitamente com a que ela já tinha lhe enfeitando o pescoço.

Ele roubou toda a nossa comida por semanas, e ainda não sabes controlar aquele bando de barulhentos para o matarem.

Eu não sabia onde eles estavam e…

Zylis, para com as desculpas baratas – o Houndoom mostrou-lhe os dentes. Ouvir o cão dizer seu nome em voz alta era sempre um desafio aterrador. – Quantas vezes vou ter que te ensinar como se faz?

Eu sei o que eu estou fazendo.

Não, não sabes. Nem sequer para cuidar destes ovos. Deixaste-os morrer. Estragas-te tudo, como sempre fazes!

Isso não é verdade, eles devem estar para eclodir dentro de poucos dias.

Aos tempos que tu os puseste, não achas que já deviam era ter nascido?

O Pokémon botou a pata na casca de uma das esferas brancas. Aquela pata era tão grande que fazia o ovo parecer mais minúsculo com ela tocando na sua superfície. A Houndour sabia que o gesto tinha tudo, tudo menos o carinho paternal.

Afasta-te deles – rugiu ela, em posição de ataque, apesar de não ser mesmo capaz de o atacar.

Eles não são apenas os teus filhotes, Zylis, e eu tenho todo o direito, já que não os fazia uma visitinha à meses.

O Pokémon de súbito fez mais força. Não muita, mas a suficiente para o que ele queria.

A casca do ovo estalou.

Zylis estremeceu ao ouvir o som, recuando alguns passos, encolhida. Sabia perfeitamente o que ele iria fazer a seguir.

O Houndoom levantou a pata mais alto, derrubando logo os três ovos no meio do chão da caverna com uma só tacada. A progenitora nada podia fazer além de assistir o espectáculo de gema sendo derramada entre as rochas frias do pavimento e de cheiro a podridão inundar o ar.

As suspeitas do Houndoom se confirmaram.

Os ovos estavam podres. Vazios.

Quando é que me vais dar cachorrinhos, Zylis? É a quarta vez que botas ovos que apodrecem.

Eu não tenho culpa, e alguma vez já pensas-te que o problema também pode ser teu?

Oh… Então eu sou o problema. EU? – o Houndoom soltou um rugido, bem profundo, mostrando toda a sua fileira de dentes afiados, mais afiados que quaisquer Houndoom comuns poderiam ter. Zylis encolheu-se com o rabo entre as pernas, mas ainda manteve o seu ar zangado, pronta para se defender se fosse necessário.

Ela estava cansada do joguinho daquele idiota.

Cansada de receber cicatrizes.

Cansada de ter medo dele.

És a única fêmea da nossa matilha. E nem ovos consegues por direito.

Então arranja outra cadela! Estou farta disto, estou farta de ti! Vou-me embora!

O Pokémon soltou uma gargalhada bem alta, troçando com ela, logo depois de ouvir a ameaça. Uma ameaça tola. Muito tola.

O que pensas que vais fazer? Achas mesmo que vais conseguir sobreviver sozinha lá fora?

A Pokémon baixou as orelhas, notando a gema do ovo emprenhar-se cada vez mais no chão. Ali dentro não existia lugar para lamentar outra perda. Pelo menos lá fora, a Houndour teria a liberdade que queria sem que ninguém a controlasse, e já sonhara inúmeras vezes sobre essa mesma liberdade. A liberdade em ser senhora de si sem se importar com mais nada nem mais ninguém.

Correr na praia, sentir o vento tocar-lhe no focinho, ouvir o som claro das ondas do mar…

Coisas tão simples que, apesar de estarem tão perto de si, ali dentro pareciam inalcançáveis.

É o que vou fazer, se não sou boa o suficiente para ti.

Então sai, sua covarde, e sê uma fracassada qualquer, talvez um treinador generoso te capture e aprisione dentro de uma daquelas esferas para o resto da vida. Ou ficarás para sempre a mendigar restos em baldes do lixo.

Prefiro isso que continuar ouvindo a tua língua e sofrendo as tuas patadas.

Então, boa sorte. Sabes onde fica a porta de saída. Serei generoso contigo e não te impedirei a nada. Podes ir, quando quiseres – Disse, em tom provocador, como se não acreditasse que ela fosse mesmo capaz de os deixar sozinhos, igual a tantas outras discussões.

A Houndour viu aquele Houndoom desaparecer entre as sombras, com um sorriso sinistro gravado no rosto, logo depois de comentar aquilo. Que alívio enorme que foi ver aquele Pokémon desaparecer para longe.

Por algum motivo, sentiu que a frase tinha outro contexto, outra mensagem mais subliminar: a liberdade que desejava não seria bem o que ela imaginava, e que ele continuaria a persegui-lha e a usá-la para seu bel-prazer, independentemente das circunstâncias. Depois ficou longos minutos mergulhada no silêncio, solidão e na escuridão profunda de Inlet Grotto, encarando os seus ovos partidos com um peso enorme no coração. Ao mesmo tempo, uma frustração a dominava. E, quando alguém atingia o limite, não se sabe bem ao certo do que se é capaz.