Posted by : Shiny Reshiram 10 de out. de 2023


Haruka varria atrás do balcão várias migalhas que tinham sido espalhadas ao repor os produtos da Padaria no expositor. Ocasionalmente, ajeitava alguma coisa da decoração, procurando a melhor forma de deixar os seus produtos mais apelativos.


Era neste pequenos momentos que sentia falta da companhia de Tamar, um dos seus maiores ajudantes na Padaria, pois o dedicado Krokorok conseguia manter sempre a ordem e higiene em todas as paredes, bancadas e pavimentos, empurrando a confusão para longe com sua esfregona – na maioria dos casos, é claro, quando não brigava com a trapalhona Tolya.


Suspirou.


Tinha que começar a se habituar à ideia que a solidão voltaria a tomar-lhe a pele, pois a filha partiria para Mesagoza, bem cedo, no dia seguinte. E, desta vez, ninguém se iria esquecer, e muito menos faltar – o diretor deixara bem claro que, agora, isso não podia acontecer de maneira alguma.


Só não sabia bem como diria a Juliana a magnífica surpresa que preparara para ela.


Ouve, Juliana… Só te irei ver aos fins de semana… – praticava ela o discurso, mentalmente. Uma surpresa sua, que iria revelar muito em breve, quem sabe, mesmo em frente aos portões da escola, para que o ato não tivesse volta.


E era um discurso que sempre se rebobinava, vezes e vezes sem conta na sua cabeça, como um filme em VHS num velho televisor, mas sempre acrescentado alguma coisa ao seu final ou no meio das faíscas que surgiam no ecrã, tal como a expressão de Juliana em todas as suas reações possíveis.


Suspirou outra vez, sentindo uma pontada de culpa.


Devia falar com ela mais cedo. Mas não conseguia. Conhecia a sua Julie. Sabia que, quanto mais cedo revelasse uma atrocidade destas – a sua surpresa, como gostava de traduzir em palavras mais leves – menos difícil seria de a convencer, ou e até mesmo de a deixar ir.


Quando pegou na pá e ajuntou o montinho de migalhas de pão para colocar no balde do lixo ao seu lado, sentiu os papagaios do telhado darem sinal com seus piares característicos. Poucos instantes depois, a sineta da porta da frente da Padaria tocou o seu barulho monótono, dando lugar à entrada dos clientes.


Haruka olhou para a frente, deixando logo a vassoura de parte e recompondo a pose para os receber com bons modos. As mesas que preenchiam a sala estavam vazias, mas os dois homens recém chegados preferiram sentar-se nas cadeiras da área do bar, e a encararam com um sorriso simples no rosto. Haruka recebeu-os com igual disposição.


Os dois homens eram fardados de azul, e contavam com um distintivo reluzente ao peito. Haruka já os conhecia desde à muito, e sempre lhes fora muito agradecida pelos serviços que ambos já lhe prestaram. Não precisava de grandes reverências para receber os dois policiais no seu humilde lar. Os homens estavam cabisbaixos, mas ela sabia que os dois se faziam de durões sempre que ali entravam, fingindo não a conhecerem de parte nenhuma para a intimidarem.


– Maurício! Bombur! – exclamou ela.


Ninguém estava vendo. Haruka atirou-se na direção deles, mesmo os abraçando por cima do balcão do bar. Os homens riram-se como reação ao gesto ousado da velha amiga, com uma intimidade que ia completamente contra todos os procedentes tendo em conta que ambos eram… Policias.


– É tão bom voltar a ver-te! Haru! – exclamou Maurício.


– Quanto tempo! – exclamou ela, a rir. – Querem algo? Faço por conta da casa! Posso buscar umas cervejas ou…


– Não. Não. Estamos em serviço. – Maurício respondeu-lhe, afastando-a um pouco com a mão estendida. – Estamos no meio de uma pequena pesquisa.


– Vá lá! Vocês já fizeram tanto por mim e pela Juliana!


– A Juliana não está, pois não?


Ela acenou, dizendo-lhes que a filha estava de saída, e já era óbvio que não estava, caso contrário, também teria recebido os dois com uma grande agitação. Rapidamente, a alegria do reencontro entre velhos amigos desvanecera-se no olhar dos dois homens. Haruka deixou de sorrir tanto como sorrira minutos antes ao notar a súbita mudança de tom de voz em ambos os agentes.


– Passa-se alguma coisa? – Haruka questionou, preocupada.


Bombur pigarreou, enquanto Maurício removeu um papel branco do interior da farda. Haruka viu-o deslizar, na sua direção, a carta carimbada por cima do tampo do bar, num gesto demorado e silencioso.


– Veio de Medali. – comentou Maurício.


A mulher fixou o sinistro envelope á sua frente, imóvel, enquanto uma gota de suor frio escorreu-lhe da testa.


– Chegou à nossa esquadra esta manhã. – acrescentou Bombur.


Ela não sabia do que se tratava, e não estava nada disposta em abri-lha assim tão cedo e ser tomada por outra preocupação – mais uma, se as poucas que tivesse já não bastassem. Um Pokémon esquilo desceu da parede, encarando a treinadora com ar inquietante. Haruka segurou na carta, colocou-a no interior de um saco de plástico, e pediu a Senhor Nozes que a guardasse.


– O local de costume… – murmurou para o pequeno Skwovet, que, imediatamente, obedeceu à ordem, ao agarrar no envelope.


O esquilo correu na direção da cesta onde Manjar, o Dachsbun, dormia, guardando o documento ao lado de alguns outros papéis num compartimento que a cama do Pokémon continha na direção da parede. O Dachsbun agitou-se, perturbado, mas logo voltou a se aconchegar entre os farrapos quentes que o cobriam.


O policial pigarreou novamente, tentando aliviar a tensão.


– Bom. Não é apenas por causa dessa carta que aqui estamos. Apenas aproveitámos para já a deixar entregue.


– Então… Ocorreu alguma coisa mais grave? – Haruka questionou, com a voz ainda trémula, logo a imaginar que a Juliana já se tinha metido em sarilhos. Mais um filme enorme preencheu o ecrã de televisão que lhe passava na imaginação.


– Nada demais. Apenas um apagão. Alguém cortou a electricidade que alimenta Cabo Poco.


– A sério?! – exclamou, surpresa. – A minha padaria tem um gerador próprio, por isso não notei falta… E ninguém que veio aqui comentou sequer sobre o assunto.


– Não é apenas o mais grave. Alguém, ou alguma coisa, derrubou uma das paredes da base do farol. – prosseguiu Maurício.


– Ahh… – Haruka reagiu, tapando a boca com a palma da mão. Ninguém por ali gostava de saber que o local, imagem de marca de Cabo Poco, sofrera um incidente.


– Estamos a ver se descobrimos o que aconteceu e capturamos o culpado. Desligar e destruir o farol é um crime grave, que coloca muitos navios ao largo de Paldea em risco. Talvez soubesses de alguma coisa. – continuou Bombur. – De qualquer das maneiras, já avisamos o faroleiro do farol e o proprietário do apartamento que tem na sua base. Desconfiamos que tenha sido o Cyclizar estranho dos rumores, mas ainda estamos a investigar.


A mulher endireitou os cabelos, tirando-os da frente dos seus olhos. A sua filha andava atrás daquela criatura, e não lhe agradou nada a ideia de que ela trouxesse um monstro perigoso para o meio da sua cozinha. Quem sabe, também se envolvera e agora se escondera em algum local por ai. Talvez fora para mais longe, pois estava a demorar demais a voltar para casa.


Os dois polícias entenderam que a mulher não sabia de mais nada, e já conheciam a paixão louca da filha da amiga. Anotaram o que tinham para anotar nos seus blocos de notas e dirigiram-se então até a porta de saída. Haruka acompanhou os dois, ainda sem saber bem o que devia comentar após as trágicas notícias.


– Vocês deviam vir visitar-me mais vezes… Quando não estiverem em serviço. Claro. –comentou baixinho, antes dos homens saírem pela porta. – Sinto mesma a falta do tempo de nós os quatro a viajar por Paldea.


– A vida decidiu trazer outras prioridades… – murmurou Bombur, com um aperto no coração. – Infelizmente o nosso horário é apertado e…


– Vamos ver o que conseguimos fazer para mais visitinhas – disse Maurício, fazendo sinal a Bombur, que já estava no pátio exterior. – Esperamos que tenhas o resto de uma boa tarde. Manda abraços para a Julie!


E o sininho da porta, ecoou outra vez, marcando a saída dos dois.


Haruka encarou o estabelecimento vazio, depois desviou o olhar para o seu Daschbun a dormir, enquanto deixava que seu Skwovet lhe subisse para o ombro e esfregasse a sua bochecha na dela, na tentativa de a animar.


No inicio, ela admitia que via a situação como uma brincadeira de apanhadas por parte de Juliana, mas agora, compreendia que talvez a filha estava a lidar com algo mais sério do que a sua maturidade permitia.



– Vais gostar. Não precisas de ficar nervosa.


– Achas mesmo?


– Amiga, confia em mim. Vais adorar a Academia! Tal como minhas colegas de turma costumam dizer: os novos alunos são de deixar qualquer abismo maior que a cratera de Paldea!


Juliana parou de repente, encarando Nemona, aterrorizada.


– Que foi? Eu não sei bem o que isso significa, mas é pelo menos a expressão que eu oiço elas dizerem!


Nemona encolheu os ombros, e continuou a seguir a estrada, acreditando que a outra se sentia incomodada com o assunto, apesar de não compreender. Não queria passar má impressão para a pessoa que acabara de conhecer, pois já bastou a piada sobre os perritos, desrespeitando a fobia da jovem.


Aquela pequena viagem de ambas já deu para se conhecerem melhor, e a cada detalhe novo, uma ficava sempre mais interessada na outra, mas Nemona sentiu que precisava de uma confirmação, pois ainda não sabia ao certo o que a outra entendia sobre ela.


– Então, nós as duas somos amigas? – Nemona questionou-lhe, a sorrir.


– Claro! Eu gostei muito de ti e da tua companhia! – Juliana respondeu-lhe, com um sorriso animador, depois, murmurou para si, olhando para o lado. – Eu não tenho muitos amigos… As pessoas acham que eu sou estranha.


– Sério? Eu acho que és completamente normal! As pessoas também dizem algo parecido em relação a mim. O problema é deles, não nosso!


– Talvez nós as duas, estranhas, nos complementamos… – murmurou Juliana.


A rapariga voltou a olhar em frente matutando no assunto, talvez Nemona tinha razão, mas ainda incomodava a ideia de penetrar num local movimentado e se enfiar outra vez numa sala cheia de adolescentes idiotas. Já frequentara uma pequena escola em Cabo Poco antes, por isso, já tinha noção como funcionavam, mas passou a ter aulas em casa com sua mãe após um acidente que ela prefere não relembrar. Juliana sempre deu prioridade ao conforto do seu lar, a solidão das praias do litoral e o isolamento do seu quarto. A companhia de Pokémon era sua preferência acima da companhia de pessoas.


A casinha pacata que era a Padaria Sonhos de Daschbun erguia-se no ponto mais extremo do promontório de Cabo Poco. Juliana sentiu uma sensação incrível de paz ao, finalmente, voltar a por os pés no pátio principal da sua casa. Mal podia esperar para mudar de roupa, tomar um duche purificante e se entregar totalmente ao conforto do lar.


– Pronto! Estás entregue! – exclamou Nemona para a companheira, quando adentraram o pátio frontal.


Os Squawkabilly típicos do telhado, começaram uma grazinada medonha enquanto fixavam Juliana a abrir a porta, e Nemona deu uma gargalhada por causa do jeito deles, antes de entrar atrás da filha da padeira para o interior do estabelecimento.


Entraram mesmo pela porta da frente, aproveitando que o espaço estava vazio, sem olhares curiosos. Juliana sabia que a Padaria  era mais frequentada pela manhã, e, durante a tarde, eram poucas as visitas, tirando alguns velhos clientes habituais que gostavam de ir ali lanchar alguma pastelaria ou buscar pão fresco para o jantar.


– Mãe! Eu voltei! – berrou ela.


A primeira coisa que Juliana fez após o anúncio da sua chegada foi ir lá atrás buscar as Pokéball de Quaxly, Sprigatito e Fuecoco, para os colocar no interior antes que estes voltasse a fazer asneiras. É claro que iria os guardar depois de os alimentar com alguma ração para Pokémon. O diretor tinha deixado as suas esferas em cima da mesa da rua no pátio das traseiras. Nemona decidiu ficar na área atrás do bar, à espera dela, na zona da recepção, pois era má educação invadir a propriedade sem autorização, e Juliana estava tão apressada em tomar os três para a segurança que se esquecera de a avisar que ela podia explorar o sitio à vontade.


Encarou o local agradável enquanto esperava, notando um esquilo gorducho e um cão idoso dentro de uma cesta nas proximidades. Um Pokémon rosa com uma pá de ferro e ar intimidador veio ao bar deixar um pacote grande de papel que devia ser de alguma encomenda, mas retirou-se sem olhar para os olhos expressivos da curiosa jovem. Teve a sensação que a Tinkatuff mediu os gestos dela, como quem era a protetora do local e desconfia-se da presença de ladrões.


Estranhou a demora da dona da Padaria, tal como a própria Juliana estranhou a ausência da mãe.


Juliana voltou em pouco tempo, e, depois dos três Pokémon alimentados – que comeram tudo num piscar de olhos – tomou a Pokéball de Rosa, a Sprigatito, para si, guardando-a no bolso com Tolya e Tamar, e entregou as outras a Nemona, consoante o combinado com o Diretor. Nemona tinha concordando em ser ela a os devolver, após ouvir a explicação mais calma que Juliana lhe dera pelo caminho, antes de ali voltarem.


– Mãe! – Juliana chamou, outra vez, com um berro mais alto, que quase obrigou Nemona a tapar os ouvidos. – Que estranho… Ela não está na cozinha. Nem lá em cima no quarto… Pois se tivesse lá ela nos tinha ouvido a chegar e a chamar… Talvez foi à quinta lá atrás buscar laranjas.


– Então aquela quinta de laranjas é vossa? – Nemona questionou com curiosidade. – Tem tantas árvores grandes lá!


– Sim! Eu brincava lá muita vez quando eu era pequena! Eu adoro aquele sítio! Um dia destes tens que ir lá!


Os Squawkabilly continuaram aos berros. Estas aves tinham uns piares ainda mais aflitos, dando alerta da presença de um grande predador à solta na rua. Juliana olhou para Nemona, relembrando-a de algo importante.


– Não devíamos ter deixado ele sozinho na rua, os Squawkabilly vão estragar a surpresa.


– Ah! É verdade! Então do que estás à espera, Juju? Captura ele!


– Hã! Pois é! – Juliana endireitou o seu casaco. – Eu tinha esquecido! Posso o manter na Pokéball e assim ele não cria problemas! É óbvio que ele não é um Cyclizar qualquer! As pessoas vão nos encher de perguntas se o virem e posso ficar sem ele!


– Já tens o teu inicial clássico, então, agora cria a tua primeiríssima captura! Não é entusiasmante? – Nemona gritou alto para a outra, e segurou no braço dela, a empurrando-a na direção da porta com rapidez.


Vamos! Antes que chegue alguém!


– Espera! Eu não tenho Pokeballs vazias aqui! Tenho que as ir buscar ao quarto…


– Miga, então porque não disseste mais cedo?! – a frase de Nemona fez Juliana revirar os olhos. – Tenho aqui que sobra!


E tirou umas quantas esferas bicolor do bolso.


Eram tantas, mas mesmo tantas, que Juliana nem soube bem como é que Nemona andava com tudo aquilo no interior da roupa, nem como ela as guardava a todas sem que estas caíssem quando ela caminhava ou corria.


– Se quiseres mais eu tenho um armazém cheio em casa, posso dar lá um pulo num instante! Tenho Great Balls, Ultra Balls, Love Balls, Luxury Balls, Friend Balls, Lure Balls, Moon Balls, Fast Balls, Dive Balls, Nest Balls…


Medo foi a sua reação a todas as opções que ela lhe mostrou, mas Juliana aceitou apenas uma. Entre tantas possibilidades, escolheu aquela que tivesse a superfície mais encarnada e reluzente. Uma Pokéball clássica.


Encostou ao Cyclizar estranho. O Pokémon estava deitado no meio de um dos canteiros de flores da mãe de Juliana, saboreando-se com um balde cheio de laranjas para fazer bolos e sumos naturais, colidas da quinta, que Haruka deixara no local para recolher mais tarde.


– Oh...


Nada ocorreu quando a esfera tocou na pele escamosa do Cyclizar.


– O que foi, Juju?


– Acho que esta Pokéball está avariada, Nemona. – analisou.


– Mas alguma vez já capturas-te um Pokémon? – questionou ela.


Era um pouco de maldade pensar nessa perspectiva, mas talvez a questão fosse mesmo a falta de experiência. Com entusiasmo pela oportunidade de dar uma explicação, Nemona soltou o seu Pawmo enquanto ouvia a amiga. O Pokémon preparou-se ao seu lado.


– Bem… O Tolya e a Tamar eu capturei com a ajuda de minha mãe – refletiu, breves instantes. – Nunca capturei nenhum sozinha.


– Então eu vou te mostrar como se faz! Apesar de eu não ser lá muito boa na parte de ‘’atirar Pokéballs’’. – e mirou o dedo na direção de um dos papagaios do telhado, endireitando a sua luva ortopédica.


O papagaio olhou para a humana, incrédulo, e depois decidiu fugir dali, esvoaçando para ali perto, em círculos, cheio de medo do grande dragão encarnado e do que quer que a humana desconhecida lhe planeasse fazer.


– No teu caso não é necessário, como já fizeste amizade com o Cyclizar, mas em alguns casos, precisas de dar um pouco de luta e mostrar que és merecedora da sua companhia. Alguns Pokémon são capturados mais facilmente depois de enfraquecidos. Pawmo. Estás a ver aquele Squawkabilly? Usa Spark nele!


Os Squawkabilly do telhado eram seus amigos e amigos da sua mãe, velhos companheiros da Padaria, apesar de não terem dono algum. Juliana encolheu os ombros, custou-lhe olhar o animal a ser atacado de forma gratuita. O Pokémon marmota seguiu a ordem da sua treinadora viciada em batalhas, envolveu-se de energia e apanhou o Pokémon desprevenido, atingindo-o com uma descarga eléctrica vinda da palma das suas mãos.



Este caiu de barriga para cima, na calçada do pátio mais abaixo.


Nemona mirou a Pokéball, atirando-a, com os olhos fechados e dentes serrados. O gesto precisava de muita perícia e força, algo que a jovem não tinha, e, por isso mesmo, soltou um pequeno gemido ao realizar o gesto. Esperou que a mesma sela-se por completo, mas quando os voltou a abrir e olhar os resultados, viu que falhara a pontaria.


A Pokéball batera numa das pedras de calçada, longe do Pokémon. O papagaio estava à espera do seu destino fatal, mas, quando ele não veio, ergueu a cabeça, encarando todos os lados, grato a Arceus por estar vivo, e rapidamente recompôs a pose, fugindo para o meio das árvores, a coxear.


– Fracassei a captura… – Nemona murmurou com um sorriso, como se já estivesse habituada àquele tipo de situações. – É mais ou menos assim. Depois te explicarei melhor. Agora, tenta tu no Cyclizar! – e deu-lhe outra Pokéball.


Juliana tentou de novo a captura do dragão, enquanto Nemona atendia com mais atenção os movimentos da outra. Depois de Juliana encostar no dragão a esfera bicolor, o Pokémon ganhou uma espécie de placa protetora em todo o corpo, que impossibilitou o raio de o sugar.


– Hum… Está tudo certo. Parece que ele já tem é dono… – Nemona disse, com ar pensativo. – Faz isso quando os Pokémon já tem treinador, pois eles não podem ser capturados por outros treinadores.


Juliana não parecia decepcionada, pelo contrário, a descoberta dera-lhe um click no pensamento. Sua mente viajou até o farol, lembrando-se das marcas de garras profundas na porta debaixo de todos os destroços da parede.


– Oh! Agora já entendi! – exclamou, com toda a sua dedicação. Pois agora tudo fazia sentido.


– O que entendeu?


A rapariga de casaco pesado segurou então naquela cabeça enorme. O dragão lambeu-lhe o rosto vezes consecutivas. Juliana amava laranjas, e adorava aquela criatura ainda mais. O dragão cheirava à fruta. Duas das suas coisas favoritas num só contribuíram para que ela o agarrasse com ainda mais força, mas o Pokémon não parecia se importar com tanto amasso, pois também adorava as caricias. A humana não se importou em ficar mais suja ainda do que o estado lastimável ao qual já se encontrava.


– Estás à procura do teu dono, ele é o dono do quarto, por isso derrubaste a porta e a parede com esse corpo todo? Para ver se ele estava trancado dentro fazendo piada de mau gosto? Deves estar perdido! Tadinho! Quem é a coisa mais linda? Quem é?! – Juliana disse, lhe dando caricias em todo o corpo.


Quando terminou os exagerados abraços e beijos de todo o tipo, o Cyclizar peculiar voltou a enfiar a cabeça dentro do cesto das laranjas. Era um daqueles baldes usados em vindimas bem altos, fundos e largos, logo, o Pokémon conseguia manobrar bem o focinho no interior, triturando as laranjas com sua bocarra e dentes afiados, apesar de muitas delas engolir inteiras.


As humanas estavam tão distraídas a ponderar na descoberta nova, tanto focadas no Cyclizar viciado a comer laranjas, que mal deram pela aproximação da famosa padeira de Cabo Poco, que saia da quinta com um balde de laranjas bem carregado na mão, com o objectivo de despejar no interior daquele balde maior.



A mulher, chocada com a visão, deixou toda a fruta que trazia cair no meio da calçada sem querer, e deu um grito, tão alto, que fizera os papagaios que estavam pousados no telhado levantarem voo e as jovens arrepiarem os pelos da nuca. O Cyclizar saltou na direção das pernas dela, a derrubando, enquanto abocanhava as laranjas que rebolavam pelo chão em todas as direções.


– AS MINHAS LARANJAS! – Haruka gritou, mais vermelha que um pimento.



Após o retorno de Haruka, a situação tornara-se um tanto caricata.


A mulher não deixou o Cyclizar estranho entrar em casa, de maneira nenhuma, por muito que Juliana insistisse. O dragão foi conduzido até as traseiras, onde continuou distraído com o seu novo alimento favorito. Haruka não o deixou entrar sobre o pretexto de não querer uma criatura enorme daquelas a assustar os clientes e a sujar os corredores e as bancadas da cozinha com suas patas imundas, sem mencionar todo o perigo que aquele monstro desconhecido podia representar e os germes que devia ter.


– Ouve, Julie, eu não vou estar sempre aqui presente para medir as tuas ações. Nem é questão de ser certo ou errado. Mas sim de bom senso e de mau! Tens que aprender a…


– Mas mãe…


– Mas nada, Juliana! Não me interrompas! Não vês que ele é um animal perigoso?!


– Mas isso todos os Pokémon são em algum ponto!


– Não é apenas, isso, Juliana. Não vês que esse bicho não é normal? Os Cyclizars normais não são vermelhos, e não tem… O que é aquilo mesmo? Penas?...  Não tem penas na cabeça!


– Mas… Eu vou cuidar bem dele, mãe! E ele salvou-me de uns cães e…


– Não quero saber! Não é questão de cuidar ou não… – Haruka suspirou. – Não sabemos que tipo de perigos ele pode representar. Além do mais, sabes que ele tem dono?! Queres ficar com ele para ainda pensarem que o roubaram? Sabes como são as pessoas daqui. Quero que o devolvas ao local onde o achaste!


Por muito que insistisse, o dialogo continuaria a se amontoar e enrolar, como uma gigantesca bola de neve. Juliana soltou um suspiro carregado de frustração. Por muito que tentasse, nada mudaria as ideias da sua mãe. A jovem sentiu-se revoltada com tudo aquilo. Tantas noites em branco para conquistar um sonho seu, e muito pessoal, agora por água abaixo.


– Deixa-me ficar com ele, só mais um bocadinho, até encontrar-mos o dono dele!


– Ouve, Julie… O Maurício e o Bombur estiveram aqui à perto de uma hora atrás, eles andam à procura de culpados. Neste momento todos em Cabo Poco já devem saber que a parede do farol foi derrubada por algo perigoso. Não podemos nos dar ao luxo de arriscar tanto. Essa criatura pode estar calma agora, mas ele já causou estragos que cheguem durante todas estas últimas semanas. Eu sei que um Cyclizar era tudo o que tu querias, querida… Mas tem oportunidades melhores e Cyclizars por ai que não são de ar duvidável é o que não falta, percebes?


– Mas…


– Ou o devolves à praia onde o encontraste, ou eu vou falar com as autoridades… – Juliana suspirou mais uma vez ao ouvir aquilo. – Eles vão nos inundar de perguntas… E vamos pagar caro pelos estragos todos. Não queres uma divida, pois não? Logo agora que o negócio estava estável e nos livrámos das contas atrasadas…


Juliana engoliu as palavras, e, muito a contragosto, concordou, por fim, com a mãe. Foi difícil engolir o Tadbulb, mas ela tinha em partes razão. Sua ambição fora cega e, mais uma vez, não medira as consequências.


Tudo podia dar errado, mesmo com o Cyclizar se provando um dragão manso, não existia garantias caso ele se tornar-se ou não mais feroz, a qualquer instante, virando a sua casa ao avesso e destruindo tudo o que a mãe até então construíra e conquistara.


Afinal das contas, recordava-se com clareza de todas as noites que andara atrás daquela criatura, e ele tinha um comportamento bem diferente… Bem selvagem. Um ar mais perigoso, tal como todas as criaturas maléficas das lendas, enquanto destruía os jardins e esgravatava nas latas de lixo em busca de comida. As marcas fundas de garras na porta do apartamento do farol, eram uma boa cicatriz a se lembrar.


Saiu pela porta, num mesclar de tristeza e ódio.


Nemona, que se manteve sempre silenciosa até então, ficou a conversar na recepção da padaria com a mulher. Os papagaios do telhado não estavam presentes, o que contribuiu para o clima triste e pesado que se seguiu. Juliana olhou o grande dragão ainda a disfrutar das laranjas com a cabeça dentro do balde, e isso despontou nela um sorriso simples mas entristecido.


– Vamos dar umas voltas… Vou levar-te a tua casa… – murmurou ela com um grande pesar nas palavras.


O Cyclizar não dava sinal de querer ir atrás, rejeitando-se a largar o cesto de laranjas. Juliana nem sequer sabia se a quantidade que ele ingeria era recomendável para Pokémon, mas se muitos Pokémon selvagens se alimentavam de berries minúsculas, um dragão daquele tamanho tinha que arranjar alimento de alguma maneira, e ele adorava aquelas laranjas. Lá depois de umas quantas tentativas e puxões, conseguiu convencer o bicho em segui-lha, ao colocar umas quantas das frutas no seu bolso e usar outra na mão como isca para o atrair.


Atravessaram Poco Path numa marcha lenta e silenciosa. Juliana adorou brincar com ele no processo, ao atirar-lhe a esfera e vê-lho engolir a mesma, satisfeito, sem mastigar. Aproveitava ao máximo a companhia do dragão, apesar disso, só tornar tudo ainda mais difícil.


Ao chegarem ao farol, era notável a quantidade de pessoas que já tinham inundado o miradouro, chocadas com a destruição, atendendo ao espectáculo. Cabo Poco era uma vila pequena, e pequena significava que todos se conheciam e que as noticias corriam rápido. Rápido até demais. Qualquer coisa que saísse da rotina simples era digna de ser capa de jornal, que qualquer pessoa devia apreciar, pois não era nada que acontecesse todos os dias.


 Ao longe, notou várias fitas de policiais a contornarem a área, impedindo a multidão curiosa de se aproximar mais dos destroços. A polícia ainda investigava os autores do crime e o misterioso apagão. Alguns guardas estavam acompanhados de Arcanines de ar perigoso, que rugiam contra os indivíduos para estes não darem mais um passo. O alvoroço parecia mesmo o género de coisa que se via na televisão. Juliana engoliu em seco com a cena, tentando ficar o mais invisível possível. Difícil acreditar que o local encontrava-se vazio pouco tempo antes.


Também notou, entre eles, vários jovens da Academia. A notícia até parara a Los Platos e Mesagoza! Sem mencionar que os quatro faróis de Paldea, que marcavam os quatro pontos cardeais mais extremos da região, eram monumentos muito adorados pelos próprios Paldeanos.


Posicionou-se atrás de umas árvores com o Cyclizar camuflado no meio de vários arbustos mais densos, de modo a ambos não serem avistados. A multidão conversava, uns riam, outros estavam sérios, até demais, mas todos tinham um elemento em comum: ainda iriam demorar a ir embora dali.


E assim Juliana e o Cyclizar esperaram, escondidos, um bom tempo. Mas Juliana não tinha intensões de esperar muito mais tempo, pois podia ser apanhada pela polícia, se bem que queria ficar mais horas esquecidas da sua vida a acariciar aquele seu dragão enorme.


Foi então que se lembrou do caminho que dava à praia.


A saída de Inlet Grotto.


Talvez ninguém inspeccionaria o território dos Houndour. Pelo menos, não ainda, como tudo era muito recente. O Cyclizar parecia conhecer bem a praia e aquele recanto, apesar da briga com os Houndour, ela sabia que ele se iria virar bem, pois o caminho era-lhe conhecido. Não era a melhor solução, sentiu até um tremor nos ossos ao se lembrar dos temíveis latidos dos cães, mas era a única opção que tinha, antes da polícia a encontrar ao lado da criatura que provocara tudo aquilo e a acusar de qualquer coisa pela qual ela não cometera.


E tudo o que Juliana menos queria era ver sua mãe com uma divida para pagar.


Seguiu então um trilho entre as árvores, pelo que se lembrava. A gruta estava silenciosa, apenas ecoando os murmúrios distantes da multidão, mas de lá de dentro provinha um calor intenso e perverso.


Juliana não ousou aproximar-se mais da fissura.


O Cyclizar analisou-a, com seus olhos cor de âmbar, e Juliana estendeu-lhe então o seu casaco, fazendo-lhe uma cama bem aconchegante entre as rochas frias da entrada. Era do agrado do Pokémon, que se instalara logo ali, a roer as partes do casaco onde estavam as suas tão ambicionadas laranjas, como um enorme cão que ruía um osso. Apesar da fobia, Juliana achou engraçado a ideia.


– Eu vou voltar para te visitar. É uma promessa! – disse-lhe, limpando uma lágrima que saiu-lhe do olho involuntariamente, e distanciou-se rápido, antes dos Pokémon das profundezas de Inlet Grotto darem sinal, e antes de se arrepender de o ter largado assim, ou antes dele a seguir.


Sem o casaco de inverno, sentiu-se nua naqueles trajes sujos de terra e farinha, mas não se importou. Todos estavam mais preocupados com as paredes derrubadas de um farol do que com uma rapariga qualquer de ar triste, que atravessava a rua toda suja, suada, e de pijamas.


A cada passada, mais custoso estava a ser o ato de o abandonar.


Foi então que Juliana ouviu um rugido poderoso, e naquele instante, jurou que o enorme dragão chamara por ela, e lamentava a falta de companhia.


Deu meia volta, decidida. E correu.


Correu até ficar sem fôlego. Correu contra todos os seus medos.


Que se lixe a lavagem cerebral que a mãe lhe dera, ela iria ficar com o Pokémon, quer ela quisesse, quer não! Nem que tivesse que arranjar algum part time em algum lado em Mesagoza, depois das aulas, para ajudar a mãe a pagar os custos caso o Pokémon destruísse alguma coisa da padaria.


– Mas… O que é que tu estás a fazer aqui?! – ouviu uma voz, súbita e pesada, quando atravessava o trilho e se aproximava da saída de Inlet Grotto. – E que forma ridícula é esta?


Não esperava que alguém encontra-se o seu Pokémon assim tão cedo, por isso, temeu o pior quando tomou a aproximação. O grande dragão encarnado ainda estava deitado em cima do seu casaco de inverno, a roer a laranja, tal igual como o deixara.


A diferença, é que um rapaz com uma mochila amarela enorme o encarava ali perto, apavorado com a sua descoberta.



Ainda tentou se esconder antes dele a ver, mas não conseguiu saltar para trás do arbusto a tempo dele não notar a sua presença.


Por breves minutos existiu uma troca intensiva de olhares entre os dois.


– Quem… Quem és tu? – Juliana encolheu os ombros, sem saber bem como reagir ao jovem que descobrira o seu segredo.


– Otimo… Um Koraidon imundo e uma triste qualquer de pijamas sujos… Que excêntrica combinação de sabores. – o rapaz murmurou. Pôs a mão na cabeça, como se sentisse uma enorme dor de cabeça ao ver ali aqueles dois juntos. Depois desviou os seus cabelos da frente dos olhos.


Juliana notara que aquele jovem desconhecido devia ter sofrido algum tipo de acidente recentemente, pois contava com o braço empanado e vários pensos na face, principalmente na testa e debaixo do olho. Alguns outros hematomas pintavam sua cara, tais como pequenos arranhões. Era como se ele tivesse acabado de sair de alguma cirurgia, e Juliana jurou que o cheiro que vinha das roupas dele lembrava imenso o cheiro dos hospitais.


– Koraidon? Então esse é que é o nome dele?


– Isso não importa, podes ir embora. – e o rapaz virou-lhe as costas. Apenas assim.


A forma como o outro despachou Juliana deixou-a irritada, muito irritada, por isso, aproximou-se mais para insistir em respostas. Respostas que queria muito ouvir. Respostas que precisava!


O Cyclizar olhou para ela, deu um pulo, lambendo a sua cara, muito feliz por a ver outra vez. A jovem de pijamas retribuiu o carinho como de costume.


– Desculpa, não tenho mais laranjas para ti… – disse ela, acreditando que ele queria mais comida.


– Espera, vocês se conhecem? – o rapaz deu um salto, com a mão no ar. – Aqui o brutamontes não costuma ter este tipo de recepção a estranhos.


– Isso eu é que pergunto. És o treinador dele? – Juliana questionou, deixando-se ser inundada pela saliva do enorme dragão.


– Isso importa mesmo? – o jovem de mochila amarela cruzou os braços, tomando toda a atenção na maneira como a rapariga envolvia aquela coisa cheia de penas no seu corpo com tanta força e carinho. – Estou a ver que adoras este Cyclizar. Queres ficar com ele? – chegou, logo a conclusões.


– Sim! Por favor! Ele é tão fofinhoooo! – Juliana exclamou, muito entusiasmada, agarrando o dragão mais para si, com os olhos a brilhar, sem se aperceber bem da forma como aquilo estava a ser tão fácil.


– Estou à espera que essa gente vá embora, para tratar das minhas coisas... – o rapaz endireitou os cabelos cumpridos, outra vez, pensativo. – Aqueles reparos no farol vão me custar bem caro…


Juliana olhou para parte do farol e do miradouro, e a multidão lá concentrada, que era visível entre as árvores. Vários técnicos especializados já chegavam na área em suas carrinhas, para tentarem repor a energia de Cabo Poco a tempo do anoitecer. Outras pessoas também erguiam os muros e tentavam reforçar a área da torre do farol, para ver se a mesma se mantinha operacional nas próximas noites antes de procederem a obras mais cuidadosas.


O rapaz analisava o espaço, para ver quando é que ficava livre ou não da multidão e conferir as coisas do seu apartamento. As desconfianças da jovem, aos poucos, se confirmavam.


– Conheço de vista a maioria dessa gente, mas eu não me lembro de te ver por aqui. – disse o rapaz logo a seguir.


– Sou a filha da proprietária da Padaria Sonhos de Dachsbun! É impossível as pessoas daqui não conhecerem a minha mãe.


– Ah… sim… Sonhos de Dachsbun… O pão nosso de cada dia de lá é saboroso, dá umas otimas sanduiches, pena que por vezes tem um travo a fumo que altera o sabor. E eu já encontrei grãos de terra no meio da massa. Os Pokémon que trabalham lá não devem ter as melhores condições de higiene.


– Tolya… – Juliana murmurou, a primeira palavra que lhe veio à cabeça, enquanto se ofendia com a crítica.


Sentiu tanto a sua Sandile como o Krokorok agitarem-se no interior da Pokéball no seu bolso. Tamar iria dar-lhe sermão outra vez, e ser mais cuidadoso em relação a banhos quando ambos se encontrassem fora da esfera bicolor.


Ele continuou, pensativo e sério.


– Koraidon não é o tipo de Pokémon que um novato qualquer pode treinar. Ele é especial.


– Especial?


– Sim… Creio que foi ele que destruiu ali a parede do laboratório. Ou também estás envolvida? – olhou-a com desconfiança. – Ele não devia ter esta forma. Ele não pode lutar assim. Está ridículo.


Como reação ao que o humano disse, o Pokémon fez um barulhinho, abaixando as penas da sua cabeça, entristecido.


– Eu não me importo. Eu o AMO! Em qualquer das suas formas! – Juliana tentou o alegrar.


– Okay… Então podes ficar com ele.


– A SÉRIO?


Assim, a rapariga deu um guincho, tão carregado de emoção, que quase se esquecera por completo que podia ser notada por parte das pessoas que infestavam o miradouro e estragar tudo.


O jovem começou a rir pelo jeito ridículo dela. Um riso perverso, mas Juliana estava tão feliz que não notara nas reais intenções do desconhecido.


– Sim, agora ele é teu, não é mais o meu problema. Só preciso que essa gente vá embora para eu procurar a Pokéball dele entre as minhas coisas e te entregar… Está ali uma confusão…


– Sim… Eu acho que eles ainda vão demorar… – ponderou Juliana, relembrando o outro.


– Eu sei, e eu também estou a meio de algo importante e preciso de me ir embora o mais rápido possível antes que me encontrem. Fazemos o seguinte… Por acaso frequentas a Academia?


– Amanhã vai ser o meu primeiro dia!


– Fantástico… – disse, em tom sarcástico, fixando o Cyclizar estranho. – Então de certeza absoluta que mais tarde ou mais cedo nós os dois vamos nos reencontrar na Cafetaria da Academia. Quando essa altura chegar, combinaremos melhor uma data e hora para fazer-mos todas as provações necessárias. Até lá, ele ainda fica comigo. Daqui a três semanas talvez eu tenha tempo na agenda. Que tal?


Juliana olhou para o seu tão amando Cyclizar. Iria ser difícil controlar a ansiedade em tomar todo o dragão para si, e não compreendia porque é que não podia ser logo amanhã a troca e tinha que ser dali a muito tempo. Mas depois lembrou-se das palavras da mãe, e pensou que assim era o melhor para todos.


O jovem desconhecido parecia certo no que dizia, tendo em conta o seu tom, logo Juliana acreditou que ele era de confiança. Afinal, o dragão era bondoso, devia estar sob cuidados de alguém de gentileza igual.


Soltou então a respiração prendida, concordando com a proposta, e jurando que não se iria esquecer dele.


– Fica combinado!



– É um prazer conhecer a senhora, já agora, eu tinha uma encomenda, para hoje.


– Certo, querida… Ficou em que nome? – Haruka segurou num bloco de notas que guardava na parte debaixo do bar, consultando a vasta lista de nomes lá anotados.


– Nemona! Eram as Filhoses! É para uma reunião que meus pais vão ter esta noite com uns senhores de Alola. Filhoses e Malassadas são muito semelhantes, então eu sugeri a meu pai que eles iam gostar de ser recebidos com algo assim.


– Oh… Então tu é que és a famosa Nemona! Eu sabia que o teu nome não me era desconhecido ao todo! Espero que a minha filha não tenha dado problemas quando vocês se encontraram. Que teus pais gostem dessas filhoses! – e entregou-lhe o pacote, que já estava no expositor a aguarda-lha.


Nemona acenou, apesar de, ao início, ter-se assustado um pouco com o sermão que Haruka dera a sua filha. Chegara rapidamente à conclusão que gostara dela. A mulher era simpática, e tentava fazer o que era melhor para todos, e a atendia com um sorriso agradável, o género de sorriso que dava sempre vontade de voltar ao local para comprar mais só por causa da simpatia da proprietária.


No se preocupe. Señora. O Diretor já tinha conversado comigo antes, nosso encontro hoje foi uma coincidência, pois como eu sou a Presidente da Associação de Estudantes da Academia, costumo guiar alunos novos durante as primeiras semanas.


– Estou a ver… Fico feliz em saber que a Juliana será uns tempos supervisionada por uma aluna com tanta competência.


Juliana estava a demorar, e Haruka não iria deixar Nemona ali a tarde toda, portanto, conduziu-a até a sala no andar superior, onde ofereceu chá, bolachas, deu a provar alguns doces caseiros e amostras da padaria, e procurou deixar Nemona mais à vontade enquanto conversavam e bebiam. Nemona não estava com fome alguma, mas não conseguiu recusar tamanha gentileza, e, quando começou a provar, não conseguiu parar tão cedo por tudo estar tão saboroso. Haruka também fez sumo natural de laranja, que Juliana adorava, e deu a Nemona a provar a sua especialidade. Ligou a televisão, para o tempo passar mais rápido, e rapidamente descobriu que Nemona também adorava os dramas que eram exibidos no final das tardes.


– Wow… Tauros Salvaje. Eu lembro de ver essa novela com meus pais quando eu era miúda!


– É o meu romance favorito, apesar das touradas sangrentas… Espero que não te importes que eu veja enquanto aguardamos pela Julie.


– Claro que não!


As duas rapidamente se envolveram com as cenas que surgiram no grande televisor da sala. Uma mulher de vestido encarnado e ar de dançarina enfrentava um homem com trajes de toureiro, que estava prestes a sair pela porta da rústica casa.


¡No me dejes aqui así, mi amor! – exclamou a mulher, aos prantos.


Lo siento, no puedo esperar más! Esta batalla hará história… – murmurou o homem, com o ar mais dramático possível.


Depois, os dois se abraçaram e se envolveram em um beijo escaldante. O homem pareceu mudar de ideias, fechando a porta, trancando-a, e permanecendo no interior da casa, onde conduziu a mulher na direção do quarto, sempre aos beijos e caricias, e, à medida que os passos dos dois avançavam, mais peças de roupa desapareciam do corpo dos dois, até o casal entrar noutro nível. O cenário mudou logo depois, evitando mostrar o ato íntimo, apesar do mesmo ter sido explícito.


– Porque é que ela não quer acreditar nele? Com um equipa de Pokémon daqueles ele consegue domar o Tauros! – Nemona soltou, ao fim de algum tempo em que as duas se mantiveram em silêncio observando as novas cenas. – Ou é neste episódio que ele morre na arena?


Sem saber bem ao certo os motivos, Haruka acabou por desabafar.


– Não… Ainda não… Quem me dera que a vida real fosse como a ficção, as vezes, tudo parece tão fácil de resolver.


– Passa-se algo, senhora?


– É a minha Julie… Eu sei que eu devia acreditar mais nela mas…


A forma como Haruka dissera ‘’mas’’ pareceu mesmo a Juliana a falar, e isso soltou uma gaitada da rapariga. Depois, Nemona procurou mentalmente a resposta certa, ao se relembrar da discussão toda de antes.


– Faz parte. Adolescência. A senhora sabe como é. Acredito que a senhora também passou por isso. – e olhou para o televisor. – Agora eu lembro! Ele consegue vencer a batalha depois, não é? Vocês as duas também vão conseguir vencer a vossa!


Graças à frase acolhedora de Nemona, a mulher lembrou-se outra vez dos tempos que viajava com Maurício e Bombur, como acompanhara os dois policiais a alcançar seus sonhos, e como ela também era uma peste quando jovem. Teve uma vez que o grupo fora perseguido por um bando de Tauros selvagens enfurecidos por culpa dela, e isso fora um dos momentos mais altos da sua velha jornada. Essas memórias arrancaram um sorrido da sua expressão.


– Ver-te a falar dessa maneira, até parece que já és uma adulta. – Haruka disse, enquanto molhava um dos seus biscoitos no seu chá. Ela gostava da textura e mesclar de sabores que o ato conferia ao alimento.


De repente, nota uma sombra no canto do olho, saindo da escadaria da casa e esgueirando-se sorrateiramente na direção da porta do corredor. Uma rapariga de cabelo castanho, com pijamas sujos, abraçada a um instrumento musical, caminhando em bicos de pés.


– Estás a tentar entrar à socapa? Espero que não tenhas feito nada engraçado. – disse Haruka com a voz mais alta, sem olhar diretamente nem sair do seu lugar.


Juliana surgiu fora da porta da sala, com ar de apanhada, tanto que era difícil disfarçar.


– Deixaste-o na praia, certo? – Haruka questionou-lhe, bebericando o seu chá, com uma expressão mais séria do que nunca.


As imagens da novela no ecrã da televisão começaram a ser inundadas por uma tourada no meio de uma arena. Fez-se um suspense no ar, onde o mesmo toureiro de antes tentava sobreviver ao calor intenso das chamas que um imponente Tauros da raça de fogo soltava na sua direção.


Juliana engoliu a seco, não gostava de touradas, mas agora ela também enfrentava o seu maior Tauros de Paldea. Tentava aguentar-se para não comentar sobre o encontro entusiasmante com rapaz de mochila amarela, que lhe dominava o pensamento. E, como muitos já devem saber, Juliana tem dificuldade em manter a boca fechada quando alguma coisa viaja no interior de sua cabeça.


– Claro que o deixei, mãe. Como prometido! – disse, e depois, serrou os dentes, com o sorriso mais forçado que sua cara conseguia dar.


Estava a ficar vermelha, e uma gota de suor escorreu-lhe da testa. Haruka arqueou a sobrancelha, desconfiada. Sabia bem como sua filha agia.



– Passa-se algo?


– Não… Nada! Apenas acho que finalmente vou tomar banho e mudar de roupa. Esta sujidade está a despertar em mim algum tipo de alergia.


A novela passou aos créditos finais, onde uma manada de Tauros negros corriam as letras e desapareciam no horizonte debaixo de um por do sol. Uma cena bem anti climática logo depois do cliffhanger da história que era de deixar qualquer um caído do sofá.


– Sendo assim… Acho que está mais do que na hora deu voltar a casa – Nemona levantou-se com a encomenda de filhoses debaixo do braço, toda inocente.


A novela já acabara, os alimentos que Haruka lhe oferecera já estavam reduzidos a migalhas na bandeja. Juliana já voltara, são e salva, e tinha a sua encomenda em mãos. Nemona não tinha mais nada que fazer ali. E agora, chegara o momento certo para soltar todos os motivos pelo qual ficara como convidada naquela casa à espera da outra jovem.


– Juju! Não te esqueças do nosso combate!


Juliana olhou-a, completamente perdida.


– Que combate?


– Tu prometeste enfrentar-me com esses crocodilos!


– Eu o quê? Eu não prometi nada!


– Hoje! Depois das oito da noite! Na minha praia! Batalha!


– A praia privada que tem no outro lado de Cabo Poco é sua???? – a surpresa súbita de Juliana fez com que ela se esquecesse por breves minutos do rapaz e do seu acordo sobre o Cyclizar, tomando a sua expressão usual.


– Foi um presente de aniversário de meus pais… É o que dá ser filha dos proprietários da empresa de Rotom Phones.


– Eu não sei se…


Haruka deu-lhe uma cotovelada. O facto de Nemona ser filha de uma das famílias mais ricas da região era uma boa oportunidade para ela lucrar com isso. Quem sabe, Nemona e a família viriam à Padaria mais vezes e deixariam por lá uns bons tostões.


– Vá lá filha, vai ser divertido. Tu e a tua nova amiga podem assim fortalecer laços.


– Okay… então… Acho que fica combinado! – Juliana respondeu, olhando para a mãe, que também a fitava de ar intenso, sem saber bem onde se estava a meter.


No fundo sabia que a mulher a provocara, para ver se lhe arrancava respostas. Depois, como sabia que Nemona era uma treinadora bem experiente, murmurou, entredentes.


Que Arceus esteja a meu lado.



Juliana deixou sua guitarra no quarto e depois foi tomar o seu tão merecido banho. Enquanto isso, Haruka conduziu Nemona até a saída, e a jovem se despediu e agradeceu, nas mais variadas formas possíveis.


– Muito obrigado, pela novela, pelas bolachas e principalmente pelo sumo de laranja caseiro! Estava tudo tão saboroso! – comentou ela, cheia de entusiasmo.


– Meus avós plantaram estas laranjeiras aqui à muitos anos, eu agradeço a suas almas, pois se elas são assim tão saborosas, é graças ao trabalho árduos deles. O que eu faço é cuidar delas e desta casa em honra deles. – respondeu, ao acenar, enquanto a jovem se distanciava.


– Eu também gosto de pensar que todos nós colhemos frutos daquilo que cultivamos, por isso, a senhora continue o que faz, para elas continuarem tão saborosas e as árvores saudáveis!


– Sim, acho que estás certa, menina!


Mais abaixo no caminho, Nemona estava tão animada com o desafio que teria mais logo à noite que corria às cegas, tanto que quase tombou ao passar por dois homens que seguiam o seu caminho até a Padaria.


– Ups… peço desculpa, senhores! – disse ela, voltando então a tomar a sua direção.


Haruka tinha intensões em voltar para o interior, mas ver a imagem dos policiais familiares se aproximando já lhe deu um sabor estranho na boca.


Ficou estática, quando os seus dois amigos se chegaram até ela e lhe entregaram logo, sem palavras, um casaco de inverno todo sujo, rasgado, cheio de suco de laranjas e laranjas desfeitas nos bolsos, e uma Pokéball toda suja de poeira e arranhões. Haruka sentia a energia perversa do Cyclizar estranho emanando do interior da esfera encarnada, e tomou-a com cautela.


Os policiais Maurício e Bombur mantiveram-se em silêncio, entregando à mulher outro papel, mas sem ser no interior de um envelope, diferente do primeiro que recebera naquele dia. Desta vez, a carta fora escrita à mão, e a letra torta indicava que o autor a tinha a produzido toda às pressas.


Haruka leu logo a carta, em frente aos homens, encarando aquilo que devia ser a sua nova divida a pagar, com terror nos olhos.


– …Treinadora de Pokémon acusada de abandonar Cyclizar, acusada de invadir propriedade privada, roubo de alimentos, destruição de apartamento… Apagão em Cabo Poco… Intoxicação alimentar?...


Segurou o respirar, antes de soltar toda a sua indignação num único nome, tão alto, que toda a vizinhança de certeza absoluta que o ouvira.


– JULIANAAAA!



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  1. Eu ainda fico de cara com o quanto a Juliana é merdeira kkkkkk O pior de tudo é que ela só queria dar umas voltas no Koraidon pra ficar feliz, mas ela quase destrói tudo por onde passa no processo. A Haruka não tá errada em ficar louca com ela.

    Foi também um primeiro encontro interessante da Juliana com o Arven. A gente que conhece a história de SV já consegue dizer o que está por vir, mas pra quem está tendo sua primeira experiência com Paldea por aqui fica perdidinho tentando entender o que tem por trás dele. Eu gosto dessas introduções que vão revelando o personagem aos poucos. Jogar tudo de uma vez na nossa cara estraga a surpresa. :v

    Por fim, a Juliana agora é uma criminosa procurada kkkkkkkkk Gente, essa menina tem o dom de invocar o caos, em completo contraste com sua timidez excessiva. Simplesmente um mistério da natureza!

    Ótimo capítulo, Shii!

    Até a próxima! õ/

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    1. A todo o canto que a Juliana vai, ela só se fode kkkkk Coitado do Tamar em ser o único Pokémon dela com capacidade em segurar a treinadora pela trela.

      Arven é um personagem bem difícil, porque ele no jogo já é bem completo, vou fazer meu melhor para deixar o desgraçado com um traço único. Acredito que ele e a Juliana ainda vão ter uns confrontos de personalidade que vão entregar umas tretas engraçadas.

      Obrigado mais uma vez pela sua presença aqui, Shads ❤

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