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- Capítulo 5 – As Laranjas e o Cyclizar Estranho
Haruka varria atrás do balcão várias migalhas que tinham sido espalhadas ao repor os produtos da Padaria no expositor. Ocasionalmente, ajeitava alguma coisa da decoração, procurando a melhor forma de deixar os seus produtos mais apelativos.
Era neste
pequenos momentos que sentia falta da companhia de Tamar, um dos seus maiores
ajudantes na Padaria, pois o dedicado Krokorok conseguia manter sempre a ordem
e higiene em todas as paredes, bancadas e pavimentos, empurrando a confusão
para longe com sua esfregona – na maioria dos casos, é claro, quando não
brigava com a trapalhona Tolya.
Suspirou.
Tinha que
começar a se habituar à ideia que a solidão voltaria a tomar-lhe a pele, pois a
filha partiria para Mesagoza, bem cedo, no dia seguinte. E, desta vez, ninguém
se iria esquecer, e muito menos faltar – o diretor deixara bem claro que,
agora, isso não podia acontecer de maneira alguma.
Só não sabia
bem como diria a Juliana a magnífica
surpresa que preparara para ela.
Ouve, Juliana… Só te irei ver aos fins de
semana… – praticava ela o discurso, mentalmente. Uma surpresa sua, que iria
revelar muito em breve, quem sabe, mesmo em frente aos portões da escola, para
que o ato não tivesse volta.
E era um
discurso que sempre se rebobinava, vezes e vezes sem conta na sua cabeça, como
um filme em VHS num velho televisor,
mas sempre acrescentado alguma coisa ao seu final ou no meio das faíscas que
surgiam no ecrã, tal como a expressão de Juliana em todas as suas reações
possíveis.
Suspirou outra
vez, sentindo uma pontada de culpa.
Devia falar
com ela mais cedo. Mas não conseguia. Conhecia a sua Julie. Sabia que, quanto
mais cedo revelasse uma atrocidade destas – a sua surpresa, como gostava de
traduzir em palavras mais leves – menos difícil seria de a convencer, ou e até
mesmo de a deixar ir.
Quando pegou
na pá e ajuntou o montinho de migalhas de pão para colocar no balde do lixo ao
seu lado, sentiu os papagaios do telhado darem sinal com seus piares
característicos. Poucos instantes depois, a sineta da porta da frente da
Padaria tocou o seu barulho monótono, dando lugar à entrada dos clientes.
Haruka olhou
para a frente, deixando logo a vassoura de parte e recompondo a pose para os
receber com bons modos. As mesas que preenchiam a sala estavam vazias, mas os
dois homens recém chegados preferiram sentar-se nas cadeiras da área do bar, e
a encararam com um sorriso simples no rosto. Haruka recebeu-os com igual
disposição.
Os dois homens
eram fardados de azul, e contavam com um distintivo reluzente ao peito. Haruka
já os conhecia desde à muito, e sempre lhes fora muito agradecida pelos
serviços que ambos já lhe prestaram. Não precisava de grandes reverências para
receber os dois policiais no seu humilde lar. Os homens estavam cabisbaixos,
mas ela sabia que os dois se faziam de durões sempre que ali entravam, fingindo
não a conhecerem de parte nenhuma para a intimidarem.
– Maurício!
Bombur! – exclamou ela.
Ninguém estava
vendo. Haruka atirou-se na direção deles, mesmo os abraçando por cima do balcão
do bar. Os homens riram-se como reação ao gesto ousado da velha amiga, com uma
intimidade que ia completamente contra todos os procedentes tendo em conta que
ambos eram… Policias.
– É tão bom
voltar a ver-te! Haru! – exclamou Maurício.
– Quanto
tempo! – exclamou ela, a rir. – Querem algo? Faço por conta da casa! Posso
buscar umas cervejas ou…
– Não. Não.
Estamos em serviço. – Maurício respondeu-lhe, afastando-a um pouco com a mão
estendida. – Estamos no meio de uma pequena pesquisa.
– Vá lá! Vocês
já fizeram tanto por mim e pela Juliana!
– A Juliana
não está, pois não?
Ela acenou,
dizendo-lhes que a filha estava de saída, e já era óbvio que não estava, caso
contrário, também teria recebido os dois com uma grande agitação. Rapidamente,
a alegria do reencontro entre velhos amigos desvanecera-se no olhar dos dois
homens. Haruka deixou de sorrir tanto como sorrira minutos antes ao notar a súbita
mudança de tom de voz em ambos os agentes.
– Passa-se alguma
coisa? – Haruka questionou, preocupada.
Bombur
pigarreou, enquanto Maurício removeu um papel branco do interior da farda.
Haruka viu-o deslizar, na sua direção, a carta carimbada por cima do tampo do
bar, num gesto demorado e silencioso.
– Veio de
Medali. – comentou Maurício.
A mulher fixou
o sinistro envelope á sua frente, imóvel, enquanto uma gota de suor frio
escorreu-lhe da testa.
– Chegou à
nossa esquadra esta manhã. – acrescentou Bombur.
Ela não sabia
do que se tratava, e não estava nada disposta em abri-lha assim tão cedo e ser
tomada por outra preocupação – mais uma, se as poucas que tivesse já não
bastassem. Um Pokémon esquilo desceu da parede, encarando a treinadora com ar inquietante.
Haruka segurou na carta, colocou-a no interior de um saco de plástico, e pediu
a Senhor Nozes que a guardasse.
– O local de
costume… – murmurou para o pequeno Skwovet, que, imediatamente, obedeceu à
ordem, ao agarrar no envelope.
O esquilo correu
na direção da cesta onde Manjar, o Dachsbun, dormia, guardando o documento ao
lado de alguns outros papéis num compartimento que a cama do Pokémon continha
na direção da parede. O Dachsbun agitou-se, perturbado, mas logo voltou a se
aconchegar entre os farrapos quentes que o cobriam.
O policial
pigarreou novamente, tentando aliviar a tensão.
– Bom. Não é apenas
por causa dessa carta que aqui estamos. Apenas aproveitámos para já a deixar
entregue.
– Então…
Ocorreu alguma coisa mais grave? – Haruka questionou, com a voz ainda trémula,
logo a imaginar que a Juliana já se tinha metido em sarilhos. Mais um filme
enorme preencheu o ecrã de televisão que lhe passava na imaginação.
– Nada demais.
Apenas um apagão. Alguém cortou a electricidade que alimenta Cabo Poco.
– A sério?! –
exclamou, surpresa. – A minha padaria tem um gerador próprio, por isso não
notei falta… E ninguém que veio aqui comentou sequer sobre o assunto.
– Não é apenas
o mais grave. Alguém, ou alguma coisa, derrubou uma das paredes da base do
farol. – prosseguiu Maurício.
– Ahh… –
Haruka reagiu, tapando a boca com a palma da mão. Ninguém por ali gostava de
saber que o local, imagem de marca de Cabo Poco, sofrera um incidente.
– Estamos a
ver se descobrimos o que aconteceu e capturamos o culpado. Desligar e destruir o
farol é um crime grave, que coloca muitos navios ao largo de Paldea em risco. Talvez
soubesses de alguma coisa. – continuou Bombur. – De qualquer das maneiras, já
avisamos o faroleiro do farol e o proprietário do apartamento que tem na sua
base. Desconfiamos que tenha sido o Cyclizar estranho dos rumores, mas ainda
estamos a investigar.
A mulher endireitou
os cabelos, tirando-os da frente dos seus olhos. A sua filha andava atrás
daquela criatura, e não lhe agradou nada a ideia de que ela trouxesse um
monstro perigoso para o meio da sua cozinha. Quem sabe, também se envolvera e
agora se escondera em algum local por ai. Talvez fora para mais longe, pois
estava a demorar demais a voltar para casa.
Os dois polícias
entenderam que a mulher não sabia de mais nada, e já conheciam a paixão louca da
filha da amiga. Anotaram o que tinham para anotar nos seus blocos de notas e
dirigiram-se então até a porta de saída. Haruka acompanhou os dois, ainda sem
saber bem o que devia comentar após as trágicas notícias.
– Vocês deviam
vir visitar-me mais vezes… Quando não estiverem em serviço. Claro. –comentou
baixinho, antes dos homens saírem pela porta. – Sinto mesma a falta do tempo de
nós os quatro a viajar por Paldea.
– A vida decidiu
trazer outras prioridades… – murmurou Bombur, com um aperto no coração. –
Infelizmente o nosso horário é apertado e…
– Vamos ver o
que conseguimos fazer para mais visitinhas – disse Maurício, fazendo sinal a
Bombur, que já estava no pátio exterior. – Esperamos que tenhas o resto de uma
boa tarde. Manda abraços para a Julie!
E o sininho da
porta, ecoou outra vez, marcando a saída dos dois.
Haruka encarou
o estabelecimento vazio, depois desviou o olhar para o seu Daschbun a dormir,
enquanto deixava que seu Skwovet lhe subisse para o ombro e esfregasse a sua
bochecha na dela, na tentativa de a animar.
No inicio, ela
admitia que via a situação como uma brincadeira de apanhadas por parte de
Juliana, mas agora, compreendia que talvez a filha estava a lidar com algo mais
sério do que a sua maturidade permitia.
– Vais gostar.
Não precisas de ficar nervosa.
– Achas mesmo?
– Amiga,
confia em mim. Vais adorar a Academia! Tal como minhas colegas de turma
costumam dizer: os novos alunos são de deixar qualquer abismo maior que a
cratera de Paldea!
Juliana parou
de repente, encarando Nemona, aterrorizada.
– Que foi? Eu
não sei bem o que isso significa, mas é pelo menos a expressão que eu oiço elas
dizerem!
Nemona
encolheu os ombros, e continuou a seguir a estrada, acreditando que a outra se
sentia incomodada com o assunto, apesar de não compreender. Não queria passar
má impressão para a pessoa que acabara de conhecer, pois já bastou a piada
sobre os perritos, desrespeitando a
fobia da jovem.
Aquela pequena
viagem de ambas já deu para se conhecerem melhor, e a cada detalhe novo, uma
ficava sempre mais interessada na outra, mas Nemona sentiu que precisava de uma
confirmação, pois ainda não sabia ao certo o que a outra entendia sobre ela.
– Então, nós
as duas somos amigas? – Nemona questionou-lhe, a sorrir.
– Claro! Eu
gostei muito de ti e da tua companhia! – Juliana respondeu-lhe, com um sorriso
animador, depois, murmurou para si, olhando para o lado. – Eu não tenho muitos
amigos… As pessoas acham que eu sou estranha.
– Sério? Eu
acho que és completamente normal! As pessoas também dizem algo parecido em
relação a mim. O problema é deles, não nosso!
– Talvez nós
as duas, estranhas, nos complementamos… – murmurou Juliana.
A rapariga
voltou a olhar em frente matutando no assunto, talvez Nemona tinha razão, mas
ainda incomodava a ideia de penetrar num local movimentado e se enfiar outra
vez numa sala cheia de adolescentes idiotas. Já frequentara uma pequena escola
em Cabo Poco antes, por isso, já tinha noção como funcionavam, mas passou a ter
aulas em casa com sua mãe após um acidente que ela prefere não relembrar. Juliana
sempre deu prioridade ao conforto do seu lar, a solidão das praias do litoral e
o isolamento do seu quarto. A companhia de Pokémon era sua preferência acima da
companhia de pessoas.
A casinha
pacata que era a Padaria Sonhos de Daschbun erguia-se no ponto mais extremo do
promontório de Cabo Poco. Juliana sentiu uma sensação incrível de paz ao,
finalmente, voltar a por os pés no pátio principal da sua casa. Mal podia
esperar para mudar de roupa, tomar um duche purificante e se entregar
totalmente ao conforto do lar.
– Pronto!
Estás entregue! – exclamou Nemona para a companheira, quando adentraram o pátio
frontal.
Os Squawkabilly
típicos do telhado, começaram uma grazinada medonha enquanto fixavam Juliana a
abrir a porta, e Nemona deu uma gargalhada por causa do jeito deles, antes de entrar
atrás da filha da padeira para o interior do estabelecimento.
Entraram mesmo
pela porta da frente, aproveitando que o espaço estava vazio, sem olhares
curiosos. Juliana sabia que a Padaria
era mais frequentada pela manhã, e, durante a tarde, eram poucas as
visitas, tirando alguns velhos clientes habituais que gostavam de ir ali
lanchar alguma pastelaria ou buscar pão fresco para o jantar.
– Mãe! Eu
voltei! – berrou ela.
A primeira
coisa que Juliana fez após o anúncio da sua chegada foi ir lá atrás buscar as
Pokéball de Quaxly, Sprigatito e Fuecoco, para os colocar no interior antes que
estes voltasse a fazer asneiras. É claro que iria os guardar depois de os
alimentar com alguma ração para Pokémon. O diretor tinha deixado as suas
esferas em cima da mesa da rua no pátio das traseiras. Nemona decidiu ficar na área
atrás do bar, à espera dela, na zona da recepção, pois era má educação invadir
a propriedade sem autorização, e Juliana estava tão apressada em tomar os três
para a segurança que se esquecera de a avisar que ela podia explorar o sitio à
vontade.
Encarou o
local agradável enquanto esperava, notando um esquilo gorducho e um cão idoso
dentro de uma cesta nas proximidades. Um Pokémon rosa com uma pá de ferro e ar
intimidador veio ao bar deixar um pacote grande de papel que devia ser de alguma
encomenda, mas retirou-se sem olhar para os olhos expressivos da curiosa jovem.
Teve a sensação que a Tinkatuff mediu os gestos dela, como quem era a protetora
do local e desconfia-se da presença de ladrões.
Estranhou a
demora da dona da Padaria, tal como a própria Juliana estranhou a ausência da
mãe.
Juliana voltou
em pouco tempo, e, depois dos três Pokémon alimentados – que comeram tudo num
piscar de olhos – tomou a Pokéball de Rosa, a Sprigatito, para si, guardando-a
no bolso com Tolya e Tamar, e entregou as outras a Nemona, consoante o
combinado com o Diretor. Nemona tinha concordando em ser ela a os devolver,
após ouvir a explicação mais calma que Juliana lhe dera pelo caminho, antes de
ali voltarem.
– Mãe! –
Juliana chamou, outra vez, com um berro mais alto, que quase obrigou Nemona a
tapar os ouvidos. – Que estranho… Ela não está na cozinha. Nem lá em cima no
quarto… Pois se tivesse lá ela nos tinha ouvido a chegar e a chamar… Talvez foi
à quinta lá atrás buscar laranjas.
– Então aquela
quinta de laranjas é vossa? – Nemona questionou com curiosidade. – Tem tantas
árvores grandes lá!
– Sim! Eu
brincava lá muita vez quando eu era pequena! Eu adoro aquele sítio! Um dia
destes tens que ir lá!
Os Squawkabilly
continuaram aos berros. Estas aves tinham uns piares ainda mais aflitos, dando
alerta da presença de um grande predador à solta na rua. Juliana olhou para
Nemona, relembrando-a de algo importante.
– Não devíamos
ter deixado ele sozinho na rua, os Squawkabilly vão estragar a surpresa.
– Ah! É verdade!
Então do que estás à espera, Juju? Captura ele!
– Hã! Pois é!
– Juliana endireitou o seu casaco. – Eu tinha esquecido! Posso o manter na
Pokéball e assim ele não cria problemas! É óbvio que ele não é um Cyclizar
qualquer! As pessoas vão nos encher de perguntas se o virem e posso ficar sem
ele!
– Já tens o
teu inicial clássico, então, agora cria a tua primeiríssima captura! Não é
entusiasmante? – Nemona gritou alto para a outra, e segurou no braço dela, a empurrando-a
na direção da porta com rapidez.
– Vamos! Antes que chegue alguém!
– Espera! Eu
não tenho Pokeballs vazias aqui! Tenho que as ir buscar ao quarto…
– Miga, então
porque não disseste mais cedo?! – a frase de Nemona fez Juliana revirar os
olhos. – Tenho aqui que sobra!
E tirou umas
quantas esferas bicolor do bolso.
Eram tantas,
mas mesmo tantas, que Juliana nem soube bem como é que Nemona andava com tudo
aquilo no interior da roupa, nem como ela as guardava a todas sem que estas
caíssem quando ela caminhava ou corria.
– Se quiseres
mais eu tenho um armazém cheio em casa, posso dar lá um pulo num instante! Tenho
Great Balls, Ultra Balls, Love Balls, Luxury Balls, Friend Balls, Lure Balls,
Moon Balls, Fast Balls, Dive Balls, Nest Balls…
Medo foi a sua
reação a todas as opções que ela lhe mostrou, mas Juliana aceitou apenas uma. Entre
tantas possibilidades, escolheu aquela que tivesse a superfície mais encarnada
e reluzente. Uma Pokéball clássica.
Encostou ao
Cyclizar estranho. O Pokémon estava deitado no meio de um dos canteiros de
flores da mãe de Juliana, saboreando-se com um balde cheio de laranjas para
fazer bolos e sumos naturais, colidas da quinta, que Haruka deixara no local
para recolher mais tarde.
– Oh...
Nada ocorreu
quando a esfera tocou na pele escamosa do Cyclizar.
– O que foi, Juju?
– Acho que
esta Pokéball está avariada, Nemona. – analisou.
– Mas alguma
vez já capturas-te um Pokémon? – questionou ela.
Era um pouco
de maldade pensar nessa perspectiva, mas talvez a questão fosse mesmo a falta
de experiência. Com entusiasmo pela oportunidade de dar uma explicação, Nemona
soltou o seu Pawmo enquanto ouvia a amiga. O Pokémon preparou-se ao seu lado.
– Bem… O Tolya
e a Tamar eu capturei com a ajuda de minha mãe – refletiu, breves instantes. –
Nunca capturei nenhum sozinha.
– Então eu vou
te mostrar como se faz! Apesar de eu não ser lá muito boa na parte de ‘’atirar
Pokéballs’’. – e mirou o dedo na direção de um dos papagaios do telhado,
endireitando a sua luva ortopédica.
O papagaio
olhou para a humana, incrédulo, e depois decidiu fugir dali, esvoaçando para
ali perto, em círculos, cheio de medo do grande dragão encarnado e do que quer
que a humana desconhecida lhe planeasse fazer.
– No teu caso
não é necessário, como já fizeste amizade com o Cyclizar, mas em alguns casos,
precisas de dar um pouco de luta e mostrar que és merecedora da sua companhia.
Alguns Pokémon são capturados mais facilmente depois de enfraquecidos. Pawmo.
Estás a ver aquele Squawkabilly? Usa Spark
nele!
Os Squawkabilly do telhado eram seus amigos e amigos da sua mãe, velhos companheiros da Padaria, apesar de não terem dono algum. Juliana encolheu os ombros, custou-lhe olhar o animal a ser atacado de forma gratuita. O Pokémon marmota seguiu a ordem da sua treinadora viciada em batalhas, envolveu-se de energia e apanhou o Pokémon desprevenido, atingindo-o com uma descarga eléctrica vinda da palma das suas mãos.
Este caiu de
barriga para cima, na calçada do pátio mais abaixo.
Nemona mirou a
Pokéball, atirando-a, com os olhos fechados e dentes serrados. O gesto
precisava de muita perícia e força, algo que a jovem não tinha, e, por isso
mesmo, soltou um pequeno gemido ao realizar o gesto. Esperou que a mesma sela-se
por completo, mas quando os voltou a abrir e olhar os resultados, viu que
falhara a pontaria.
A Pokéball batera
numa das pedras de calçada, longe do Pokémon. O papagaio estava à espera do seu
destino fatal, mas, quando ele não veio, ergueu a cabeça, encarando todos os
lados, grato a Arceus por estar vivo, e rapidamente recompôs a pose, fugindo
para o meio das árvores, a coxear.
– Fracassei a
captura… – Nemona murmurou com um sorriso, como se já estivesse habituada
àquele tipo de situações. – É mais ou menos assim. Depois te explicarei melhor.
Agora, tenta tu no Cyclizar! – e deu-lhe outra Pokéball.
Juliana tentou
de novo a captura do dragão, enquanto Nemona atendia com mais atenção os
movimentos da outra. Depois de Juliana encostar no dragão a esfera bicolor, o
Pokémon ganhou uma espécie de placa protetora em todo o corpo, que
impossibilitou o raio de o sugar.
– Hum… Está
tudo certo. Parece que ele já tem é dono… – Nemona disse, com ar pensativo. –
Faz isso quando os Pokémon já tem treinador, pois eles não podem ser capturados
por outros treinadores.
Juliana não
parecia decepcionada, pelo contrário, a descoberta dera-lhe um click no pensamento. Sua mente viajou
até o farol, lembrando-se das marcas de garras profundas na porta debaixo de
todos os destroços da parede.
– Oh! Agora já
entendi! – exclamou, com toda a sua dedicação. Pois agora tudo fazia sentido.
– O que
entendeu?
A rapariga de
casaco pesado segurou então naquela cabeça enorme. O dragão lambeu-lhe o rosto
vezes consecutivas. Juliana amava laranjas, e adorava aquela criatura ainda
mais. O dragão cheirava à fruta. Duas das suas coisas favoritas num só
contribuíram para que ela o agarrasse com ainda mais força, mas o Pokémon não
parecia se importar com tanto amasso, pois também adorava as caricias. A humana
não se importou em ficar mais suja ainda do que o estado lastimável ao qual já se
encontrava.
– Estás à
procura do teu dono, ele é o dono do quarto, por isso derrubaste a porta e a
parede com esse corpo todo? Para ver se ele estava trancado dentro fazendo
piada de mau gosto? Deves estar perdido! Tadinho! Quem é a coisa mais linda? Quem é?! – Juliana disse, lhe dando
caricias em todo o corpo.
Quando
terminou os exagerados abraços e beijos de todo o tipo, o Cyclizar peculiar voltou
a enfiar a cabeça dentro do cesto das laranjas. Era um daqueles baldes usados
em vindimas bem altos, fundos e largos, logo, o Pokémon conseguia manobrar bem
o focinho no interior, triturando as laranjas com sua bocarra e dentes afiados,
apesar de muitas delas engolir inteiras.
As humanas estavam tão distraídas a ponderar na descoberta nova, tanto focadas no Cyclizar viciado a comer laranjas, que mal deram pela aproximação da famosa padeira de Cabo Poco, que saia da quinta com um balde de laranjas bem carregado na mão, com o objectivo de despejar no interior daquele balde maior.
A mulher,
chocada com a visão, deixou toda a fruta que trazia cair no meio da calçada sem
querer, e deu um grito, tão alto, que fizera os papagaios que estavam pousados
no telhado levantarem voo e as jovens arrepiarem os pelos da nuca. O Cyclizar
saltou na direção das pernas dela, a derrubando, enquanto abocanhava as
laranjas que rebolavam pelo chão em todas as direções.
– AS MINHAS
LARANJAS! – Haruka gritou, mais vermelha que um pimento.
Após o retorno
de Haruka, a situação tornara-se um tanto caricata.
A mulher não
deixou o Cyclizar estranho entrar em casa, de maneira nenhuma, por muito que
Juliana insistisse. O dragão foi conduzido até as traseiras, onde continuou
distraído com o seu novo alimento favorito. Haruka não o deixou entrar sobre o
pretexto de não querer uma criatura enorme daquelas a assustar os clientes e a
sujar os corredores e as bancadas da cozinha com suas patas imundas, sem
mencionar todo o perigo que aquele monstro desconhecido podia representar e os
germes que devia ter.
– Ouve, Julie,
eu não vou estar sempre aqui presente para medir as tuas ações. Nem é questão
de ser certo ou errado. Mas sim de bom senso e de mau! Tens que aprender a…
– Mas mãe…
– Mas nada,
Juliana! Não me interrompas! Não vês que ele é um animal perigoso?!
– Mas isso
todos os Pokémon são em algum ponto!
– Não é
apenas, isso, Juliana. Não vês que esse bicho não é normal? Os Cyclizars
normais não são vermelhos, e não tem… O que é aquilo mesmo? Penas?... Não tem penas na cabeça!
– Mas… Eu vou
cuidar bem dele, mãe! E ele salvou-me de uns cães e…
– Não quero
saber! Não é questão de cuidar ou não… – Haruka suspirou. – Não sabemos que
tipo de perigos ele pode representar. Além do mais, sabes que ele tem dono?!
Queres ficar com ele para ainda pensarem que o roubaram? Sabes como são as
pessoas daqui. Quero que o devolvas ao local onde o achaste!
Por muito que
insistisse, o dialogo continuaria a se amontoar e enrolar, como uma gigantesca
bola de neve. Juliana soltou um suspiro carregado de frustração. Por muito que
tentasse, nada mudaria as ideias da sua mãe. A jovem sentiu-se revoltada com
tudo aquilo. Tantas noites em branco para conquistar um sonho seu, e muito
pessoal, agora por água abaixo.
– Deixa-me
ficar com ele, só mais um bocadinho, até encontrar-mos o dono dele!
– Ouve, Julie…
O Maurício e o Bombur estiveram aqui à perto de uma hora atrás, eles andam à
procura de culpados. Neste momento todos em Cabo Poco já devem saber que a
parede do farol foi derrubada por algo perigoso. Não podemos nos dar ao luxo de
arriscar tanto. Essa criatura pode estar calma agora, mas ele já causou
estragos que cheguem durante todas estas últimas semanas. Eu sei que um
Cyclizar era tudo o que tu querias, querida… Mas tem oportunidades melhores e
Cyclizars por ai que não são de ar duvidável é o que não falta, percebes?
– Mas…
– Ou o
devolves à praia onde o encontraste, ou eu vou falar com as autoridades… –
Juliana suspirou mais uma vez ao ouvir aquilo. – Eles vão nos inundar de
perguntas… E vamos pagar caro pelos estragos todos. Não queres uma divida, pois
não? Logo agora que o negócio estava estável e nos livrámos das contas
atrasadas…
Juliana
engoliu as palavras, e, muito a contragosto, concordou, por fim, com a mãe. Foi
difícil engolir o Tadbulb, mas ela tinha em partes razão. Sua ambição fora cega
e, mais uma vez, não medira as consequências.
Tudo podia dar
errado, mesmo com o Cyclizar se provando um dragão manso, não existia garantias
caso ele se tornar-se ou não mais feroz, a qualquer instante, virando a sua
casa ao avesso e destruindo tudo o que a mãe até então construíra e conquistara.
Afinal das
contas, recordava-se com clareza de todas as noites que andara atrás daquela
criatura, e ele tinha um comportamento bem diferente… Bem selvagem. Um ar mais
perigoso, tal como todas as criaturas maléficas das lendas, enquanto destruía
os jardins e esgravatava nas latas de lixo em busca de comida. As marcas fundas
de garras na porta do apartamento do farol, eram uma boa cicatriz a se lembrar.
Saiu pela
porta, num mesclar de tristeza e ódio.
Nemona, que se
manteve sempre silenciosa até então, ficou a conversar na recepção da padaria
com a mulher. Os papagaios do telhado não estavam presentes, o que contribuiu
para o clima triste e pesado que se seguiu. Juliana olhou o grande dragão ainda
a disfrutar das laranjas com a cabeça dentro do balde, e isso despontou nela um
sorriso simples mas entristecido.
– Vamos dar
umas voltas… Vou levar-te a tua casa… – murmurou ela com um grande pesar nas palavras.
O Cyclizar não
dava sinal de querer ir atrás, rejeitando-se a largar o cesto de laranjas. Juliana
nem sequer sabia se a quantidade que ele ingeria era recomendável para Pokémon,
mas se muitos Pokémon selvagens se alimentavam de berries minúsculas, um dragão
daquele tamanho tinha que arranjar alimento de alguma maneira, e ele adorava
aquelas laranjas. Lá depois de umas quantas tentativas e puxões, conseguiu
convencer o bicho em segui-lha, ao colocar umas quantas das frutas no seu bolso
e usar outra na mão como isca para o atrair.
Atravessaram
Poco Path numa marcha lenta e silenciosa. Juliana adorou brincar com ele no
processo, ao atirar-lhe a esfera e vê-lho engolir a mesma, satisfeito, sem
mastigar. Aproveitava ao máximo a companhia do dragão, apesar disso, só tornar
tudo ainda mais difícil.
Ao chegarem ao
farol, era notável a quantidade de pessoas que já tinham inundado o miradouro,
chocadas com a destruição, atendendo ao espectáculo. Cabo Poco era uma vila
pequena, e pequena significava que todos se conheciam e que as noticias corriam
rápido. Rápido até demais. Qualquer coisa que saísse da rotina simples era
digna de ser capa de jornal, que qualquer pessoa devia apreciar, pois não era
nada que acontecesse todos os dias.
Ao longe, notou várias fitas de policiais a
contornarem a área, impedindo a multidão curiosa de se aproximar mais dos
destroços. A polícia ainda investigava os autores do crime e o misterioso
apagão. Alguns guardas estavam acompanhados de Arcanines de ar perigoso, que
rugiam contra os indivíduos para estes não darem mais um passo. O alvoroço
parecia mesmo o género de coisa que se via na televisão. Juliana engoliu em
seco com a cena, tentando ficar o mais invisível possível. Difícil acreditar
que o local encontrava-se vazio pouco tempo antes.
Também notou,
entre eles, vários jovens da Academia. A notícia até parara a Los Platos e Mesagoza!
Sem mencionar que os quatro faróis de Paldea, que marcavam os quatro pontos cardeais
mais extremos da região, eram monumentos muito adorados pelos próprios Paldeanos.
Posicionou-se
atrás de umas árvores com o Cyclizar camuflado no meio de vários arbustos mais
densos, de modo a ambos não serem avistados. A multidão conversava, uns riam,
outros estavam sérios, até demais, mas todos tinham um elemento em comum: ainda
iriam demorar a ir embora dali.
E assim Juliana
e o Cyclizar esperaram, escondidos, um bom tempo. Mas Juliana não tinha
intensões de esperar muito mais tempo, pois podia ser apanhada pela polícia, se
bem que queria ficar mais horas esquecidas da sua vida a acariciar aquele seu
dragão enorme.
Foi então que
se lembrou do caminho que dava à praia.
A saída de
Inlet Grotto.
Talvez ninguém
inspeccionaria o território dos Houndour. Pelo menos, não ainda, como tudo era
muito recente. O Cyclizar parecia conhecer bem a praia e aquele recanto, apesar
da briga com os Houndour, ela sabia que ele se iria virar bem, pois o caminho
era-lhe conhecido. Não era a melhor solução, sentiu até um tremor nos ossos ao
se lembrar dos temíveis latidos dos cães, mas era a única opção que tinha,
antes da polícia a encontrar ao lado da criatura que provocara tudo aquilo e a
acusar de qualquer coisa pela qual ela não cometera.
E tudo o que
Juliana menos queria era ver sua mãe com uma divida para pagar.
Seguiu então
um trilho entre as árvores, pelo que se lembrava. A gruta estava silenciosa,
apenas ecoando os murmúrios distantes da multidão, mas de lá de dentro provinha
um calor intenso e perverso.
Juliana não
ousou aproximar-se mais da fissura.
O Cyclizar
analisou-a, com seus olhos cor de âmbar, e Juliana estendeu-lhe então o seu
casaco, fazendo-lhe uma cama bem aconchegante entre as rochas frias da entrada.
Era do agrado do Pokémon, que se instalara logo ali, a roer as partes do casaco
onde estavam as suas tão ambicionadas laranjas, como um enorme cão que ruía um
osso. Apesar da fobia, Juliana achou engraçado a ideia.
– Eu vou
voltar para te visitar. É uma promessa! – disse-lhe, limpando uma lágrima que
saiu-lhe do olho involuntariamente, e distanciou-se rápido, antes dos Pokémon
das profundezas de Inlet Grotto darem sinal, e antes de se arrepender de o ter
largado assim, ou antes dele a seguir.
Sem o casaco
de inverno, sentiu-se nua naqueles trajes sujos de terra e farinha, mas não se
importou. Todos estavam mais preocupados com as paredes derrubadas de um farol
do que com uma rapariga qualquer de ar triste, que atravessava a rua toda suja,
suada, e de pijamas.
A cada
passada, mais custoso estava a ser o ato de o abandonar.
Foi então que
Juliana ouviu um rugido poderoso, e naquele instante, jurou que o enorme dragão
chamara por ela, e lamentava a falta de companhia.
Deu meia volta,
decidida. E correu.
Correu até
ficar sem fôlego. Correu contra todos os seus medos.
Que se lixe a
lavagem cerebral que a mãe lhe dera, ela iria ficar com o Pokémon, quer ela
quisesse, quer não! Nem que tivesse que arranjar algum part time em algum lado em Mesagoza, depois das aulas, para ajudar
a mãe a pagar os custos caso o Pokémon destruísse alguma coisa da padaria.
– Mas… O que é
que tu estás a fazer aqui?! – ouviu uma voz, súbita e pesada, quando
atravessava o trilho e se aproximava da saída de Inlet Grotto. – E que forma
ridícula é esta?
Não esperava
que alguém encontra-se o seu Pokémon assim tão cedo, por isso, temeu o pior quando
tomou a aproximação. O grande dragão encarnado ainda estava deitado em cima do
seu casaco de inverno, a roer a laranja, tal igual como o deixara.
A diferença, é que um rapaz com uma mochila amarela enorme o encarava ali perto, apavorado com a sua descoberta.
Ainda tentou se esconder antes dele a ver, mas não conseguiu
saltar para trás do arbusto a tempo dele não notar a sua presença.
Por breves
minutos existiu uma troca intensiva de olhares entre os dois.
– Quem… Quem
és tu? – Juliana encolheu os ombros, sem saber bem como reagir ao jovem que
descobrira o seu segredo.
– Otimo… Um
Koraidon imundo e uma triste qualquer de pijamas sujos… Que excêntrica
combinação de sabores. – o rapaz murmurou. Pôs a mão na cabeça, como se sentisse
uma enorme dor de cabeça ao ver ali aqueles dois juntos. Depois desviou os seus
cabelos da frente dos olhos.
Juliana notara
que aquele jovem desconhecido devia ter sofrido algum tipo de acidente
recentemente, pois contava com o braço empanado e vários pensos na face,
principalmente na testa e debaixo do olho. Alguns outros hematomas pintavam sua
cara, tais como pequenos arranhões. Era como se ele tivesse acabado de sair de
alguma cirurgia, e Juliana jurou que o cheiro que vinha das roupas dele
lembrava imenso o cheiro dos hospitais.
– Koraidon?
Então esse é que é o nome dele?
– Isso não
importa, podes ir embora. – e o rapaz virou-lhe as costas. Apenas assim.
A forma como o
outro despachou Juliana deixou-a irritada, muito irritada, por isso,
aproximou-se mais para insistir em respostas. Respostas que queria muito ouvir.
Respostas que precisava!
O Cyclizar
olhou para ela, deu um pulo, lambendo a sua cara, muito feliz por a ver outra
vez. A jovem de pijamas retribuiu o carinho como de costume.
– Desculpa,
não tenho mais laranjas para ti… – disse ela, acreditando que ele queria mais
comida.
– Espera, vocês
se conhecem? – o rapaz deu um salto, com a mão no ar. – Aqui o brutamontes não
costuma ter este tipo de recepção a estranhos.
– Isso eu é
que pergunto. És o treinador dele? – Juliana questionou, deixando-se ser
inundada pela saliva do enorme dragão.
– Isso importa
mesmo? – o jovem de mochila amarela cruzou os braços, tomando toda a atenção na
maneira como a rapariga envolvia aquela coisa cheia de penas no seu corpo com
tanta força e carinho. – Estou a ver que adoras este Cyclizar. Queres ficar com
ele? – chegou, logo a conclusões.
– Sim! Por
favor! Ele é tão fofinhoooo! – Juliana exclamou, muito entusiasmada, agarrando
o dragão mais para si, com os olhos a brilhar, sem se aperceber bem da forma
como aquilo estava a ser tão fácil.
– Estou à espera
que essa gente vá embora, para tratar das minhas coisas... – o rapaz endireitou
os cabelos cumpridos, outra vez, pensativo. – Aqueles reparos no farol vão me
custar bem caro…
Juliana olhou
para parte do farol e do miradouro, e a multidão lá concentrada, que era
visível entre as árvores. Vários técnicos especializados já chegavam na área em
suas carrinhas, para tentarem repor a energia de Cabo Poco a tempo do
anoitecer. Outras pessoas também erguiam os muros e tentavam reforçar a área da
torre do farol, para ver se a mesma se mantinha operacional nas próximas noites
antes de procederem a obras mais cuidadosas.
O rapaz
analisava o espaço, para ver quando é que ficava livre ou não da multidão e
conferir as coisas do seu apartamento. As desconfianças da jovem, aos poucos,
se confirmavam.
– Conheço de
vista a maioria dessa gente, mas eu não me lembro de te ver por aqui. – disse o
rapaz logo a seguir.
– Sou a filha
da proprietária da Padaria Sonhos de Dachsbun! É impossível as pessoas daqui
não conhecerem a minha mãe.
– Ah… sim… Sonhos
de Dachsbun… O pão nosso de cada dia de lá é saboroso, dá umas otimas
sanduiches, pena que por vezes tem um travo a fumo que altera o sabor. E eu já
encontrei grãos de terra no meio da massa. Os Pokémon que trabalham lá não devem
ter as melhores condições de higiene.
– Tolya… –
Juliana murmurou, a primeira palavra que lhe veio à cabeça, enquanto se ofendia
com a crítica.
Sentiu tanto a
sua Sandile como o Krokorok agitarem-se no interior da Pokéball no seu bolso.
Tamar iria dar-lhe sermão outra vez, e ser mais cuidadoso em relação a banhos
quando ambos se encontrassem fora da esfera bicolor.
Ele continuou,
pensativo e sério.
– Koraidon não
é o tipo de Pokémon que um novato qualquer pode treinar. Ele é especial.
– Especial?
– Sim… Creio
que foi ele que destruiu ali a parede do laboratório. Ou também estás
envolvida? – olhou-a com desconfiança. – Ele não devia ter esta forma. Ele não
pode lutar assim. Está ridículo.
Como reação ao
que o humano disse, o Pokémon fez um barulhinho, abaixando as penas da sua cabeça,
entristecido.
– Eu não me
importo. Eu o AMO! Em qualquer das suas formas! – Juliana tentou o alegrar.
– Okay… Então
podes ficar com ele.
– A SÉRIO?
Assim, a
rapariga deu um guincho, tão carregado de emoção, que quase se esquecera por
completo que podia ser notada por parte das pessoas que infestavam o miradouro
e estragar tudo.
O jovem
começou a rir pelo jeito ridículo dela. Um riso perverso, mas Juliana estava
tão feliz que não notara nas reais intenções do desconhecido.
– Sim, agora
ele é teu, não é mais o meu problema. Só preciso que essa gente vá embora para
eu procurar a Pokéball dele entre as minhas coisas e te entregar… Está ali uma
confusão…
– Sim… Eu acho
que eles ainda vão demorar… – ponderou Juliana, relembrando o outro.
– Eu sei, e eu
também estou a meio de algo importante e preciso de me ir embora o mais rápido
possível antes que me encontrem. Fazemos o seguinte… Por acaso frequentas a
Academia?
– Amanhã vai
ser o meu primeiro dia!
– Fantástico… –
disse, em tom sarcástico, fixando o Cyclizar estranho. – Então de certeza
absoluta que mais tarde ou mais cedo nós os dois vamos nos reencontrar na
Cafetaria da Academia. Quando essa altura chegar, combinaremos melhor uma data e
hora para fazer-mos todas as provações necessárias. Até lá, ele ainda fica
comigo. Daqui a três semanas talvez eu tenha tempo na agenda. Que tal?
Juliana olhou para
o seu tão amando Cyclizar. Iria ser difícil controlar a ansiedade em tomar todo
o dragão para si, e não compreendia porque é que não podia ser logo amanhã a
troca e tinha que ser dali a muito tempo. Mas depois lembrou-se das palavras da
mãe, e pensou que assim era o melhor para todos.
O jovem
desconhecido parecia certo no que dizia, tendo em conta o seu tom, logo Juliana
acreditou que ele era de confiança. Afinal, o dragão era bondoso, devia estar
sob cuidados de alguém de gentileza igual.
Soltou então a
respiração prendida, concordando com a proposta, e jurando que não se iria
esquecer dele.
– Fica
combinado!
– É um prazer conhecer
a senhora, já agora, eu tinha uma encomenda, para hoje.
– Certo,
querida… Ficou em que nome? – Haruka segurou num bloco de notas que guardava na
parte debaixo do bar, consultando a vasta lista de nomes lá anotados.
– Nemona! Eram
as Filhoses! É para uma reunião que meus pais vão ter esta noite com uns
senhores de Alola. Filhoses e Malassadas são muito semelhantes, então eu sugeri
a meu pai que eles iam gostar de ser recebidos com algo assim.
– Oh… Então tu
é que és a famosa Nemona! Eu sabia que o teu nome não me era desconhecido ao
todo! Espero que a minha filha não tenha dado problemas quando vocês se
encontraram. Que teus pais gostem dessas filhoses! – e entregou-lhe o pacote,
que já estava no expositor a aguarda-lha.
Nemona acenou,
apesar de, ao início, ter-se assustado um pouco com o sermão que Haruka dera a
sua filha. Chegara rapidamente à conclusão que gostara dela. A mulher era
simpática, e tentava fazer o que era melhor para todos, e a atendia com um
sorriso agradável, o género de sorriso que dava sempre vontade de voltar ao
local para comprar mais só por causa da simpatia da proprietária.
– No se preocupe. Señora. O Diretor já
tinha conversado comigo antes, nosso encontro hoje foi uma coincidência, pois
como eu sou a Presidente da Associação de Estudantes da Academia, costumo guiar
alunos novos durante as primeiras semanas.
– Estou a ver…
Fico feliz em saber que a Juliana será uns tempos supervisionada por uma aluna
com tanta competência.
Juliana estava
a demorar, e Haruka não iria deixar Nemona ali a tarde toda, portanto,
conduziu-a até a sala no andar superior, onde ofereceu chá, bolachas, deu a
provar alguns doces caseiros e amostras da padaria, e procurou deixar Nemona mais
à vontade enquanto conversavam e bebiam. Nemona não estava com fome alguma, mas
não conseguiu recusar tamanha gentileza, e, quando começou a provar, não
conseguiu parar tão cedo por tudo estar tão saboroso. Haruka também fez sumo
natural de laranja, que Juliana adorava, e deu a Nemona a provar a sua
especialidade. Ligou a televisão, para o tempo passar mais rápido, e
rapidamente descobriu que Nemona também adorava os dramas que eram exibidos no
final das tardes.
– Wow… Tauros Salvaje. Eu lembro de ver essa
novela com meus pais quando eu era miúda!
– É o meu
romance favorito, apesar das touradas sangrentas… Espero que não te importes
que eu veja enquanto aguardamos pela Julie.
– Claro que
não!
As duas
rapidamente se envolveram com as cenas que surgiram no grande televisor da
sala. Uma mulher de vestido encarnado e ar de dançarina enfrentava um homem com
trajes de toureiro, que estava prestes a sair pela porta da rústica casa.
¡No me dejes aqui así, mi amor! –
exclamou a mulher, aos prantos.
Lo siento, no puedo esperar más! Esta
batalla hará história… – murmurou o homem, com o ar mais dramático
possível.
Depois, os
dois se abraçaram e se envolveram em um beijo escaldante. O homem pareceu mudar
de ideias, fechando a porta, trancando-a, e permanecendo no interior da casa,
onde conduziu a mulher na direção do quarto, sempre aos beijos e caricias, e, à
medida que os passos dos dois avançavam, mais peças de roupa desapareciam do
corpo dos dois, até o casal entrar noutro nível. O cenário mudou logo depois,
evitando mostrar o ato íntimo, apesar do mesmo ter sido explícito.
– Porque é que
ela não quer acreditar nele? Com um equipa de Pokémon daqueles ele consegue
domar o Tauros! – Nemona soltou, ao fim de algum tempo em que as duas se
mantiveram em silêncio observando as novas cenas. – Ou é neste episódio que ele
morre na arena?
Sem saber bem
ao certo os motivos, Haruka acabou por desabafar.
– Não… Ainda
não… Quem me dera que a vida real fosse como a ficção, as vezes, tudo parece
tão fácil de resolver.
– Passa-se
algo, senhora?
– É a minha
Julie… Eu sei que eu devia acreditar mais nela mas…
A forma como
Haruka dissera ‘’mas’’ pareceu mesmo a Juliana a falar, e isso soltou uma
gaitada da rapariga. Depois, Nemona procurou mentalmente a resposta certa, ao
se relembrar da discussão toda de antes.
– Faz parte.
Adolescência. A senhora sabe como é. Acredito que a senhora também passou por
isso. – e olhou para o televisor. – Agora eu lembro! Ele consegue vencer a
batalha depois, não é? Vocês as duas também vão conseguir vencer a vossa!
Graças à frase
acolhedora de Nemona, a mulher lembrou-se outra vez dos tempos que viajava com Maurício
e Bombur, como acompanhara os dois policiais a alcançar seus sonhos, e como ela
também era uma peste quando jovem. Teve uma vez que o grupo fora perseguido por
um bando de Tauros selvagens enfurecidos por culpa dela, e isso fora um dos
momentos mais altos da sua velha jornada. Essas memórias arrancaram um sorrido
da sua expressão.
– Ver-te a
falar dessa maneira, até parece que já és uma adulta. – Haruka disse, enquanto
molhava um dos seus biscoitos no seu chá. Ela gostava da textura e mesclar de
sabores que o ato conferia ao alimento.
De repente,
nota uma sombra no canto do olho, saindo da escadaria da casa e esgueirando-se
sorrateiramente na direção da porta do corredor. Uma rapariga de cabelo
castanho, com pijamas sujos, abraçada a um instrumento musical, caminhando em
bicos de pés.
– Estás a
tentar entrar à socapa? Espero que não tenhas feito nada engraçado. – disse
Haruka com a voz mais alta, sem olhar diretamente nem sair do seu lugar.
Juliana surgiu
fora da porta da sala, com ar de apanhada, tanto que era difícil disfarçar.
– Deixaste-o na praia, certo? – Haruka questionou-lhe, bebericando o seu chá, com uma expressão mais séria do que nunca.
As imagens da
novela no ecrã da televisão começaram a ser inundadas por uma tourada no meio
de uma arena. Fez-se um suspense no ar, onde o mesmo toureiro de antes tentava
sobreviver ao calor intenso das chamas que um imponente Tauros da raça de fogo
soltava na sua direção.
Juliana
engoliu a seco, não gostava de touradas, mas agora ela também enfrentava o seu
maior Tauros de Paldea. Tentava aguentar-se para não comentar sobre o encontro entusiasmante
com rapaz de mochila amarela, que lhe dominava o pensamento. E, como muitos já
devem saber, Juliana tem dificuldade em manter a boca fechada quando alguma
coisa viaja no interior de sua cabeça.
– Claro que o
deixei, mãe. Como prometido! – disse, e depois, serrou os dentes, com o sorriso
mais forçado que sua cara conseguia dar.
Estava a ficar
vermelha, e uma gota de suor escorreu-lhe da testa. Haruka arqueou a
sobrancelha, desconfiada. Sabia bem como sua filha agia.
– Passa-se
algo?
– Não… Nada! Apenas
acho que finalmente vou tomar banho e mudar de roupa. Esta sujidade está a
despertar em mim algum tipo de alergia.
A novela
passou aos créditos finais, onde uma manada de Tauros negros corriam as letras
e desapareciam no horizonte debaixo de um por do sol. Uma cena bem anti
climática logo depois do cliffhanger da
história que era de deixar qualquer um caído do sofá.
– Sendo assim…
Acho que está mais do que na hora deu voltar a casa – Nemona levantou-se com a
encomenda de filhoses debaixo do braço, toda inocente.
A novela já
acabara, os alimentos que Haruka lhe oferecera já estavam reduzidos a migalhas
na bandeja. Juliana já voltara, são e salva, e tinha a sua encomenda em mãos.
Nemona não tinha mais nada que fazer ali. E agora, chegara o momento certo para
soltar todos os motivos pelo qual ficara como convidada naquela casa à espera
da outra jovem.
– Juju! Não te
esqueças do nosso combate!
Juliana
olhou-a, completamente perdida.
– Que combate?
– Tu prometeste
enfrentar-me com esses crocodilos!
– Eu o quê? Eu
não prometi nada!
– Hoje! Depois
das oito da noite! Na minha praia! Batalha!
– A praia
privada que tem no outro lado de Cabo Poco é sua???? – a surpresa súbita de
Juliana fez com que ela se esquecesse por breves minutos do rapaz e do seu
acordo sobre o Cyclizar, tomando a sua expressão usual.
– Foi um
presente de aniversário de meus pais… É o que dá ser filha dos proprietários da
empresa de Rotom Phones.
– Eu não sei
se…
Haruka deu-lhe
uma cotovelada. O facto de Nemona ser filha de uma das famílias mais ricas da
região era uma boa oportunidade para ela lucrar com isso. Quem sabe, Nemona e a
família viriam à Padaria mais vezes e deixariam por lá uns bons tostões.
– Vá lá filha,
vai ser divertido. Tu e a tua nova amiga podem assim fortalecer laços.
– Okay… então…
Acho que fica combinado! – Juliana respondeu, olhando para a mãe, que também a
fitava de ar intenso, sem saber bem onde se estava a meter.
No fundo sabia
que a mulher a provocara, para ver se lhe arrancava respostas. Depois, como
sabia que Nemona era uma treinadora bem experiente, murmurou, entredentes.
Que Arceus esteja a meu lado.
Juliana deixou
sua guitarra no quarto e depois foi tomar o seu tão merecido banho. Enquanto
isso, Haruka conduziu Nemona até a saída, e a jovem se despediu e agradeceu,
nas mais variadas formas possíveis.
– Muito
obrigado, pela novela, pelas bolachas e principalmente pelo sumo de laranja
caseiro! Estava tudo tão saboroso! – comentou ela, cheia de entusiasmo.
– Meus avós
plantaram estas laranjeiras aqui à muitos anos, eu agradeço a suas almas, pois
se elas são assim tão saborosas, é graças ao trabalho árduos deles. O que eu
faço é cuidar delas e desta casa em honra deles. – respondeu, ao acenar,
enquanto a jovem se distanciava.
– Eu também
gosto de pensar que todos nós colhemos frutos daquilo que cultivamos, por isso,
a senhora continue o que faz, para elas continuarem tão saborosas e as árvores
saudáveis!
– Sim, acho
que estás certa, menina!
Mais abaixo no
caminho, Nemona estava tão animada com o desafio que teria mais logo à noite
que corria às cegas, tanto que quase tombou ao passar por dois homens que seguiam
o seu caminho até a Padaria.
– Ups… peço desculpa,
senhores! – disse ela, voltando então a tomar a sua direção.
Haruka tinha
intensões em voltar para o interior, mas ver a imagem dos policiais familiares se
aproximando já lhe deu um sabor estranho na boca.
Ficou
estática, quando os seus dois amigos se chegaram até ela e lhe entregaram logo,
sem palavras, um casaco de inverno todo sujo, rasgado, cheio de suco de
laranjas e laranjas desfeitas nos bolsos, e uma Pokéball toda suja de poeira e
arranhões. Haruka sentia a energia perversa do Cyclizar estranho emanando do
interior da esfera encarnada, e tomou-a com cautela.
Os policiais
Maurício e Bombur mantiveram-se em silêncio, entregando à mulher outro papel,
mas sem ser no interior de um envelope, diferente do primeiro que recebera
naquele dia. Desta vez, a carta fora escrita à mão, e a letra torta indicava
que o autor a tinha a produzido toda às pressas.
Haruka leu
logo a carta, em frente aos homens, encarando aquilo que devia ser a sua nova divida
a pagar, com terror nos olhos.
– …Treinadora
de Pokémon acusada de abandonar Cyclizar, acusada de invadir propriedade
privada, roubo de alimentos, destruição de apartamento… Apagão em Cabo Poco…
Intoxicação alimentar?...
Segurou o
respirar, antes de soltar toda a sua indignação num único nome, tão alto, que
toda a vizinhança de certeza absoluta que o ouvira.
– JULIANAAAA!
Eu ainda fico de cara com o quanto a Juliana é merdeira kkkkkk O pior de tudo é que ela só queria dar umas voltas no Koraidon pra ficar feliz, mas ela quase destrói tudo por onde passa no processo. A Haruka não tá errada em ficar louca com ela.
ResponderExcluirFoi também um primeiro encontro interessante da Juliana com o Arven. A gente que conhece a história de SV já consegue dizer o que está por vir, mas pra quem está tendo sua primeira experiência com Paldea por aqui fica perdidinho tentando entender o que tem por trás dele. Eu gosto dessas introduções que vão revelando o personagem aos poucos. Jogar tudo de uma vez na nossa cara estraga a surpresa. :v
Por fim, a Juliana agora é uma criminosa procurada kkkkkkkkk Gente, essa menina tem o dom de invocar o caos, em completo contraste com sua timidez excessiva. Simplesmente um mistério da natureza!
Ótimo capítulo, Shii!
Até a próxima! õ/
A todo o canto que a Juliana vai, ela só se fode kkkkk Coitado do Tamar em ser o único Pokémon dela com capacidade em segurar a treinadora pela trela.
ExcluirArven é um personagem bem difícil, porque ele no jogo já é bem completo, vou fazer meu melhor para deixar o desgraçado com um traço único. Acredito que ele e a Juliana ainda vão ter uns confrontos de personalidade que vão entregar umas tretas engraçadas.
Obrigado mais uma vez pela sua presença aqui, Shads ❤