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- Capítulo 6 – Flores de Laranjeira
Depois de
Nemona se despedir, correndo pela porta fora cheia de entusiasmo, Juliana foi
tomar banho, e, logo depois de iniciar o seu tão merecido banho, estava lá ela
a procrastinar com o corpo mergulhado na água quentinha da banheira.
Nada melhor do
que se livrar daqueles pijamas nojentos que cobriam seu corpo há mais de vinte
e quatro horas. Podia ser exagero seu, mas jurou que a tonalidade da água morna
da banheira mudara mal submergira o seu corpo no interior. Libertar a pele de
poeira, terra, farinha, gomos desfeitos de laranja e outras impurezas tornou-se
uma bênção.
Soltou Tolya e
Tamar, para os mesmos também se limparem, sabendo que iria ser uma zaragata
total ali dentro, mas fizera questão de trancar a porta do banheiro para nenhum
deles fugir antes de cumprir a tarefa.
– Vocês dois
que se limpem, para voltarem ao trabalho na padaria antes de irmos ao encontro
de Nemona – disse-lhes, atirando contra eles um pouco de água, sem se importar
de molhar o chão do local.
A Sandile
odiava a brincadeira, e tentou fugir dela, apesar de ter escorregado numa barra
de sabão que se encontrava no chão e caído no interior da banheira mesmo sem
querer, por cima das pernas de Juliana. A humana aproveitou e a prendeu,
começando a esfregar-lhe as escamas. O Krokorok riu com a cena, glorificado
pelo trabalho facilitado em dar banho à irmã.
Não queria ir
embora de maneira nenhuma assim tão cedo, pois queria só sair quando sua pele
fosse pior que uva passa. Estava a se consolar ali submersa e a se divertir com
os seus Pokémon. A banheira era funda e transbordava, logo o nível da água
morda ultrapassava seus ombros e quase chegava ao nível do seu nariz.
Quando saiu,
ao fim de algum tempo, não saiu por vontade própria, mas por obrigação.
Sentiu um frio
tocar na sua pele mal ouviu a mãe gritar por seu nome.
Enxugou o
corpo apressadamente e correu para o seu quarto, onde procurou vestir algo
decente no roupeiro, deixando o Krokorok e a Sandile sozinhos, destruírem o
resto da casa de banho. Mais tarde os dois viriam a seu encontro.
O seu quarto
era um local bem arrumado e aconchegante, cheirando sempre a ambientador.
Várias velas aromáticas, suculentas, pedrinhas e conchas espalhavam-se como decoração, ao lado de imagens que
retratavam Cyclizars, o seu Pokémon predilecto, e algumas fotografias de
família dela com a mãe, Tolya e Tamar. Uma secretária ao lado da janela contava
com papeladas cheias de notas musicais, onde ela guardava a sua guitarra num
pequeno expositor e anotava as músicas que vinham na sua cabeça quando o Rotom
Phone estava sem bateria.
Juliana ainda
pensou vestir os seus pijamas em formato de Cyclizar, para ficar por casa o
resto do dia, mas ai recordou-se que tinha o maldito encontro marcado mais
tarde, então, procurou alguma coisa confortável, boa o suficiente para
enfrentar o calor da batalha que ai vinha.
Respirou
fundo, depois de bem aprumada.
Precisava de
toda a energia do mundo naquele precioso momento, pois iria enfrentar a fúria
da sua mãe a olhos vistos.
Juliana deslizou
devagar pelo corredor, abrindo um pouco a porta que ia dar à sala de estar. Espreitou
o que a mulher fazia e procurou analisar a sua expressão. Rosa, a Sprigatito,
que explorava a nova casa, passou pelo meio das suas pernas, entrando pela
pequena fresta sem preocupações, anunciando à mãe a proximidade de Juliana.
– Julie! Estás
ai? Podes entrar querida! – Haruka disse, enquanto Rosa lhe roçou a cauda nas pernas.
Dona Haruka
encontrava-se sentada, com uma chávena de chá na mão, a fumegar, e assoprava
constantemente no líquido para o arrefecer mais rápido. Seu olhar mantinha-se
fissurado na enorme televisão estampada na parede, com o ar mais sereno que sua
expressão podia ter.
Um ar tanto
sereno que Juliana tinha a certeza que, a qualquer instante, a mãe podia
rebentar, como uma embalagem de perfume com demasiada pressão no interior.
Respirou fundo
outra vez, para se preparar, e entrou na sala, a mais pacífica que conseguiu
ser.
– Olá mãe. Chamaste
por mim?
A mulher
assoprou outra vez para o líquido da sua chávena, fazendo o vapor que saia dele
dissipar-se breves minutos.
Juliana teve a
certeza que o sopro calmo que ela soltou lhe roçara nos seus fios de cabelo
molhado, como uma breve aragem de vento antes deste se intensificar, dando
lugar à tempestade.
Só então, ela respondeu
à filha.
– Julie. Estou
vendo Gran-Ball Hermano. Junta-te a
mim.
Juliana forçou
um sorriso, olhando para a televisão.
Desejava intensamente
sair dali, mas a mãe tocou com a mão no assento do sofá ao seu lado, para ela
se sentar, de forma bem convidativa. A adolescente sabia que quando a mãe
comportava-se desta maneira, não era com boas intenções.
Então ela lá
foi até lá, bem devagarinho, e ai ficou, olhando para a televisão vendo os
concorrentes do programa nas aleatoriedades, e sentindo a pressão do respirar
da mãe ao seu lado.
Inspirava. Expirava…
Inspirava. Expirava…
O aroma do chá
era uma ferramenta que a mantinha tranquila, o sistema que impedia a bomba de
explodir sem ser na hora certa.
A jovem não
gostava daquele tipo de programas, mas devia continuar fixando-o enquanto
esperava o momento tão aguardado da sua mãe lhe dar o veredicto final.
Sem saber ao
certo se fora de propósito ou não em certo ponto, Haruka pousou a chávena de
chá na mesa de centro da sala. A jovem prestou atenção máxima ao gesto suave
que ela realizou, e só então notou um papel com um grande texto feito à mão e
uma Pokéball suja de poeira e repleta de arranhões em cima da mesa. No sofá no
outro lado da sala, o seu tão famoso casaco de inverno, sujo e rasgado, exposto
no assento como se fosse uma pessoa.
Engoliu a
seco.
– Como é que
tu… – Começou a dizer, pois Juliana reconheceu de imediato a silhueta do seu
Cyclizar no interior da esfera, através da superfície encarnada. Quanto ao
próprio casaco, este já era símbolo icónico daquela particular tarde.
Estava prestes
a agarrar no objeto e no papel, para compreender melhor o contexto de tudo
aquilo e responder às dúvidas momentâneas que inundavam sua cabeça.
Instantes
antes de alcançar a esfera bicolor, a mãe agarrou o seu pulso.
Agarrou com
uma certa força, impossibilitando-a de avançar.
Juliana
manteve-se estática.
– Sigamos viendo Gran-Ball Hermano. ¿De acuerdo?
A rapariga engoliu
a seco outra vez e voltou enterrar-se no assento do sofá, nada relaxada com o
pedido da mulher.
Haruka
continuava com o olhar fixo no televisor. Como sempre apoiava a ideia de que os
atos tinham consequências, achou os desafios do programa geniais, e quis dar um
pouco disso na vida real da sua criança.
Depois de
longos minutos de silêncio que mais pareceram horas, finalmente existira uma
troca de palavras.
– Só tocas
nele quando venceres Nemona – disse, ao fim de uns bons minutos vendo o
programa.
– O quê?... –
Juliana murmurou, toda abalada.
O programa dera
lugar a vários comerciais, pois entrara na hora de intervalo.
Ou seja…
Estava mais do
que na altura certa de ambas aproveitarem a pausa para falarem melhor sobre o
assunto uma com a outra.
Isto é, se melhor fosse a palavra mais
apropriada para descrever a ocasião.
– Nemona é uma
treinadora que conquistou o título de Campeã. Sabias?! Ou seja, ela já venceu
todos os líderes de Ginásio e a Liga de Paldea! – Haruka deu um sorriso sinistro
enquanto explicava. – Só ficas com a tua querida Motoca quando a venceres.
– Mãe! Só
podes estar brincando comigo! – Juliana assoprou, revoltada com a novidade.
– Não. Não
estou – disse ela, com toda a sua certeza.
– Eu… Eu nunca
nem tive uma batalha Pokémon na minha vida sequer!
Haruka voltou
a por os lábios no seu líquido quente, apreciando-o com muita satisfação.
– O Tamar e a
Tolya já.
– Mas era
diferente! – Juliana tentou se explicar – eles viviam num ambiente cheio de Pokémon
hostis quando os encontrámos… E isso já foi há muito tempo, eles perderam a
experiência toda, e mesmo se ainda tivessem, eu não sei como os coordenar!
– Vais ganhar
no combate contra a Nemona – a mulher manteve o tom na voz, pois não tinha
forma de mudar de ideias. – Caso contrário, vais trabalhar o resto da vida para
pagar esta dívida – e riu, apontando para o papel que estava ao lado da esfera
bicolor.
– Mas mãe… –
Juliana soltou. Mas Haruka interrompeu-a, antes que a jovem continuasse.
– Não preciso
de mais desculpas esfarrapadas! Este é o meu único acordo contigo, Julie… Eu
disse-te para o deixares onde o encontraste!
– Mas deixa-me
explicar!
– Tens que
aprender a lidar sozinha com as consequências, estou cansada de matutar neste
assunto! E lembra-te: espero que saibas que eu ainda estou a ser bem branda
contigo. Caso contrário, já estava aí aos berros.
A rapariga
cruzou os braços, e mergulhou mais o seu corpo contra a superfície do sofá, com
o ar mais irritado que conseguia ter.
– Eu só estou
a tentar te proteger – Haruka prosseguiu, num tom mais brando. – Mas também
quero que aprendas. Se não venceres a Nemona, irei-me desfazer desse maldito
Cyclizar e assim nunca mais o verás.
– Mas porque
queres tanto que eu vença sabendo que eu vou perder?! Não tenho hipótese contra
uma treinadora experiente!
– Precisamente
por isso!... – murmurou ela, com um tom mais diferente, como se estivesse mais
entristecida do que zangada com os atos da filha. – Eu não queria fazer isto
Julie… Mas ou é pelo bem, ou pelo mal. Tiveste a tua oportunidade de redenção.
Mas não! Desperdiçaste-a. E agora tens que lidar com isso. Eu sentia que aquela
coisa nos ia dar uns bons estragos. Eu não tenho dinheiro para pagar aquilo
todos os meses!
– Isso não é
justo! Porque não queres que eu explique o que realmente aconteceu?!…
– Mais
desculpas? Quantas vezes já me mentiste?... Juliana, eu não te ensinei a
mentir. Neste caso eu já sei de praticamente tudo. Ou pensavas que não irias
ser apanhada ao esconder o Cyclizar de mim?
A jovem nem
sabia ao certo do que a mãe estava a falar, mas levantou-se num sobressalto. Era
indiscritível o nível de frustração de Juliana.
– Tudo?! Tu
achas que sabes tudo?! Eu acabei de sair das grutas do litoral infestadas de
cães, por tua causa! Porque não me quiseste ajudar! Bem podia ter sido mais
fácil se tivesses ido comigo e visto o que realmente aconteceu! Porque é que
não consegues ser um pouco mais compreensível!?
Aquela
acusação despontou um sabor amargo na boca de Haruka. Juliana tinha ali uma certa
razão que, obviamente, a mulher não gostou de ouvir por acreditar que estava a
ser justa o tempo todo e tinha tudo controlado.
Ela podia sim,
ter deixado a Padaria com a porta fechada durante mais alguns minutos e
auxiliado a filha na busca dos Pokémon perdidos.
Podia ter
evitado a filha entrar no território de uma matilha – um detalhe que acabara
agora mesmo de descobrir – e a protegido de seus traumas.
– Juliana,
desculpa, eu… – começou, confusa. – Eu sei
o quanto é complicado para ti, mas eu só quero que aprendas com as
consequências… Já te avisei tantas vezes… Aquele dragão é um problema para nós,
não podes ficar com ele.
– Eu o adoro!
Era o meu sonho ter um! Já que tu nunca te preocupaste em arranjar um para mim!
Juliana
atacando-a daquela maneira já a estava a deixar sem alguma paciência.
– E porque é
que eu nunca te quis dar um? Para começar, eu não quero aquela coisa maldita
com as patas imundas sujando a minha padaria, e depois, tens que conquistar as
coisas por ti! Nem tudo vai cair do céu!
– Bem que podia cair, se me ajudasses mais um
bocadinho!
– Ajudar-te?
Mais do que eu ajudo? Que ficas até tarde vendo lives no Rotom Phone enquanto
eu estendo a roupa, faço coisas da padaria, e ainda o almoço?
– O quê? E eu
já disse para me acordares mais cedo para eu te ajudar! Sabes que eu quando o
faço que te ajudo bastante!
– Juliana,
tens que te dedicar mais, sabes quantas vezes encontro certas coisas mal feitas
e vou a correr atrás para arranjar?
– E sabes que
mais, mãe… Eu… Eu odeio-te! – e assim, Juliana cuspiu as palavras.
Correu até o
seu quarto, fechando a porta do corredor com um estrondo que fez até as janelas
todas da casa estremecerem.
O estrondo enorme
seguiu-se de um silêncio, como se mais ninguém além de Haruka estivesse no
interior da casa.
Haruka
respirou fundo, fixando a porta fechada.
Odeio-te era uma palavra forte.
Muito forte.
Principalmente
se dito por uma adolescente a sua mãe.
A mulher sabia
perfeitamente que Juliana nunca, em circunstância alguma, usaria aquela palavra
contra ela, principalmente depois de tudo o que ambas passaram no passado. Só
mesmo em situações extremas é que a possibilidade era alta, mas de todo o
historial de brigas, Haruka nunca tinha visto Juliana daquela maneira.
Sempre foi uma
figura autoritária, uma figura que Juliana discutia, mas acabava por tentar
cumprir as ordens no final.
Mas agora, os
atos da Juliana foram contra todos os precedentes, e a bola de neve atingira o
ápice do que podia acumular.
A mochila
negra pendia numa das traves da cama. A adolescente sentou-se no tapete do chão
ao lado desta, com as costas encostadas no colchão, organizando os objetos e
apreciando todo o aroma a novo que saia dos materiais escolares expostos em
frente, espalhados em todo o chão.
Pela primeira
vez, sentiu-se realmente entusiasmada sobre a Academia de Mesagoza.
– Pelo menos
vou estar longe dela… – murmurou, entre dentes.
Lápis,
canetas, para um lado, e cadernos e livros empilhados no outro…
Juliana fazia
a contagem, peça a peça, certificando-se de que tinha tudo em ordem e que deixava
as suas coisas devidamente etiquetadas com o seu nome e com um autocolante de
Cyclizar ou de uma nota musical, para os conseguir identificar melhor. Não ia mentir que ver os
cadernos em branco, só por si, entregava o desejo de os preencher. Os livros
também contavam com um aroma apelativo, que despertava uma vontade particular
em penetrar logo nas matérias.
Rosa estava
deitada em cima da cama, e movia a sua cauda de um lado para o outro, atenta
aos movimentos da humana. Tolya e Tamar brigavam no outro lado do quarto como
típico, mas lá pararam os movimentos para tomarem atenção à frustração de sua
treinadora. O Krokorok encostou-se a Juliana ajudando-a na contagem das coisas,
e a Sandile foi para o meio da pilha de objetos novos, observando-os com igual
curiosidade, chegando até mesmo a brincar com algumas das peças e querendo
tomar outras para si, incomodando mais do que ajudando.
Haruka estava
passando no corredor, e espreitou a filha pela fresta da porta, que tinha sido
deixada entre aberta.
Não esperava
em ver que a mesma já ajustava os despertadores e preparava tudo para acordar o
mais cedo possível. O dia seguinte seria em cheio, e Juliana mal podia
conter-se para o momento em que finalmente conversaria com o rapaz estranho de
mochila amarela que encontrara e compreender o ocorrido.
Se não posso tirar a limpo esta situação com
ela, buscarei respostas a ele. – a
jovem ainda não queria acreditar bem que tinha sido enganada. Juliana pegou num
livro e enfiou com imensa força no interior da mochila, derivada da revolta que
sentia só de pensar em tal.
A mulher
segurou na maçaneta, mas conteve-se quando Juliana virou-se na direção dos seus
três Pokémon, e, portanto, continuou à escuta.
A Sandile
continuava a querer agarrar nos objetos, tomando algum deles para os destruir. Juliana arrancou-lhe um caderno
dos dentes.
– Vocês parem
quietos, ouçam com atenção. Hoje à noite vamos ter a nossa primeira batalha
Pokémon – comentou, enquanto se certificava que estava tudo certo, já no
interior da mochila. – Quero saber se vocês estão dispostos a me ajudar, se
estamos todos de acordo. Não quero forçar nenhum de vocês a lutar.
A Sandile
piscou, sem entender nada. O Krokorok cruzou os braços, interessado no desafio.
E a Sprigatito manteve o ar confuso, pois tudo ainda era novo para ela.
A Sandile em
certo ponto quis entrar também na mochila tal como o material escolar, o
Krokorok conteve-a, e a Pokémon se virou contra ele para defesa, mordendo-lhe
as narinas.
Juliana
suspirou.
– A sério.
Vocês parem. É a nossa primeira vez juntos num combate. A Nemona é experiente,
e é claro que nos vai dar uma abada. Mas eu não quero perder de propósito por
ser fraca e nunca ter combatido antes. Vamos dar, pelo menos, o nosso melhor no
que conseguir-mos. Sim?
Os Pokémon
acenaram. Também encontravam-se incertos do que estava para ocorrer, mas, tal como
Juliana lhes pedira, iriam ver o que conseguiriam fazer. A humana virou-se para
a Sprigatito.
– Rosa, eu sei
que ainda não nos conhecemos lá muito bem, mas quero saber se estás disposta a
alinhar nisto. Ainda estás ferida por causa dos Houndour, achas que consegues
lutar?
A Sprigatito
miou baixinho esticando as patas e mostrando as garras afiadas, pronta para
desferir um Scratch em alguém – se a
inquietação continuasse, esse alguém era os dois crocodilos. Juliana entendeu
aquilo como um sim, acariciando-lhe o pelo em seguida.
– Nós… Nós temos que dar o nosso melhor… – a rapariga murmurou, com a imagem de sua querida Motoca na cabeça. Era complicado manter uma posição otimista. – Só assim podemos provar à mãe que eu posso assumir responsabilidades… E evitar que nosso amigo pare noutras mãos…
A mulher atrás
da porta deu um sorriso, outro sorriso envolto em memórias. A preocupação da
filha em ganhar lhe relembrou, outra vez naquele longo dia, dos seus velhos
tempos. Tempos onde não existia muitas preocupações com a vida. Tempos onde só
queria vencer os desafios mais difíceis… Mesmo que fosse dar um passo maior que
a perna.
Mas seu
sorriso desvaneceu-se quando se lembrou da briga que acabaram de ter. Odeio-te ainda ecoava na sua cabeça.
Decidiu que
não era a altura certa para encarar a rapariga, e decidiu dar-lhe mais espaço. Portanto,
afastou-se devagar, para evitar que Juliana a sentisse ali a espreitando. No
meio do corredor, confirmou as horas do seu relógio de pulso.
Um quarto para
as cinco da tarde.
Estava mais do
que na altura certa de retomar os serviços da rotina da Padaria Sonhos de
Daschbun, pois a hora da sua pausa já terminara.
As manhãs eram
sempre as horas de ponta do serviço, onde a Padaria enchia de clientes, pois
muitos vinham antes da hora do trabalho. A Padaria era pouco frequentada
durante a tarde, mas no final da tarde aparecia sempre mais um pouco de
movimento, pois muitos vinham depois do trabalho em busca de algum pão ou
guloseima para o lanche ou jantar.
Os clientes
habituais entravam e saiam pela porta da frente, fazendo o sininho sempre a
badalar com seu som característico. Na rua, os papagaios brigavam por migalhas
de pão que os clientes deixavam cair. A cada badalar da campainha, a mulher, na
cozinha, atirava a esfera bicolor ao ar, como quem brincava com uma bola
enquanto supervisionava os trabalhadores e tratava de assuntos sobre
contabilidade num caderninho.
Pegou na folha
dada pelos policiais e anotou o valor a pagar no caderno ao lado de despesas e
lucros da Padaria. Maurício e Bombur prometeram uma conversa calma mais tarde
entre mãe e filha quando prosseguirem o caso, e pensar em pagar tudo aquilo era
uma dor de cabeça. Ela não sabia o que fazer com o Cyclizar estranho que tinha
em mãos, só lhe apetecia enfiar aquela Pokéball num saco de lixo e mandar para
longe.
O seu Dachsbun,
ali perto, fazia alguns bolos aumentar de tamanho com a energia do seu corpo,
como era típico da sua espécie. Senhor Nozes e os restantes Pokémon mantinham
todos os restantes afazeres no ritmo de sempre.
Haruka deu uma
breve ronda em cada estação da cozinha.
– Acho que já
estão prontos para ir ao forno – disse Haruka, olhando os bolinhos e dando uma
caricia na cabeça do seu velho cachorro. A sua frase fez a Tinkatuff ali ao
lado preparar-se com seu martelo que mais lembrava uma pá.
Sentiu uns
passos pesados que a fizeram encarar a escadaria. Tolya e Tamar apareceram,
descendo a escadaria aos tombos, correndo um atrás do outro e mordendo-se, mas
logo se aquietaram quando a Tinkatuff de braço enfaixado posicionou-se em
frente a ambos em frente às escadas, com o seu martelo a modos de lhes dar uma
martelada.
E com a
silenciosa ameaça, os dois pararam a briga, afastaram-se um do outro e voltaram
aos seus postos de trabalho na cozinha da Padaria.
– Tolya, podes
vir aqui a esta bancada espalhar farinha? – Haruka pediu-lhe, e a Sandile não
hesitou em ir brincar para o interior dos sacos nesta expostos.
Poucos minutos
depois do surgimento de Tolya e Tamar para auxiliar no serviço, surgiu Juliana,
com a gata apoiada em seu ombro e a guitarra nas costas.
Mal avistou a
filha a descer os degraus, Haruka parou de brincar com a Pokéball, a guardando
no bolso. Vestiu um avental e virou as costas, começando a fazer massa na
bancada com a farinha fornecida por Tolya.
Juliana passou
por ela em silêncio, indo na direção da porta das traseiras. Ambas não
conseguiram olhar-se uma para a outra.
Pouco depois
de Juliana sair para o jardim da casa, um grande Pokémon semelhante a uma
serpente, com umas asinhas nas costas, surgiu vindo da área do bar. A criatura
serpenteou pela cozinha, ele era grande, mas estava tão habituado ao espaço
limitado que atravessava o chão com precisão.
Tamar deu um
suspiro ao ver o companheiro. As costas do corpo enorme do Dudunsparce vinham
carregadas de cestas cheias de loiça suja, que o Pokémon levara até ele no
lavatório. Parecia a loiça acumulada da tarde inteira, e era tanta que, quando
o Krokorok a posicionou por cima da sua bancada, quase alcançara o teto.
– Ah…
Desculpa, Tamar, esqueci-me da loiça. Eu daqui a pouco te ajudo. – Haruka
comentou, e o crocodilo já punha mãos à obra.
Todos
trabalharam em silêncio. O silêncio era composto por uma musiquinha de fundo
vinda de um velho rádio, que ajudava a camuflar o barulho irritante das
máquinas da cozinha, desanuviando bastante o pensamento durante as tarefas.
Esse som
característico só era quebrado ocasionalmente pelas ordens e instruções da
Padeira de Cabo Poco.
– Tolya,
preciso de mais farinha aqui… Senhor Nozes, os folhados de salsicha já foram
para os clientes na mesa nove? Manjar, como estão esses queques?
Entre a música
da rádio, todos começaram a ouvir as notas de Juliana ecoarem lá fora. Vários
papagaios esvoaçaram os arredores, alguns pousando no parapeito da janela da
cozinha, a mexerem as caudas e asas a dançar.
A jovem não
cantava nem explorava sua criatividade para compor algo novo, apenas
aperfeiçoava na guitarra as notas de algumas músicas que criara recentemente. Estava
tão desconcentrada que se enganara inúmeras vezes.
Haruka pediu
ao Dudunsparce para usar a broca da sua grande cauda para bater umas claras. De
repente sentem um piar de frustração enorme vindo dos Squawkabilly, que não
gostavam nada daquelas novas notas incompletas que inundaram o ar.
– Parece que
eles não gostam de ti – disse a voz de Juliana. – Eu mostro-te como se faz. – e
ouviram algumas notas da guitarra, um tanto desajeitadas. – Assim. Vês?
Haruka
espreitou breves momentos na janela, Rosa, a Sprigatito, encontrava-se em cima
do instrumento, a brincar com as cordas da guitarra. Era difícil saber se a
gata estava mesmo interessada em aprender ou queria apenas fazer alguma coisa
de… gato.
Mas a mulher
não quis olhar muito tempo para saber o desfecho, e logo voltou sua atenção
para um bolo de laranja que estava a aparar para tomar um formato específico.
As notas cessaram
por completo, e logo Juliana encontrou-se outra vez na cozinha, dirigindo-se
até o frigorífico.
– O que será
que foi o almoço… – murmurou para si, observando o interior.
Em situações normais,
Haruka respondia. Mas desta feita, nada disse. E continuou tensa no que estava
a fazer, sem ousar olhar para trás.
A jovem
estranhou a falta de resposta, mas lá encontrou uns restos de bifes com batata
frita feitos semana passada, bem no fundo do frigorifico, e que ainda estavam
bons. Comeu mesmo frios, sem aquecer, dentro da marmita para não sujar mais loiça. Entregou também alguma ração a Rosa, e
deixou-a explorar a Padaria à vontade.
Quando
terminou o lanche (ou seria jantar?) levou a loiça que sujara para o lavatório.
Tamar deixou cair uma das taças de inox sem querer pois se assustara com a
presença súbita dela, pois não notara a aproximação.
– Queres
ajuda? Tamar?
Não foi um
acidente grave, mas fizera a jovem sentir-se um pouco mal por ele, e, portanto,
deixou a guitarra de lado e começou a ajudar o pobre crocodilo com toda aquela
loiça, apesar dele ter dado sinal para ela não se preocupar.
Dois a tratar
do serviço deixavam todo o processo muito mais rápido, pois enquanto um
esfregava e passava por água a loiça mais suja, botando dentro da máquina de
lavar loiça, o outro enxugava e arrumava à medida que a máquina ficava pronta.
Juliana
tratava do arrumar. Lavou as mãos, vestiu um avental para não se molhar e prendera
melhor seu cabelo e começou a empilhar os objetos limpos nos braços, indo de um
lado a outro, os levando em diferentes direções sem parar. A maioria era
arrumada dentro dos armários da cozinha, outras peças mais específicas iam para
a arrecadação.
A pilha de
loiça desaparecera num piscar de olhos com o auxílio da humana, e isso fizera
Tamar sentir-se mais agradecido e aliviado. Mas não deixou de estranhar que
Juliana deixava por cima da bancada algumas peças para arrumar somente no
final, depois das outras todas.
Era inevitável
que esse final, mais tarde ou mais cedo, iria chegar.
A expressão da
humana tornou-se mais severa, quando os carregou na direção da bancada onde
estava Haruka, pois aqueles objetos eram arrumados ali naquele espaço que a mãe
utilizava.
Os Pokémon
entreolharam-se, sentindo a tensão no ar, afinal, estes eram mais sensíveis a
energias do que os próprios humanos.
Uma Espathra e
uma Tsareena surgiram fora da porta das traseiras. As duas portavam uma faixa
com o símbolo da padaria. Haruka olhou para elas com um breve sorriso.
– Já
terminaram as entregas da tarde? A viagem até Mesagoza correu bem? Espero que
os clientes de lá tenham gostado.
A Tsareena
aproximou-se com uma bolsa, entregando à mulher de modo bem educado. Haruka
começou imediatamente a contar os trocos que esta trazia e se certificar que estava
tudo certo.
Ela suspirou,
ao anotar o lucro no seu caderninho e o comparando com as outras anotações.
– Não temos
recebido muita gorjeta estes dias… Parece que não vai dar para comprar aquela
ração especial que vocês adoram esta semana. É que… Surgiu uma coisa. – e olhou
de lado para Juliana, de maneira bem subtil. – E temos que cortar em despesas
durante uns tempos.
Todos os
Pokémon baixaram a cabeça, e suspiraram de tristeza.
Juliana nada
disse, mas levara a frase como se a mesma fosse maldosa.
Assim, só lhe
apeteceu afastar-se mais dela.
E, com isso,
apressou-se um pouco mais ao estender os braços para enfileirar as coisas no
armário.
Porém, com a
pressa, vem os acidentes.
E zás!
Juliana deixou
cair sem querer um dos utensílios de cozinha que carregava.
Sua sorte
esteve mesmo no ponto alto do dia, pois o objeto foi certeiro, caindo mesmo em
cima daquilo que sua mãe estava a fazer, derrubando a escultura de bolo por
toda a bancada e pelo chão.
A jovem parou
e encolheu os ombros, afastando-se devagarinho, sentindo a pressão dos olhares
por cima dos ombros.
Haruka
arregalou os olhos, abriu a boca para dizer algo. Mas conteve-se, e fechou-a,
virando a face para o lado. Foi difícil saber como a mulher não gritou, nem
chorou, naquele preciso momento, pois o que ela fazia era preparar a especialidade
da casa, bastante trabalhosa e cara, mas remoeu-se bastante por dentro.
Tamar
apressou-se, aparecendo ao lado das duas com uma esfregona, uma vassoura, e uma
pá para varrer, pronto para ajudar a limpar toda aquela confusão.
– Eu… Eu limpo
isso… – Juliana gaguejou, tomada de culpa, segurando na vassoura e na pá do
crocodilo.
Haruka analisou
o seu produto estragado, e procurou reaproveitar o que conseguiu em cima da
bancada. Não se podia dar ao luxo de desperdiçar ingredientes daquela maneira,
mas acidentes aconteciam até aos melhores. Voltou a abrir o livro de receitas e
organizar os ingredientes e materiais necessários, sem mencionar palavra
alguma.
Juliana
limpava bem devagarinho o local, e ela precisava de mais espaço. A mulher
virou-se na direção da Espathra.
– Cleo, usa Confusion para ajudar aqui. Tenho que
ter esta encomenda pronta, não posso perder mais tempo.
A Pokémon agiu
conforme a ordem. Seus olhos começaram a brilhar, fazendo as migalhas e pedaços
de bolo estragado flutuarem até o interior do saco de lixo, deixando a bancada
num brilho quase impecável.
A jovem piscou
os olhos, fascinada com a habilidade da avestruz. A Espathra e a Tsareena passavam
muito tempo fora em entregas, e quando voltavam, preferiam descansar no
interior das Pokéball, por isso, Juliana não tinha muita afinidade com elas. Não
se tinha apercebido o quanto Cleo tinha ar poderoso.
Já vira sua
mãe trabalhar muitas vezes naquela mesma receita, mas naquela breve altura,
antes de se distanciar, algo chamou sua atenção no canto do olho. Enquanto se
organizava, Haruka errou com algo bem simples, e Juliana estranhou, pois era
sempre um dos primeiros passos dela.
–
Esqueceste-te de peneirar a farinha… – Juliana notou, num murmúrio, pois achou
que o melhor era avisar a mãe antes de mais ingredientes serem desperdiçados no
interior da taça.
– A… A sério? –
a mulher pareceu atordoada, repensando nos passos que realizava.
A farinha não
peneirada podia ter grumos que estragassem e mudassem por completo o sabor e
textura no resultado final, pois os grumos não iriam se desfazer ao ser
envolvidos com os outros ingredientes. Haruka piscou os olhos, ainda não
conseguia acreditar que se tinha esquecido daquele passo importantíssimo.
Era uma coisa
tão simples e básica que ela estava tão habituada a fazer, que parecia ridículo
não o ter feito.
– O… Obrigada
Julie…
A filha
encolheu os ombros, virando-lhe a cara, e foi-se sentar numa bancada mais
distante.
A mulher
voltou a trabalhar na encomenda, com muito cuidado nos seus passos para não
voltar a se enganar. Era um grande desafio de forjar, mas a Padaria Sonhos de
Dachsbun era conhecida pela sua réplica quase exata de um Dachsbun feito em
tamanho real tendo em base diversos bolos e pastelarias. O enorme prato era um
sucesso entre adultos e crianças. Tranças de massa folhada formavam as costas e
orelhas do Dachsbun de bolo, enquanto que malassadas serviam para a cauda e
pescoço. Muito creme de ovo era utilizado para dar forma ao pelo amarelo
característico dos Dachsbun, enquanto os olhos eram alfajores.
A jovem deu
umas notas na sua guitarra, mas não saíram como deviam. Juliana não aguentou
muito mais a pressão, pois achava o silêncio de Haruka face ao acidente muito estranho,
e acabou se aproximando para a ajudar. Afinal, o produto já podia estar pronto
se não fosse pelos gestos apressados e desajeitados dela.
Não podia
fazer muita coisa, mas ambas trabalharam em conjunto e em silêncio. Haruka não
questionou, e vez ou outra, lhe fazia umas pequenas chamadas de atenção, nada
muito exigente.
– Precisa de
mais açúcar… Caiu uma casca do ovo quando separaste a gema da clara… Estás a
usar o tipo de farinha errado… É pouca manteiga…
Mas as
chamadas de atenção começaram a tirar Juliana do sério.
– Está mesmo
tudo errado para ti, não é? Tudo o que eu faço não presta. – disparou, em certo
ponto.
A mulher
suspirou. Parecia o início de uma nova zanga entre as duas e ela estava sem
paciência para levar outra vez com malcriações em cima dos ombros.
– Estou apenas
a tentar ensinar-te calmamente, para fazeres as coisas bem-feitas.
– Estou a
fazer o que sei conforme o que eu sei.
– Sim, e ainda
tens muito que aprender. Mas aperfeiçoa-se é com a prática e ouvindo as lições
dos experientes. Agora deixa-te de birras e continua a trabalhar. Vamos ter que
ter muito lucro para pagar a divida que fizeste com aquele maldito Cyclizar.
A jovem soltou
um resmungo, enquanto fazia uma trança com vários fios de massa, como se estar
ali a ajudar fosse mais por obrigação e pedido da mãe do que outra coisa,
apesar dela estar por vontade própria. Haruka a fitou analisando os movimentos.
– Estás a
apertar muito a trança, assim a massa não vai cozer lá muito bem nas
extremidades. Tens que deixar mais largo.
Juliana revirou
os olhos, e lá obedeceu, a contragosto.
A mulher tinha
uma habilidade incrível como já estava tão habituada àquela pacata rotina, e
quase dançava com os seus movimentos à medida que montava o Dachsbun de bolo,
peça a peça, sempre que cada peça ficava pronta.
Quando a jovem
pegou numa das peças para ajudar a montar, descuidou-se, dando uma cotovelada
sem querer numa parte do bolo, fazendo o mesmo rebolar para cima da bancada.
Não era um estrago do mesmo nível que o anterior, e podia ser reaproveitado, mas
a mulher já estava com muita coisa acumulada, e desta vez, não hesitou.
– Haja
paciência para te aturar hoje, Juliana! – agora foi a vez de Haruka se soltar,
frustrada. – Olha só o que fizeste outra vez! Tem mais cuidado!
– Se não me
querias aturar, então não tivesses aberto as pernas àquele nojento!
A resposta súbita,
em alto e bom som, deixou a mulher estática.
Seguiu-se um
silêncio de morte.
Os Pokémon
pararam todos o que estavam a fazer e as olharam, preocupados.
Aquela frase era
uma acusação muito grave.
Juliana baixou
a cabeça, consumindo o significado daquilo que dissera e envergonhada com sua
impulsividade. Primeiro dissera que a odiava. E agora dizia de forma literal
que não queria ter nascido.
– N… Não
voltes a dizer isso… Nunca mais!... Okay?
Mi chica… – e por fim Haruka a repreendeu, ao respirar fundo, atordoada e
magoada. Não sabia bem o que dizer mais e não a queria repreender mais. – Se queres
me ajudar, está bem… Vou te dar uma tarefa simples. Senhor Nozes, a pasta de
açúcar já está pronta?
O Skwovet
apareceu logo, carregando um pacote de plástico com a pasta. Haruka deu-lhe o
rolo de esticar massa, uma forma em formato de flor, e abriu um livro numa
certa página, passando o dedo na folha, em frente a Juliana.
– Faz as
flores de laranjeira que eu uso para enfeitar a base do Dachsbun, são fáceis e
não precisam de ficar perfeitas, segue esses passos, e o Senhor Nozes vai ajudar-te.
Não tem como se enganar.
Juliana
encarou o esquilo rechonchudo, que já começava a por suas patinhas na pasta de
açúcar para a esticar e modelar. À medida que ficavam prontas Haruka as
utilizava para enfeitar a base do Dachsbun de pastelaria com precisão, usando
alfajores com cobertura verde em forma de folhas de árvore para dar um destaque
mais esbelto a toda a escultura.
Todo o
processo de montagem durou perto de uma hora, com Juliana fazendo as flores a
maior parte desse tempo e sem mais trocas de palavras. Sem a ajuda dos Pokémon
da Padaria e de Juliana, Haruka não tinha conseguido terminar a tempo. O cão
estava tão real, parecendo mesmo um Dachsbun, que Juliana começou a sentir um
certo nível de incómodo pela proximidade. E sua mãe notara isso.
– Estás… Nervosa?
– Haruka questionou-lhe, em certo momento, sem saber bem como começar a
abordá-la sem que o clima ficasse mais estranho ainda entre as duas.
– Um pouco… –
Juliana respondeu-lhe, em tom aborrecido e com a cabeça em outro assunto. – Não
é como se tu te importasses mesmo com isso…
– Não é real.
O Manjar está ali afastado. É só um bolo… – murmurou ela.
Juliana
deu-lhe a última flor. A mulher sorriu ao posicioná-la, vislumbrando a obra no
seu resultado final. O Dachsbun feito de diversas peças de pastelaria estava
pronto para entrega bem a tempo e horas, e logo tirou uma fotografia com seu
Rotom Phone para publicar mais tarde nas redes sociais da Padaria, antes de
empacotar. Era o mais belo Dachsbun que ela fizera nos últimos tempos, apesar
do clima tenso que o envolveu.
A Tsareena
ajudou-a na tarefa de empacotar, e ambas posicionaram com cuidado a grande caixa
nas costas da Espathra, que também ajudara com seus poderosos poderes
psíquicos. Juliana não deixou de notar outra vez na dupla.
– É para o
senhor Andrew, ele vive no final da rua número treze em Los Platos. – informou
a mulher a seus Pokémon. E lá ambas as Pokémon se retiraram.
Haruka começou
a limpar a bancada. Com os restos de pasta de açúcar, construiu uma última flor
de laranjeira, e apreciou-a como se fosse uma flor real. Juliana engoliu a
seco, pois com aquela prática toda, Haruka conseguiria fazer umas dez flores
enquanto ela tratava apenas de uma.
– Não pude
deixar de notar que não estavas a conseguir tocar na guitarra… Não estás nervosa
apenas por causa da presença daquele bolo, pois não?
Apesar de mais
calma, ainda não estava pronta a cem porcento para encarar a mãe depois do que
ela lhe fizera. Lá no fundo, uma pontada de arrependimento a domava por se ter
virado contra a mãe daquela maneira.
Dito que a odiava. Dito que não queria nascer.
– Posso? – Haruka
sentou-se ao lado dela na bancada. Juliana encolheu os ombros sem responder. A
mulher mostrou-lhe a flor. – Sabias que flores de laranjeira são símbolos da
pureza? Elas tem um poder calmante e sereno. São minhas flores favoritas.
Um breve
momento de silêncio tomou a cozinha, sendo apenas quebrado pelo respirar dos
monstrinhos de bolso observando a dupla e rezando para que estas fizessem as
pazes.
– Desculpa se
te disse alguma coisa que não gostas-te de ouvir mais cedo… Sabes como são as
bolas de neve... E obrigado por me ajudares a construir o Dachsbun. – a mulher
insistiu no dialogo, querendo se conectar com ela.
Por fim, Juliana
olhou-a nos olhos.
– Mãe. Eu sou
mesmo assim tão inútil para ti? Eu faço mesmo tudo errado?
Haruka engoliu
em seco, ela não sabia bem o que dizer, por muito que quisesse falar com ela e
esclarecer melhor as coisas.
Devia dizer a
verdade, a mentira? Como iria explicar melhor à sua filha que tudo aquilo não
era branco nem preto, mas sim uma cor que ia além do arco-íris.
Talvez aquele
pequeno momento era a altura certa para lhe falar a situação de Mesagoza… Que
ela tanto matutava na cabeça, pois não sabia como sua menina iria reagir.
Respirou
fundo. Estava para lhe dizer então qualquer coisa a mais, mas antes, foi surpreendida
com a pergunta da garota.
Uma pergunta
que, tendo em conta todo o historial de circunstâncias, a surpreendera, pois o
pedido era tudo, menos o que Haruka esperava ouvir vindo dela.
– Mãe. Já
foste uma treinadora, certo?
– Sim, querida.
Porque perguntas?
A jovem
hesitou, mas lá expôs sua dúvida.
– Será que me
podias dizer um pouco sobre tudo o que sabes sobre batalhas?
Haruka tirou o
cabelo dos olhos da sua criança, prendendo-o atrás da sua orelha, para encarar
melhor aqueles olhos cor de avelã. Juliana corou de timidez com o gesto, sabia
que não era adequado pedir-lhe ajuda para algo logo depois de dizer que a
odiava.
Mas a mulher
não se importou, e continuou, o mais calma possível.
Entendia-se
aquela questão e aquele gesto como um pedido de desculpas.
E desta vez,
não queriam magoar mais uma à outra.
– Claro. Posso
mostrar-te algumas coisas.
Se tem uma coisa que sempre me impressiona quando leio esse capítulo é a maneira realista como você conseguiu retratar uma relação de mãe e filha entre a Haruka e a Juliana. Todas as farpas que vão escalando até virarem ofensas ditas da boca pra fora, mas que ainda assim fazem um belo de um estrago. E claro, o momento final onde o filho volta a pedir ajuda fingindo que nada aconteceu kkkkkkkkkk
ResponderExcluirEssa briga deixou marcas, mas foi muito necessária. Juliana está prestes a ir embora de casa, e é nas brigas que duas pessoas passam a se conhecer melhor.
Agora vamos ver como ela se sai contra a Nemona!
Até a próxima! õ/
Rinha entre mãe e filha no seu clima mais puro e cru. Eu agradeço profundamente, se não fosse tu a me recomendar expandir a briga na revisão, eu nunca tinha criado este lindo momento na padaria.
ExcluirNa próxima temos CROCS LEVANDO PORRADA contra a Noémia. VAMOSS
Muito obrigado mais uma vez, Shads!