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- PARTE 7 – O Baleeiro – A Fada, o Corvo, e o Baleeiro
Vermelho.
O primeiro
vislumbre que teve foi vermelho.
Tudo estava
vermelho.
Sentia-se
fraca, imunda, suja. Sua pá não estava consigo, não tinha onde se agarrar para
amparar suas preces. O conforto não existia mais. Aconchego? O que era isso?
Mas procurou manter a calma, e tomar atenção ao espaço onde se localizava.
Inspirou e expirou.
Inspirou e
expirou.
Piscou os
olhos.
Continuou a
ver tudo vermelho.
Estava
encoberta por um material que não conhecia. Seria o que as pessoas chamavam de
plástico? Não… Não era bem plástico. Talvez era, mas ela não sabia. Apesar
disso, aquela cúpula bizarra era bem espaçosa. Podia ser considerada quente e
confortável, caso ela não se encontrasse apavorada. Vez ou outra, toda a cúpula
estremecia. Existia movimento no exterior.
A Tinkatuff
aproximou-se, e analisou o vidro.
Tentou o
socar, tentou o partir e se libertar daquela prisão imensa, mas todos os seus
esforços foram em vão. Era um material demasiado resistente para tal, e ela não
estava com disposição para reunir todas as forças que lhe restavam num golpe
só, pois sentia-se tão tonta que podia desmaiar a qualquer instante. Seu braço
ainda sangrava, pingando grossas lagoas no chão negro que pisava, e quanto mais
se movia, pior ficava o rio.
Sentou-se no
chão, mesmo ao lado do vidro, tentando estancar o sangue ao pressionar o
buraco. A dor manteve-se viva e quente.
À medida que
sua visão se reajustava, e seu corpo se acostumava à dor, começou a ver formas
e a ouvir coisas que vinham além da cúpula. Vibrações, sensações. Quente.
Estava num lugar muito quente.
Esticou a
cabeça, quase esbarrando o nariz no vidro vermelho.
Conseguiu
contemplar outras cúpulas iguais àquela em seu redor. Cada uma tinha um Pokémon
dentro. A Tinkatuff procurou focar melhor a vista. Os corpos redondos, bem
rechonchudos…
Cetoddles.
Deviam ser
três deles, bem á sua frente.
Sem dúvidas.
Eles tremiam, aterrorizados.
No seu lado
direito, se localizava uma espécie de macaco grande numa cúpula negra e
dourada, semelhante á sua, só mudava a sua cor. Ele estava deitado, e parecia
descontraído em contraste ao clima pesado. O enorme Slaking coçou o nariz,
pouco depois de reparar no facto de estar a ser observado.
Decidiu bater
no vidro, os Cetoddles não se mexeram, de tão apavorados que se encontravam,
mas o macaco… será que ele a ouviria? Além disso, por ser mais velho e ter um
ar mais confortável, era o mais indicado para pedir indicações em meio daquele
momento crucial.
– Hey! Onde
estamos? – Questionou-lhe, projectando a voz em sua direção.
– Shiuuu.
Cala-te. Vê se não queres ser a próxima.
A Tinkatuff
voltou a se sentar, imobilizando-se. Próxima? De quê? Decidiu não fazer mais
perguntas. O diálogo recordou-lhe do veado… Onde, naquela situação, uma das
melhores opções era fugir… Talvez, se ela tivesse sido menos imprudente, não se
estava vendo naquela situação sufocante.
Quanto tempo
será que estivera adormecida? A única coisa que tinha a certeza era da pressão
que sentia na cabeça, como se tivesse levado alguma pancada na nuca, tão forte
ao ponto de fazê-la ficar, de imediato, desmaiada.
Pressionou o
dedo no pequeno buraco no braço, tentando limpar a ferida ao remover o chumbo,
mas serrou os dentes como reação à dor, sem sucesso. Foi quando ouviu um
rastejar familiar. O som da sua nobre pá ecoava algures no recinto exterior, o
que a fez olhar para cima, para além da vista que o vidro vermelho a permitia.
O mundo lá fora parecia enorme, maior do que aquilo que ela se lembrava, e
vultos negros em movimento corriam de um lado a outro. Na medida em que sua
visão se foi acostumando, ela conseguiu reparar nos detalhes.
As figuras
eram humanos, gigantescos. Ou eles estava enormes, ou ela ficava muito pequena
dentro daquilo, influência de poderes desconhecidos ou para ela
incompreensíveis. Um deles segurava a sua pá, usando a mesma de uma maneira bem
porca.
Num canto no
chão, a pá ajuntava pedaços aleatórios daquilo que parecia uma massa disforme,
cortada aos quadradinhos. Com o olhar, seguiu o movimento da mesma.
Aqueles
pedaços foram colocados num caldeirão de ferro existente por cima de uma enorme
fornada. A fornada era uma complexidade de tubos e maquinaria arcaica que a
Tinkatuff não conseguia compreender, por nunca ter interagido com algo assim
antes, mas entendia perfeitamente que, sempre que a porta era aberta e lá
dentro depositado carvão, as labaredas interiores subiam alto e uma vaga de
calor abrasador batia na superfície da Pokéball que a aprisionava.
Sua atenção
estava focada nos pedaços ensanguentados que os humanos faziam a sua pá
carregar. Um outro humano aproximou-se, e depositou uma espécie de farinha
dentro do caldeirão, enquanto o outro mexia e não parava de mexer com uma
grande colher de madeira. O produto lembrava farinha de milho, mas não o era,
pois tinha um cheiro intenso a químicos que faziam os pelos do nariz queimar a
qualquer um.
Após algum
tempo de cozedura, o humano derramou o conteúdo do caldeirão dentro de outro,
que existia ao lado da fornada e seu complicado sistema de tubagens e
caldeirões, mais abaixo. Assim o processo repetiu-se. A única diferença era de
que uma parte do conteúdo fora coada em uma rede quando o liquido fora
derramado, e os restos presos na rede, descartados, depositados em baldes que
se acumulavam a um canto.
O cheiro a
carne cozida, gordura derretida, e a podridão, era intenso, intensificado pelo
cigarro que um dos homens tragava.
Aquele odor
pungente era o género de fedor que não se apaga assim tão cedo da mente.
Entre os restos
do balde, a Tinkatuff reconheceu a pata do veado.
Tenho que sair daqui imediatamente… –
Pensou, a entrar em pânico.
Ligado a esse
novo caldeirão estavam vários tubos alimentados por uma outra máquina. Os tubos
transparentes sugavam e transportavam um líquido semelhante a azeite, mas mais
esbranquiçado, até uns boiões no outro lado da sala.
Ninguém
parava. A torneira tinha que estar sempre a correr.
E sempre que
um novo barril ficava cheio, era selado e levado para longe, e outro barril
novo, vazio, ocupava o lugar, até se encher novamente e o círculo repetir.
Óbvio que a
Tinkatuff não compreendia nada daquilo, mas a ter em conta que pedaços de
Pokémon, quem sabe, de algum amigo ou conhecido, eram ali derretidos para
propósitos ilícitos, dava-lhe náuseas.
Vários homens
e mulheres trabalhavam em conjunto. As mulheres se concentravam numa mesa ao
lado, cortando a carne e a gordura mais a miúdo, para derreter mais rápido no
caldeirão. Os homens, por terem outras capacidades, se encarregavam do trabalho
mais pesado ao lado das máquinas, mas mesmo assim, ainda existia uma ou duas
mulheres mais corpulentas auxiliando, entre eles. Pouco a pouco, em meio do
barulho, a fada conseguiu distinguir alguns dos diálogos que aqueles humanos
trocavam entre si.
– Isto dá demasiado trabalho… Não podemos
simplesmente arranjar combustível no estrangeiro? – Um dos trabalhadores
bufou, começando a protestar.
– Iria dar demasiado nas vistas. O governo
está sempre em cima das rotas dos combustíveis, e Lord Gibeon não iria gostar
de ter suas máquinas localizadas e planos estragados. – Um outro começou a
protestar. – Assim dá mais trabalho, mas
é mais acessível e mais seguro. Ninguém dá por falta destes Pokémon na
natureza. Cetitans é o que mais existe em Glaseado, a dar com um pau.
– Ainda vamos ser apanhados. – Começou a
murmurar, e um sorriso maldoso forçou-se em seus lábios. – Mas pelo preço que é… O serviço é divertido, e está valendo a pena.
Bemmm a pena.
– Sempre vais querer guardar dentes daquele
Cetitan?
– Claro, aquele matulão não tinha muitos,
mas os poucos que tem podem render um bom preço no mercado negro. – E
gargalhou alto.
Naquele
preciso momento, a Tinkatuff apercebeu-se do enorme Pokémon que os humanos
desmanchavam ali ao lado. Um arpão fora cravado no crânio do pobre animal, que
jazia de barriga para cima. Com facões, os humanos cortavam a pele da barriga,
e grande parte do bicho já fora enviada para a fornalha. O chão não passava de
uma imensa mancha de sangue que todos pisavam sem se importarem se existia ou
não.
Não era de
admirar os pequenos Cetoddle estarem tão aterrorizados.
– O mau cheiro já chegou a Zapapico. –
Murmurou um dos humanos, que consultava um jornal no meio do seu momento de
pausa. – É só questão de tempo mandarem a
polícia investigar. Devíamos mudar de localização enquanto é tempo.
– Não. – Falou aquele que, pelos vistos,
liderava todo o serviço. – Será demasiado
dispendioso mover a fornada. E não podemos parar agora que estamos tão
lucrativos. Já temos barris suficientes por hora. Mas quanto mais, melhor.
Dia e noite,
noite e dia, a Tinkatuff não tinha outra alternativa além de esperar enquanto
observava aquela macabra e bizarra rotina. Era sempre seu coração a disparar a
mil quando os humanos se aproximavam da mesa onde ela se localizava e
seleccionavam alguma Pokéball.
O bicho era
libertado mesmo ali, e, com um golpe certeiro de um arpão ou com um disparo de
espingarda… Morto.
Ela evitava
sempre olhar. Os sons já eram aterradores o suficiente.
Vivia um
pesadelo.
Por sorte,
nunca a escolheram a ela, nem a ninguém que lhe estivesse próxima. O Slaking
dormitava as tardes inteiras, como se mergulhasse sempre em estado meditativo,
e os pequenos Cetoddle que ela tão bem conhecia, choravam baixinho e tinham
toda a alegria e inocência de criança removidas do olhar.
O auxílio
podia surgir, ou não.
Ela não soube
bem quanto tempo ficou ali enclausurada, mas seu braço cicatrizou mal e
latejava sem parar, como se caísse fora, e sentisse um buraco fundo no estômago
por não ter qualquer alimento à mão. Os humanos trabalhavam sem parar, e ela
tinha noites mal dormidas, repleta de pesadelos.
A ansiedade de
saber se ela iria ou não ser a próxima era um peso que a enlouquecia.
Certo dia,
depois de mais outra noite mal dormida, acordou com um alvoroço súbito, e
quando abriu os olhos, o espaço estava vazio, apesar de imundo. O silêncio
reinava, o que era uma sensação bem-vinda depois de tanto tempo sempre a ouvir
o batucar da maquinaria.
– Vamos! Rápido! As espingardas! Pegam nas
armas! – Bramiu uma voz distante.
Porém, tal
silêncio não fora longo, pois, no exterior, sentiu aquilo que lembrava metal a
bater um no outro, depois, um disparo de espingarda. Seguido de outro e mais
outro. Depois, um barulho semelhante a outro disparo.
O mundo deu
uma volta de cento e cinquenta graus. Viu uma enorme mão cobrindo a cápsula
vermelha, e, num piscar de olhos, encontrou-se no exterior.
Livre. Finalmente.
Desta vez não
iria hesitar e reuniu sua coragem. A primeira reação mal viu-se no exterior,
foi rebolar para o lado e segurar a pá caída que repousava ao lado de uma
carcaça de Cetitan apodrecida. Sentia muita dificuldade devido ao braço ferido,
mas o pavor era tanto que usou todas as suas últimas forças.
As duas
humanas à sua frente encolheram os ombros com as mãos no ar. Elas adotavam um
ar solene, e inocente. Ao mesmo tempo, apavorado devido à situação vivida. Eram
ambas semelhantes entre si. A da esquerda tinha o cabelo castanho curto ao
nível dos ombros, com grandes argolas douradas pendidas nas orelhas. Já a da
direita, contava com um cabelo mais longo, capaz de cobrir todo o peito até o
umbigo, e este tinha uma tonalidade mais clara, como mel.
– Tem calma. Nós viemos ajudar. –
Começou uma delas. No caso a de cabelo curto e argola dourada na orelha. – Somos amigas. Não te vamos magoar.
– Olha. Ela está ferida no braço. –
Notou a outra, com a mão sob os lábios, em choque. – Foi alvejada… E parece… Mal.
Depois de
tudo, ela não conseguiu acreditar nelas. Não conseguia acreditar em humano que
fosse. Eles eram bichos sanguinários, piores do que muito predador natural por
ai. Piores que o Corvo.
A mulher de
cabelo curto procurou uma aproximação, foi a sua mochila e tirou alguns objetos
estranhos que eram, na realidade, medicamentos. Apesar disso, ambas sabiam que
o que a Tinkatuff selvagem precisava mesmo era de uma intervenção cirúrgica. A
pequena fada cor-de-rosa ainda teve foi muita sorte em não ter perdido mais
sangue, ao ponto de morrer por choque hemorrágico.
Antes de darem
um passo em frente, a Tinkatuff acertou com a sua pá nas restantes Pokéballs.
Com o susto, as humanas recuaram. As cúpulas quebraram-se com o impacto,
libertando os pequenos Cetoddles entre outros Pokémon, que, às cegas, começaram
a correr e bater contra as paredes, em busca da saída, com a fada atrás.
– Eles querem fugir. É aquela porta, ali! –
Indicou uma das humanas. – Não vaiam pela
porta da frente. Usem aquela ali!
– Mas ela está ferida, temos que a ajudar!
– Comentou a de cabelo curto.
A outra
impediu-a de avançar.
– Estão cheios de medo. Depois quando a
situação se acalmar, procuramos por ela na natureza e também conferimos o
estado dos outros.
A mulher
relaxou dentro dos possíveis e rebateu um ‘’tens
razão’’, e murmurou mais qualquer coisa como ‘’e se nunca mais os encontrarmos?’’ logo a seguir, mas por essa
altura, já a Tinkatuff e os Cetoddles iam longe rumo à luz do dia.
Ao saírem do
local escuro e bafiento que mais lembrava um grandessíssimo barracão no meio
das faias de um denso matagal, não era de admirar o caos e a confusão
instalada. Humanos e Pokémon combatiam entre si, rodeados por rectângulos de
lata - carros de polícia que se estendiam pelo trilho de terra batida. Os sons
típicos do conflito eram comuns no lado da frente do espaço, logo, o pequeno
grupo calculou que deviam seguir a direção contrária.
– Vamos,
rápido! Por aqui! – Brandiu a Tinkatuff, guiando os três pequenos. Ela não
sabia para onde ir, e sua fraqueza a deixava mais imunda que antes, mas apenas
seguiu o instinto.
Correram o
máximo que conseguiram, seguindo a fileira dos carros, e sempre fitando o céu,
procurando um vislumbre da direção da montanha. Ao chegarem a um descampado,
viram como era de facto a estrada principal, e ficaram surpreendidos pela
distância que os cortavam de casa. O caminho serpenteava sempre para cima, mas
Glaseado não passava de uma pintura minúscula no horizonte. As casas de
Zapapico eram próximas, demasiado próximas para o gosto daqueles Pokémon que
não eram habituados à presença humana.
Os três
Cetoddle pararam, quando viram que a fada ficara para trás. Naquele ponto, os
outros Pokémon que os acompanhavam pareciam saber para onde deviam se dirigir.
Como guardiã solene, a fada observou estes se dispersarem em seus rumos em
busca das suas vidas.
– Não vens
connosco, senhora gordinha? – Questionou um dos pequenos Cetoddle, à sua
frente.
A fada
endireitou os seus cabelos desgrenhados. As horas em cativeiro a transformaram
numa Tinkatuff bem diferente. Antes ela podia enfrentar qualquer mal, uma
alcateia inteira de lobos se fosse preciso, mas agora, ela sabia que no mundo
atuavam forças ainda mais poderosas do que ela. Forças estas que eram tão
complexas que nem sempre se conseguiam enfrentar.
Deu um pulo de
medo quando sentiu um estrondo atrás de si, com uma vibração do ar oriunda do
barracão.
Mas, ao mesmo
tempo, era errado fugir.
Ela ainda
precisava de respostas. Mais respostas a tudo aquilo.
– Esta deve
ser a passagem Dalizapa. – Refletiu em voz alta ao observar o terreno como uma
boa batedora, e ao usar o pouco conhecimento que tinha vinda das histórias que
Wohali contava. – A estrada serpenteia até a montanha. Sigam-na sempre para
cima. Eventualmente vão chegar ao cume.
– Mas… E tu?
Não vens?...
– Precisamos
de ti… Não queremos ir sozinhos…
– Vamos nos
perder… Não sabemos o caminho de volta…
Os pequenos
diziam em uníssono, mantendo as vozinhas inocentes. Tremiam e lágrimas caiam de
seus grandes olhos.
– Não posso. –
Olhou para baixo, pensativa. – Oiçam, miúdos. Na vida, às vezes temos que
enfrentar alguns problemas sozinhos, pois nem sempre vamos ter aquela mão
milagrosa que nos vai amparar. Subam a montanha, com a cabeça sempre para cima.
E se não encontrarem a vossa casa, tenham fé, pois eventualmente vão descobrir
algum espaço que podem tratar por lar…
– Mas…
Sentiram outra
explosão. Um calor abrasador cortou as árvores e labaredas enormes começaram a
engolir a mata. Pokémon dos arredores corriam de um lado a outro, sem pararem,
e seus passos e bateres de asas contribuíram imenso para a expansão rápida do
fumo.
– Só me
prometam uma coisa. Se eventualmente encontrarem o caminho para o vale, nunca,
mas mesmo nunca, contem ao Wohali o que se passou aqui! O pessoal do vale já
teve preocupações que cheguem com o Corvo. Não precisam de mais, pois eu
própria irei resolver isto. – Ela brandiu, com a pá bem apertada entre os
dedos. – Agora vão embora!
– Não! Não!
– E não! Não
vamos sem ti!
– Não! Só
vamos se fores! Caso contrário, ficamos!
A fada bufou
de desdém.
– Vocês tem
que partir…
Outra
explosão, mais intensa, cortou os ares. A colina de fumo continuava a subir e a
subir, e o som daquilo que era várias sirenes ecoava na cidade humana, já com
mais movimento nas ruas. A presença de mais humanos, interessados em atender o
que ocorria, era mau sinal para todos, e eles não podiam continuar ali
especados.
– Vocês tem
que sair daqui!...
Mas os
Cetoddle birraram.
– Agora!
VÃOOO!
E com o ultimo
‘’vão’’, a Tinkatuff, já sem paciência, e a ver mais humanos naquela direção,
trincou a pá no solo, como se a mesma fosse um arpão em carne de baleia, mesmo
aos pés das crianças. O gesto despertou o terror nos três Cetoddle, que
cumpriram e ordem e saíram imediatamente dali na direção que a passagem
Dalipaza desenhava no cenário. Ela não gostou do que fez para se livrar para
sempre dos miúdos, mas não vira outra alternativa.
Deu então meia
volta, e sem pensar duas vezes, correu, correu e correu no meio do trilho, de
regresso ao barracão macabro, penetrando no meio das chamas cada vez mais altas
e do fumo cada vez mais intenso e negro e da chuva que era composta pela troca
dos projéteis que os bandidos trocavam com a polícia no lado da frente do esconderijo.
No meio da
estrada, em certo ponto, avistou duas luzes, seguidas de um barulho desafinado.
As luzes
mudaram subitamente de direção, dando lugar a uma extensa nuvem de pó que quase
lhe queimou os olhos. Só não o fez, pois ela fechou-os bem a tempo, antes dos
grãos embaterem sua face.
Continuou com
eles cerrados. Não se importou.
Acreditou
estar quase a chegar, e, mesmo com os olhos fechados, correu mais depressa. O
mais depressa que lhe era possível
Muito em
breve, uma nova guerreira entraria na batalha e libertaria a montanha de todo o
mal…
Se não fosse,
claro, seu corpo embatendo em alguma coisa dura que jazia, imóvel, no meio da
estrada.
No segundo
seguinte, viu-se de barriga para cima, com o corpo todo dolorido. Sua pá fora
projectada alguns metros em frente, e ela não a conseguiu agarrar.
Ouviu vozes
humanas. Uma porta a abrir e a fechar. Quatro sombras a circundando. Uma
pequena discussão entre mulheres. Um raio a sugando para o interior de uma
esfera encarnada.
Mais uma vez,
ficou minúscula.
Não se
importou.
O mal a
apanhara outra vez.
Nada importava
mais.
Era o seu fim.