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- PARTE 8 – Novo Lar (PARTE FINAL) - A Fada, o Corvo, e o Baleeiro
– Olhem! Ela
está a se mexer! – Ouviu uma voz.
Podia estar a
sonhar, mas era a voz do Slaking que conhecera no tal barracão assustador, que
para sempre ficaria conhecido por Barracão do Baleeiro, devido ao escândalo que
a morte dos Cetitans e outros Pokémon ali causara.
A notícia não
tardou a correr Zapapico, e todos os responsáveis foram presos pelas
autoridades locais. Mais de quinhentos litros de combustível à base de resíduos
orgânicos foram apreendidos. Apesar disso, sem dúvidas que muitos envolvidos
conseguiram escapar, e o incêndio ficaria para sempre na memória daquela gente
de tal comunidade, que viu o céu negro e pressentiu todos os dias o cheiro a
podridão.
– Ei, senhorita
Tinkatuff, consegues ouvir-me? – Falou uma voz. Esta, a fada não conhecia de
lado algum, junto com a outra que se seguiu.
– Fala mais
baixo, Cleo. Ela deve estar com uma dor de cabeça depois de tudo o que ocorreu,
tadinha…
– Calar? Jade,
odeio quando me mandar calar. Eu ainda tenho voz ativa aqui dentro!
– Eu não te
mandei calar. Só disse para baixares um pouco mais a bolinha aí por causa da
situação frágil de nossa convidada…
– Baixo? Mas
eu estou falando baixo!
– Não. Não
estás. Sabes que, às vezes, falas alto demais.
– Meninas.
Podem parar de discutir, por favor? Ela está abrindo os olhos. – o Slaking
rebateu, envergonhado pelo comportamento das duas. – Será que ela tem fome? Vai
buscar comida, Cleo, sê mais útil e incomoda menos.
E ela lá foi,
a resmungar.
A Tinkatuff
abriu os olhos lentamente. Seu corpo estava cheio de hematomas. O braço
encontrava-se imóvel, fixado por uma faixa branca e espessa que lhe impedia os
movimentos, mas sentia-o melhor, muito melhor. Ao seu lado, como uma recordação
de toda a vida, sua pá se mantinha, imóvel, por cima das cobertas. Pelo menos,
ela fora limpa por sabe-se lá quem antes de ali exposta, mas seus arranhões
ficariam para sempre gravados no cabo de madeira.
Cicatrizes… Gosto disso. Espero que também
tenha ficado com algumas.
Tentou se
erguer. Mas não conseguiu. Era uma cama confortável de um material que cheirava
bem. Muito bem. Um aroma doce, constante, lembrando um mar infinito de Oran
Berries suculentas.
Ao pensar em
berries, seu estômago começou a roncar alto de imediato, mas logo acalmou
quando um dos Pokémon presentes no espaço entregou-lhe uma taça cheia de uns
quadradinhos castanhos, pequenos, conhecidos por ração para Pokémon, bem
apetitosos. Faminta, pegou nestes aos punhados e enfiou-os boca abaixo. Duros
ao início, mas muito saborosos ao longo do mastigar, pois derretiam a cada
dentada numa crocância efervescente.
Não se
comparava a nada do que ela já comera em toda a sua vida. Fora como um manjar
lhe servido diretamente pelos deuses. Aqueles pedaços deviam conter nutrição
completa, pois logo na primeira dentada, a energia do seu corpo fora
revigorada.
Aconchego…
Que bom que
era recordar o que era aconchego.
Saciada, foi
nesse instante que se lembrou de tudo o que ocorreu, e deixou-se desabar em
lágrimas.
– Eu… Eu
morri?... Isto é o reino de Arceus?
– Não, garota.
– O Slaking tomou uma aproximação, com uma caixa que tinha um frasquito de
xarope e uns quantos comprimidos na palma da mão. – Mas agradece a Arceus por
estares viva. Agora que já te alimentaste, está na altura da medicação. Jade,
dá-lhe aquele copo com água que está ali em cima.
E assim a
outra Pokémon obedeceu, buscando o copo com água que estava posicionado numa
mesa logo à frente. A Tinkatuff aceitou o copo com água de bom grado, reparando
na outra de perto. Ela tinha um ar semelhante aos dos humanos, pois se tratava
de uma Tsareena de expressão simpática.
– Agora,
amorzinho. Bebe e engole isto. Vais sentir-te muito melhor. – A Tsareena falou
em tom doce, pegando num lenço de papel para também lhe entregar. – E enxuga
essas lágrimas. Sei o quanto custa… Mas… Já passou… E agora deves-te focar
somente na tua recuperação.
Bebeu, e cada
gole do líquido divino conseguiu a acalmar quase que milagrosamente. Os
medicamentos também transferiram uma leveza quase imediata à sua tristeza. As
lágrimas desapareceram, enxugadas pelo material macio entregue pela outra,
consoante as instruções desta, pois ela lhe teve que explicar de modo breve como
o lenço funcionava entre cada uma das outras coisas. Na natureza da montanha,
nada daquilo existia.
Desejou
questionar mais coisas, mas por hora, não o fez.
Reajustou o
corpo nas cobertas e no travesseiro, reconhecendo o facto de estar a ser
ajudada por Pokémon tão gentis.
– Obrigado… – Foi tudo o que conseguiu dizer, antes de, abraçada a sua pá, ser inundada por uma sensação súbita de tranquilidade, que a fez voltar a adormecer.
Dormiu toda a
noite. Dormiu como uma pedra. Há anos que ela não tinha um sono tão reparador
como aquele. Ela podia se acostumar facilmente a acordar todas as manhãs assim.
– PEQUENO
ALMOÇO!
Uma pena que o
seu despertador não fora o melhor. De qualquer forma, sentiu-se bem-disposta e
revigorada.
Sentou-se na
cama, esfregou os olhos ensonados. Para sua surpresa, não se encontrava
sozinha.
– Cleo, olha o
que fizeste! Acordaste-a! Quantas vezes tenho que dizer para falares mais
baixo!
– Mas eu estou
CHEIA DE FOME!
– Vocês as
duas vão começar a discutir outra vez?
Desta vez, a
Tinkatuff conseguiu ter um vislumbre da Pokémon barulhenta que acompanhava a Tsareena
e o Slaking. Uma avestruz conhecida por Espathra encontrava-se a caminhar de um
lado a outro, com sua própria barriga a roncar em alto e bom som.
– Ena, ela já
acordou. Significa que já podemos ir comer? – O entusiasmo da Espathra acabou
por arrancar um sorriso da fada. – Tem bolo de Red Velvet!
O gorila
encarou a fada.
– Tens fome?
Consegues ir sozinha até a sala de jantar?
A Tinkatuff
acenou, com passos vagarosos, elevou-se da cama. Não precisava de ninguém para
a carregar no colo, sendo que tal não passava de uma ideia bem desagradável
para ela. Sentiu uma pontada de pena ao abandonar aquele sítio tão confortável,
mas, tal como a avestruz, também acordara faminta.
Foi guiada
pelos três Pokémon, indo atrás deles e tomando atenção àquele lar. Os habitats
dos humanos eram cheios de coisas esquisitas para ela, pois era a primeira vez
que estava dentro de uma casa, apesar de que, no geral, aquela casa era como
qualquer outra casa humana de Zapapico. Quando o Slaking, a Espathra e a Tsareena
adentraram a sala, ouviu-se vozes humanas a comentarem entre si.
– Ela está mesmo com um óptimo ar. –
Ouviu-se uma voz feminina, cheia de alívio.
– Sim, vai recuperar rápido e a operação
correu bem no Centro Pokémon. – Disse outra, também feminina.
– Podia ter ficado melhor se não a tivesses
atropelado. – Um tom masculino cortou o ar de modo trocista.
– HEY! Ela é que não parou de correr no meio
do caminho e bateu no carro! Eu travei a tempo! – Defendeu-se uma outra
voz, esta também com uma tonalidade masculina.
Quatro seres
humanos estavam presentes. Dois homens e duas mulheres já se serviam, trocando
bolinhos, pedaços de frutas aleatórias de ar apetitoso, pão, torradas, folhados
de salchichas, e uns quantos cafés que recheavam o local com um aroma bem
agradável.
A Tinkatuff
reconheceu as mulheres. Eram as mesmas humanas que a tinham salvado lá no
barracão. A que tinha uma argola dourada na orelha e cabelo curto aproximou-se
dela, ajoelhando-se para coincidir com o tamanho da fada em plena igualdade.
– Eu capturei-te quando estavas inconsciente.
Foi a maneira mais rápida de te carregar. – Começou a dizer. Sua voz era
doce, e transmitia uma serenidade surreal. – Vou cuidar de ti enquanto estiveres debilitada. Depois, voltarás à
natureza, se tal for a tua vontade, é claro.
A Tinkatuff
fez uma cara esquisita, e a humana entendeu logo o que tal expressão sugeria.
– Não te preocupes, ninguém aqui te vai fazer
mal. E as pessoas horríveis que te maltrataram serão punidas. A maioria já foi
a julgamento neste preciso momento.
– As autoridades Paldeanas já foram informadas
do sucedido. Estamos atrás dos responsáveis pela organização. – Falou um
dos dois homens, e, nesse instante, a Tinkatuff notou como estes carregavam
uniformes alusivos aos tais carros policiais que haviam ao longo do trilho.
Afinal, os dois eram policiais chamados ao local, e um dos automóveis lhes pertenciam.
– Há muito que desconfiávamos que
algo não batia certo devido ao mau cheiro a pairar as redondezas, mas ali a
nossa amiga deu o alerta necessário para iniciar a investigação quando o
Slaking foi roubado. Esse grandalhão costumava viver sempre no jardim dela. E
bem… Acho que o resto, já sabes.
– Mas tem algo que nós todos gostaríamos de
saber. Que é conhecer-te… – Começou a humana de cabelo curto, com um
sorriso no rosto. Ela estendeu-lhe a mão, apertando-lhe os dedos rechonchudos e
rosados. – Meu nome é Haruka. Qual o teu?
Deves ter um nome, estou correta?
Os três
Pokémon a fitaram, atentos, também interessados naquela pequenita revelação. A
fada ainda demorou muito tempo a responder, sem saber ao certo se devia confiar
naquelas figuras em particular para partilhar tal informação tão intima.
Mas eles a
ajudaram imenso, e a entregaram muito conforto e pedaços deliciosos de comida.
Sem se
aperceber, as palavras saíram-lhe, quase que automaticamente.
– Gordinha…
Minha família me tratava por Gordinha. Mas acho que, a partir de hoje, vocês
podem me tratar por Brites.
Brites. Uma
bela homenagem à cria de Wohali que o Corvo havia sufocado com um pedaço de
gelo no coração tantos anos atrás. Fazia um bom tempo que ninguém lhe
questionava sobre sua identidade. A palavra apenas lhe saiu, como se já tivesse
tal no seu subconsciente há muito tempo, esperando a época certa para se expor.
Haruka acenou,
endireitando os seus cabelos castanhos, enquanto lhe fitava os profundos olhos.
– Brites. É um nome bem particular… Gosto
dele. É bem a tua cara.
A Tinkatuff
não soube ao certo como aquela humana conseguira compreender suas palavras, mas
tal fazia agora parte de uma nova fase em sua jornada.
Olhou pela
janela, fitando a montanha, enquanto deixava Haruka mudar a faixa que cobria o
seu braço para uma nova. Sabia que talvez nunca se recuperaria totalmente nos
movimentos, mas por agora, tal não importava lá grande coisa, se ela
continuasse sendo forte e astuta.
Toda a vida
sentiu-se predestinada a ser a heroína daquela terra, mas tudo saíra do seu
controlo e avançou por limites muito além dos seus. Esperava que os pequenos
Cetoddles descobrissem o caminho de regresso ao vale em paz, e que sua família
estivesse segura de uma coisa ou de outra que as forças malignas do universo
impunham naquele mundo. E, se novo mal surgisse, ela iria descobrir para os
proteger, caso chegasse a altura certa para tal.
Ainda existia
responsáveis pela tragédia à solta, e a Tinkatuff não iria descansar enquanto
não os descobrir. Um dia, quando tivesse a garantia de que cumprira a 100% a
missão, regressaria ao seu cantinho na montanha e voltaria a abraçar os
Cetitans e Cetoddles gorduchos que tanto cuidaram bem dela e que tanto a amavam.
Entretanto, aproveitaria
a falta de preocupações em sua nova jornada, que dera uma reviravolta e tanto,
e sentar-se-ia na mesma mesa que aquelas pessoas e Pokémon comiam da mesma
comida e bebiam do mesmo líquido, no meio de risos e conversas agradáveis.
A palavra aconchego e a palavra lar nunca antes lhe tinham ressoado de
maneira tão diferente… Tão viva.
Uma Tsareena e
uma Espathra no vale não era propriamente uma visita confortável. Depois da era
de terror com o Corvo, e do desaparecimento do velho Cetitan desdentado e suas
crias, o vale tornara-se um pouco mais fechado a estranhos do que antes nos
anos que se seguiram.
De qualquer
modo, aceitaram a encomenda que estas duas traziam de bom grado.
Principalmente, depois de descobrirem a identidade da responsável que enviara
tal coisa até aquele espaço remoto perto do topo da montanha.
Um Cetitan
enorme de pele negra como rocha basáltica levou o embrulho até as profundezas
de uma das mais complexas redes de grutas da montanha. Ali, bem no fundo de um
túnel gelado, um outro Cetitan extremamente velho repousava, de olhos
semicerrados e barriga para cima.
Tentou esboçar
um sorriso em seus lábios gretados ao ver o filho, e seus olhos se encheram de
lágrimas ao notar o embrulho feito em folhas de árvores e paus. Não foi preciso
palavras para descobrir quem o havia feito.
O mais novo
ajudou o mais velho a desembrulhar o embrulho, e foi um espanto encontrarem um
bolo de pastelaria no meio de tudo aquilo com um pequeno brinquedo que era uma
bela recordação. Uma pequena Tinkatink feita de peluche ao redor de muitas
berries suculentas. A maioria eram Oran Berries, como se no interior de um
grande cesto de vime. No prato de cartão que suportava aquela bela confeição,
apesar de escrito em língua humana, existia a seguinte descrição: Feito por uma Gordinha, com muito Amor.
Padaria Sonhos de Dachbun.
Por estar
muito fraco e já não se alimentar sozinho, o Cetitan Shiny levou uma das bagas à
boca do pai, junto com a massa sinistra e o creme que a encobria, mas que
cheirava muito bem e era adequado à alimentação e nutrição de Pokémon.
Mastigou
vagarosamente, e feliz, o jantar lhe servido, grato ao universo por mil e uma
coisas inimagináveis.
Adormeceu, com
sua pequena nova Gordinha de peluche ao seu lado.
E nessa mesma noite,
as portas de Arceus lhe foram abertas.
Uma ave negra
sobrevoou o topo da montanha, que raiava em sol. O Cetitan fitou-o, sem
palavras, apenas com um olhar sereno e de compreensão. O Corviknight
acenou-lhe, com um certo amargo a arrependimento na sua expressão, deixando ali
mesmo uma pequena bolinha negra em meio da neve.
Wohali mal
podia acreditar no que via.
A pequena Cetoddle
correu até o Cetitan mais velho, para o abraçar, enquanto a enorme ave se
distanciava no céu do horizonte.
Ai, se
apercebeu que na vida pacata que levou, mesmo envolto de medos e perigos, não
teve nada melhor do que aproveitar cada momento e seus pequenos prazeres da
rotina.