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- PARTE 3 – Os Treinos – A Fada, o Corvo, e o Baleeiro
Depois de se
deliciar com a simplória Oran Berry, olhou em todo o seu redor. A neve fresca
era fofa, as paredes em torno daquele sítio impediam os ventos de soprar com
força, e as águas do rio eram calmas e ricas em Pokémon peixes, que tinham cara
de ser excelentes vizinhos. Em muitos locais, grutas de gelo escavadas sobre as
paredes de rocha e neve davam óptimos abrigos a quem ali habitava durante as
tempestades e nevões.
Não parecia
ser um sítio mau.
Obviamente,
não se comparava em nada ao sítio quente e verdejante de Verão entre rochedos
onde ela nascera… Sítio tal que ela nunca mais reencontrara e sentia já tanta
saudade…
Mas com o
tempo, ela poderia se habituar a tal passividade e começar a tratar aquele
espacito do vale por seu novo lar…
Se o Corvo não
o destruísse primeiro… É claro.
O Corvo…
Ela sentiu um
arrepio na espinha. Talvez o efeito dos poderes curativos da Oran Berry já a
lhe afetarem, ou apenas o medo que a simplória palavra lhe impôs no corpo.
Sua
primeiríssima experiência com o Rei da montanha não fora a melhor. O maldito
lhe roubara o martelo, e ela agora descobrira que ele não passava de um
governador tirano que magoava os Pokémon locais, lhes arrancando partes do
corpo e os deixando morrer de fome, por puro prazer.
Sacudiu a sua
face, tentando se despertar dos pensamentos.
Ela não podia
sentir medo dele. Ela não queria sentir medo daquela maldita criatura.
Ela tinha que
ser a responsável. Aquela que libertaria a montanha do terror.
Ela teria de
ser a salvadora daquela gente, além de vingar e recuperar o seu martelo
precioso.
Olhou para
cima. Quilómetros no céu lá estava o pico maior de Gleaseado, com a ave negra
muito bem empoeirada em seu cume, adotando a forma de um pontinho negro
distante, do tamanho de um grão de areia.
As densas
nuvens rapidamente encobriram a visão.
Será que ele
também a observava lá em baixo? Uma baga rosa e bem suculenta no meio da neve…
A Tinkatink
estremeceu com a ideia, e apesar de tentar controlar os impulsos do seu corpo,
deu um pulo, alerta, após sentir um toque amigo atrás de si.
Wohali deu uma
gargalhada.
– Sou só eu,
gordinha. Estás a te sentir melhor? Estás olhando para o vazio há uns bons
minutos. – O Cetitan ferido observou, com esforço devido à dor que sentia.
Ela recompôs a
postura, e assinalou com a cabeça.
Desejou
rebater o assunto, perguntar-lhe se ele estava bem, pois ele perdera muito
sangue, mas não tivera a devida oportunidade.
Pouco tempo
depois, uma Cetitan fêmea rebolou pela encosta abaixo, e foi na direção do
Cetitan, dando-lhe um enorme abraço para o receber. Sua face mostrava um
mesclar de grande preocupação e alivio. E à medida que notava a real gravidade
dos ferimentos, começou a desesperar, segurando a face do companheiro e lhe
limpando as feridas. A barbatana da fêmea logo ficou coberta pelo sangue
estancado do Cetitan macho.
– Andaste nas
turras com o Corvo outra vez?! A desgraça vai voltar a se abater sobre nós!
– Eu vou ficar
bem. Não se preocupe. – E deu-lhe um beijo firme na face. – Eu prometi a mim
mesmo que iria acabar com isto de uma vez por todas. Nem que demore uma
eternidade.
A fêmea fitou
as crianças, com grande ternura no olhar, que, de certa maneira, também foi
partilhada pelo companheiro. O grupinho estava tanto esfomeado que eram capazes
de comer mais uns bons punhados de berries.
A sorte que
eles tinham era que o vale carregava muitos minerais na neve, pedaços de gelo
que os Cetitan e Cetoddle comiam, mas isso não era bastante. Podiam fortalecer
seus poderes de gelo, mas seus corpos ainda necessitavam dos nutrientes
existentes nos ‘’alimentos reais’’.
Após
terminarem cada um sua cota, os pequenos mantiveram-se imóveis, ao redor do
pai.
– Wohali, por
favor. Para de acreditar em disparates. O Corvo é imparável. Eu não suporto
perder mais ninguém... – E a Cetitan fêmea fechou os olhos, virando-lhe as
costas. – Já conversámos sobre isto… Apenas… Continua a fazer o que aquele
maldito manda. Pelo nosso bem. Pelo bem deles… Pela memória dela…
– Sabes que eu
não vou descansar enquanto não acabar com isto. – Falou, numa atitude bem
séria, enquanto voltava a encarar a fadinha cor-de-rosa no meio da neve.
A Tinkatink,
por instantes, teve o corpo inundado por todas as atenções do local. Vários
outros Cetitan da colónia, e alguns outros Pokémon, muitos também do tipo gelo,
que por ali habitavam, aproximaram-se para atender as novidades e receber a
nova residente.
A esposa de
Wohali, foi, obviamente, a primeira a manifestar interesse pela pequena.
– Quem é essa
menina? – Ela questionou, de uma forma pasmada, ao se aperceber da presença da
Tinkatink, que podia se passar bem à vontade por uma Berry, apesar de todas
estas já estarem comidas.
A Tinkatink
abraçou o próprio braço, ansiosa, já que ela própria não tinha mais nada pelo
qual se agarrar para se sentir confortável face a tantas atenções. O peso do
martelo fazia mesmo a falta, mas, com sorte, em breve o recuperaria.
– O gordo lá
do vizinho não te contou?... Ela é a solução para todos os nossos problemas. –
Ele disse, em tom confiante.
– Wohali…
– Ouve… Eu sei
que a nossa pequena Brites nunca vai ser substituível. Mas…
– Não… Wohali…
Mais uma boca para sustentar?...
Ele baixou a
cabeça.
– Algumas
tradições dizem que sete é um número sagrado, pois representa as setes virtudes
de Arceus… Confia em mim, meu amor…
A fêmea adotou
uma pose pensativa enquanto fitava os seus filhos.
Mencionar o
Deus dos Pokémon sempre lhe apanhava desprevenida de alguma maneira. Nem todos
eram crentes por ali, mas Wohali confiava bastante nas forças da natureza, nos
sonhos e no destino, e para ele, alguém era a grande força responsável por
controlar tudo isso.
– Acho que
tens razão mas… Eu antes preferia dar-te outra cria que confiar assim tanto em
um Pokémon de outra raça que acabaste de conhecer… – E embaralhou-se, e
disfarçou. – Quer dizer… Aposto, tendo em conta o quanto és cabeça quente.
– Então, isso
significa que o vizinho sempre te disse a fofoca nova! Não precisas de
disfarçar! – Ele exclamou, um pouco brabo. – Ela será minha aprendiz, e se não
concordares com isso, então seja como quiseres!
– Primeiro
vamos para um sítio mais confortável para discutirmos o assunto. E deixa-me
cuidar dessas feridas antes que infeccionem mais! As crianças estão ouvindo e
vendo tudo aqui! Elas já estão traumatizadas que chegue com o rumo que a vida
está a tomar, não precisam de atender nossas discussões.
– Eu sei… Eu
sei… Mas lembra-te que não as podemos proteger assim para sempre.
– Eu as vou
proteger de tudo o que eu puder enquanto eu for viva.
A mulher
mandou as crias brincar para outro lado, e sem saber para onde ir, sem saber se
era mesmo ou não desejável, a Tinkatink procurou seguir as pequenas.
Os dois
cetáceos foram então até uma gruta profunda nas proximidades (o macho foi, mais
na obrigação do que outra coisa), onde discutiram em privado mais de trinta
minutos, até chegarem a um consenso. Pazes feitas e planos ditos, eles, por
fim, saíram, renovados, com outras expressões no olhar. Wohali parecia firme e
o sangue por fim estancara. As feridas cicatrizariam bem nas próximas semanas.
Os dois brincaram e rebolaram que nem bolas de futebol na neve da encosta como
uma espécie de ritual da natureza, se abraçaram, se beijaram, se acariciaram, e
depois, lá acasalaram no meio do gelo quando ninguém estava a olhar.
Os pequenos
Cetoddle eram companheiros bem agradáveis. Brincavam com o pouco que tinham à
disposição. Apesar da natureza territorial dos Cetitan, os Cetoddle eram
curiosos, e logo aceitaram a presença da fada, puxando por ela, incluindo esta
nas brincadeiras, e lhe mostraram o novo lar. A criança era tímida, mas isso
não era problema para as outras crianças, que não a excluíam ou tratavam por
estranha, como geralmente acontecia às crias mais reservadas, muito pelo
contrário, integravam-na o melhor possível.
– És nosso
novo irmãozinho? – Questionou um.
– Vamos
brincar! – Exclamou outro, a empurrando amigavelmente no braço. – Pronto!
Apanhei-te! Agora apanha-me tu se puderes!
E todos
desataram a correr, às gargalhadas, fugindo dela.
Ela olhou o
seu redor, confusa por o que ocorria.
A Tinkatink
não estava habituada á presença de outros Pokémon. Eram fadas solitárias e
independentes, e por isso, ao início não entendeu exatamente o que estava a
acontecer por nunca ter brincado assim com ninguém, mas logo entrou também na
brincadeira, acreditando ser parte inicial do plano de treinamento que ela
desejava sofrer.
Porém, sua
percepção mudou, e tão rapidamente pensou ser um treino, como tão rapidamente
abraçou as gargalhadas e a diversão.
Percorreram
todo aquele vale, e a recém-chegada logo ficou a conhecer muitos dos seus
recantos. Facilmente descobriu que o rio dava uma volta e terminava num grande
riacho que serpenteava por entre umas rochas salientes montanha abaixo, muito
além do seu sopé, até um enormíssimo lago que os humanos tratavam por Lago Casseroya.
Aquele vale
era o lar da nascente daquele mesmo riacho, que podia ser visitada metros
acima. Um fio de água caía constantemente, proveniente de uma estreita gruta
numa elevação de rochas geladas, e tal pequena queda d’água formava uma lagoa
na base das rochas.
Os Cetoddle
pararam na beira da água, e se agacharam para beber. Toda a corrida e
brincadeira dera muita sede aos seis rechonchudos Pokémon, que também não
paravam de gritar e de falar, pois eram muito barulhentos. A Tinkatink fez o
mesmo, e refrescou-se. Apesar de toda a neve e gelo da paisagem, a água não era
fria ao ponto de congelar as papilas gustativas, muito pelo contrário, morna e
suave, como se aquecida pela força do interior da terra.
– Afinal, como
te chamas? – Questionou-lhe um dos Cetoddle, um de ar curioso. Entre os seis,
parecia o mais velho.
– Sim, se vais
viver connosco temos que saber o teu nome! – Afirmou o segundo Cetoddle no
comando.
A Tinkatink
fitou-o. Não era alguém de muitas palavras. Ela não soube bem o que responder.
O que era um nome, afinal? Será que ela tinha algum? Ela nunca havia sido
nomeada por ninguém, e foi a primeira vez que se deparara com a questão que era
simplória e normal para muitos.
– O que foi?
Passa-se alguma coisa?
– Sim, diz-nos
quem tu és!
– Um Sneasel
comeu-te a língua? – Riu um outro Cetoddle.
E a pressão das perguntas sem resposta começaram a deixar a fada cor-de-rosa visualmente perturbada.
– Ela não tem
um nome, ainda. – O grupo ouviu a voz súbita de um adulto nas proximidades, e a
figura imponente de Wohali surgiu atrás deles.
– Papá! Estás
melhor? – E as crianças largaram a fada imediatamente para rodearem o
recém-chegado.
– Estou, estou
sim. E muito bem. A vossa mãe faz milagres. – Ele riu, fitando a fadinha. –
Essa pequena Tinkatink viverá connosco de agora em diante, quero que ela seja
bem tratada e bem-vinda na nossa família. Não a pressionem. Ela tem um papel
muito importante a cumprir.
– E que papel
é esse, papá? – Questionou um dos pequenos, com os olhos a faiscar de
entusiasmo.
– Ela encontrou-me. E pediu-me para treiná-la.
Vai ser um processo demorado mas… Nós os dois vamos fazer os possíveis para
acabar com o Corvo de uma vez por todas.
Os Cetoddles
deixaram de sorrir, e fizeram um silêncio. Reuniram-se num montezito de cabeças
sorridentes, ansiosos em ouvir mais.
– Isso… Não é
demasiado perigoso, papá?
– O Corvo já
não magoou o papá o suficiente?
– Feridas são
inevitáveis, mas quando chegar o momento, estaremos todos crescidos o bastante
para nos sabermos defender e sobreviveremos. Já aguentámos pior, e muito, até
agora, não foi?
E ele abraçou
todas as suas crianças, que pareceram recuperar um espírito de esperança em
seus corações.
– Então ela é
tipo uma predestinada? Igual aqueles heróis das histórias da mamã?
Wohali soltou
uma gargalhada.
– Quase isso.
A fadinha
estava alheia a toda a conversa, mas assistir ao abraço reacendeu um fogo
imenso em seu coração. O grupo voltou às brincadeiras, e ela entrou no clima
com eles. Por instantes, esqueceu-se da falta que o peso de um martelo lhe
fazia nos braços. Só seria uma pena que tal momento de lazer com o grupinho das
crias não seria duradouro. Em breve, o Cetitan das cicatrizes voltaria para a
vir buscar e iniciar os tão almejados treinos.
E em breve,
ela teria que arranjar um substituto para sua arma. Alguma coisa mais
resistente que um simplório ramo de árvore.
Ao final do
dia, reuniram-se todos na gruta maior, ao lado dos Cetitan. Sem saber ao certo
se tinha ou não permissão ali, a Tinkatink ficou ao relento, observando as
cores do anoitecer. A neve parecia pintada de dourados à medida que o sol
descia, até se esconder por completo e tudo ficar escuro e ainda mais frio.
Quando dormiam
todos a sono solto, Wohali deixou o conforto do seu covil e procurou pela
criança em falta. Ele sabia que não a devia pressionar a juntar-se ao grupo
logo na primeira noite, pois a pequena estava ainda a processar muita
informação nova a respeito do que ocorria, tanto com ela, como na montanha. Ele
pretendia deixar tudo fluir ao seu próprio ritmo. A criança se juntaria a todos
quando se sentisse pronta a tal.
Saiu da gruta
e cheirou o ar denso do início da noite. A princípio, não a viu, e precisou
penetrar um pouco mais além do nevoeiro serrado para a encontrar.
A Tinkatink
situava-se perto da nascente do rio, na orla da água do seu bem distinto lago.
Ali a paz era quase total, o que era bem-vindo após o dia todo a ouvir gritos
confusos de outras crianças e a ser puxada de um lado a outro pelos Cetoddle
tagarelas. Gostava deles, e da companhia deles sim, mas ainda sentia mais
conforto na solidão, por estar tão acostumada a esta. Era como se ser mais
sociável sugasse suas energias, por isso, precisava da solidão e do sossego da
noite para recarregar as baterias e pôr em ordem nos pensamentos.
Numa área em
específico em torno deste lago, concentravam-se pedrinhas redondas, que caíam
vez ou outra com a água da cachoeira, e acumulavam-se no fundo da poça, sendo
depositadas na neve devido à força da corrente. A criança havia deixado um
pequeno pau caído num lado, e no outro, reunia as pedrinhas para a construção
de um montinho firme, como um pilar de pedregulhos. Uma brincadeira simples,
que adorava fazer sempre antes de anoitecer, ao estar deitada no solo.
Devido ao som
constante da água, não notou a aproximação inicial do cetáceo. Mas a sombra do
mesmo estendeu-se na parede à sua frente, e logo ela se apercebeu e o encarou.
O velho Cetitan não estava de mãos a abanar, pois trazia consigo um embrulho de
folhas e ramos espessos, recordando o papel de embrulho de algum tipo de presente.
A silhueta era longa e fina, comprida, maior do que seu vasto corpo.
Ela sentiu o
leve toque do novo amigo.
– Tens a
certeza que queres fazer isto, pequena? O Corvo não é brincadeira.
– Sim. – A
resposta da Tinkatink foi curta, direta, compreendendo onde o assunto queria
chegar.
O olhar da
criança não parava de fitar as águas da cachoeira embatendo no pequeno lago, e,
mais a baixo, o lago sendo cortado pelo relevo irregular do vale e formando o
riacho que desaguava no maior lago de toda Paldea quilómetros abaixo. O Cetitan
sentou-se ao seu lado.
– És forte, e
determinada. Gosto disso. Amanhã começamos os treinos mal o sol nascer... E se
sentires frio durante a noite, podes dormir ao lado dos meus filhos. Não tenhas
vergonha. Lá dentro é mais aconchegante que aqui fora.
Aconchego…
Quantas vezes
ela fora amaldiçoada pelo peso daquela simplória palavra? Com a ave negra à
espreita a cada segundo lá no topo da montanha, era difícil imaginar agora o
que a palavra aconchego realmente significava, pois aquele perigo começava a
fazer a palavra perder o sentido.
Ela abanou a
cabeça.
Não era como
se o bafo gelado daqueles Pokémon do tipo gelo lhe fosse aquecer mais, de
qualquer das maneiras, lá entre o ninho deles. Antes ficar por ali. A água
quentinha da nascente amenizava a qualidade do ar, e a parede rochosa
proporcionava um excelente abrigo sem teto. A neve quase nem caia ali. Sem
mencionar que, uma parte da vista era caracterizada pela colina onde o
Corviknight se empoleirava, e assim, ela podia vigiá-lo por entre as paredes
altas.
Alguém tinha que ficar à espreita durante a noite, algo que, pelo conhecimento vago dela, não acontecia entre a colónia dos Cetitan.
Ela já se
habituara há muito a dormir ao relento em todas as suas outras paragens, sempre
alerta ao perigo iminente.
– Não quero
que te sintas forçada a nada. – O Cetitan prosseguiu. – Por isso, fica a saber
que o treino vai ser duro.
– Sim, mestre.
– Falou ela, por fim.
Ele assentiu.
Mestre…
Ser tratado
por tal maneira formal despertou em seu interior uma sensação diferente, há
muito esquecida. Ele não gostou de tal tom.
– Acredito que
foste uma mensagem que o universo me deu. Não me desiludas. Vamos acabar com o
reinado de terror daquela ave… – Depois, refletiu um pouco e acrescentou. – E
não me voltes a tratar por mestre.
Mestre é demasiado formal. Meu nome é Senhor
Wohali.
– Desiludir?
Não o farei não, senhor... Só queria o meu martelo de volta. – grunhiu, com os
ombros encolhidos e a vozinha aflautada. – Ele é mau e merece sair do trono
dele.
– É esse o
espírito!
E o Pokémon
baleia entregou-lhe o embrulho. A Tinkatink não sabia o que era um presente,
logo pensou ser mais alimento, já que uma Oran Berry por si só, já às horas que
fora ingerida, não sustentava seu estômago.
Mal Wohali
notou ela a lamber a superfície do embrulho, intersectou-a de avançar.
Infelizmente, não tinha mais nada para a alimentar, e por muita pena sua, teve
que aguentar o som que era a barriga da criança a roncar durante todo o
restante dialogo.
E suster uma
certa sensação de culpa durante o resto a noite.
– Não! Não!
Não é de comer! É um embrulho. Esconde uma coisa que é para ti. Desembrulha
assim… Vês?... – E puxou numa das extremidades, mostrando-lhe como se fazia.
Ela seguiu-lhe
os gestos, e folha a folha, removeram o papel verdejante que cobria o longo pau
de madeira polida. Ela sentiu um sorriso assumir-lhe o rosto ao notar numa das
extremidades o tipo de material amado que á muito não tinha em mãos.
Metal.
Uma negra
chapa achatada estava presa ao pau. E apesar de um certo nível de ferrugem, não
existia melhor encanto e surpresa naquele dia para a pequena. Usando suas
capacidades naturais, podia moldar a chapa para assumir qualquer forma que
desejasse, mas, gostou dela assim.
Levantou-se, e
manobrou o pau, fazendo este zumbir à medida que cortava o ar. Analisava-lhe a
forma e acostumava-se ao peso. Ainda era pequena, demasiado para conseguir
suster o objeto com perfeição, logo desequilibrou-se incontáveis vezes, mas com
o tempo e com o treino, iria se acostumar com a nova arma.
– Diverte-te
com essa pá humana. – O Cetitan sorria ao contemplar a felicidade da
companheira. – Os Pokémon da vossa espécie precisam de uma arma de metal para
se sentirem completos. Não é um martelo, mas eu achei essa pá um bom
substituto. Parece adequada. Mais tarde encontraremos algo melhor.
– Não! É
perfeita! – Disse a pequena num guinchinho de felicidade.
Ao notar o
olhar hipnotizado e brilhante da criança, o Cetitan decidiu retirar-se
devagarinho, deixando a Tinkatink sozinha, a se divertir com a pá. Era quase
como um momento de intimidade para a menina.
A pequena já
imaginava usar a pá para cavar uma sepultura para todos os seus inimigos.
Iria precisar de um buraco bem fundo para o Corvo.
O treinamento
a sério consistia em seguir as pegadas de Wohali para todos os locais que ele
fosse, o auxiliando em suas tarefas diárias e missões. Logo descobriu que eram
poucas as vezes que os Cetitan do vale paravam em seu lar para ver suas
famílias, e naquela mesma semana, Wohali, e mais uns quantos habitantes dali,
eram os encarregados das tarefas a se fazer na área sul da montanha.
Na próxima
semana, seria a vez de um Cetitan desdentado ser o responsável por enfrentar
nevões constantes e explorar a montanha em busca de alimento para oferecer ao
Corvo. E na semana a seguir a essa, a esposa de Wohali se aventuraria ao lado
de um bando de Sneasels encosta a baixo, sempre para sul, enquanto os outros
dois teciam uma rota de exploração pela encosta da montanha, em sentido
horário.
E assim,
trocavam as zonas de exploração numa espécie de turnos, enquanto que, uma vez
por mês, alguém tomava conta das crias.
– Levanta mais
o peito para cima… Aperta mais os punhos… – Eram as ordens de Wohali enquanto a
treinava a Tinkatink, nos momentos vagos em meio a suas tarefas.
Antes do sol
nascer, eles haviam se reunido no centro do vale. Agora, desciam em caminhada
constante, sempre acompanhando o leito do riacho. As nuvens densas encobriam o
sol matinal ao ponto de ainda estar escuro.
O objetivo era descerem a montanha. Era um pouco arriscado e demorado, mas Wohali garantiu que no sopé de Glaseado, devido à altitude, a abundância era maior. Também mencionou um vizinho de Glaseado, lugar mais além, chamado Trilho Socarrat, onde o clima era mais quente, mas onde árvores cresciam em abundancia e alimento nunca terminava. Ir até Socarrat demorava dias, mas era uma caminhada que sempre tentavam fazer pois não passava de um sacrifício que muitas vezes os salvavam.
A manhã
avançou, até a posição do sol anunciar o meio-dia.
O Cetitan
ensinou-lhe um pouco de tudo sobre as berries que nasciam por ali e que eles
colhiam, e a distinguir quais eram ou não os arbustos venenosos nas áreas sem
neve, onde a grama crescia forte e saudável no pico do Verão. Em poucas horas,
também aprendera nomes de Pokémon que não conhecia nem imaginava existirem por
ali, além dos nomes de algumas plantas e árvores.
Wohali não
estava a brincar quando disse-lhe que o treino seria intensivo.
A caminhada
avançava á horas, sem parar, nem para comer, nem para beber, nem para respirar,
e a Tinkatink já sentia os pezinhos gelarem, e os dedos que seguravam sua pá
estavam a começar a ficar dormentes.
Em certo
ponto, caiu no solo, exausta, e estava tão fraca que não conseguiu se levantar.
A criança
fizera tudo à risca, com um esforço enorme, para tentar impressionar. Muitos
trilhos percorridos pelo Cetitan eram arriscados, mas ela aguentava firme
qualquer desafio.
Mas ela tinha seus limites, e mais uma vez, ela não passava de uma criança, e sentia sempre uma pontada de pena quando sua mente recuava até o vale, e as brincadeiras e palhaçadas do grupinho de Cetoddle enchiam as memórias com risos de diversão.
Ocorreu-lhe a ideia ousada de que não podia
voltar a integrar-se a eles quando regressa-se, pois se o fizesse, demonstrava
fraqueza, e com a fraqueza, existia sempre o medo do Cetitan desistir de a
treinar, pois deixaria de acreditar nela.
Ele parara
para a auxiliar, e deixou-a recuperar o fôlego enquanto ele próprio cessava o
seu avanço pelo trilho a sul.
– Já ouviste a
história da Lechonk que furou Glaseado? – Questionou momentos mais tarde.
Talvez, ele
próprio se apercebera que já estava muita informação incluída dentro da cabeça
da jovem, e estava na altura de relaxar um pouco antes de prosseguirem, só para
organizarem as ideias.
Contar uma
história local parecia uma boa maneira para aclarar os ânimos.
Ela disse não
com a cabeça, sem palavras, para lhe responder, enquanto seu peito subia e
descia descompassadamente devido ao cansaço. Nunca convivera assim com ninguém
antes, sempre fora solitária, óbvio que não conhecia as histórias que o vento
soprava em torno da montanha.
Wohali então
sentou-se ao lado dela, e começou a narrar, esperando que a criança
compreendesse aquelas palavras. Em breve, ambos ficaram absortos na história.
Era uma vez, há muitos anos, uma pequena e
pobre família de humanos em Zapapico que decidiram iniciar uma criação de
porcos. O casal tinha uma única filha, e o homem era um camponês honrado, que
não tinha muito para alimentar a casa, mas fazia todos os possíveis para não
passarem fome.
Eles possuíam um Lechonk de estimação, e numa
tentativa desesperada para reorganizarem a vida, decidiram arranjar uma fêmea
para procriar. No início, a menina Lechonk custou-lhe uns bons trocados, mas o
casal sabia que, com a chegada das crias dos dois Lechonk, a vida iria
melhorar. O dinheiro regressaria à bolsa, pois a venda dos leitões cobriria
todas as despesas.
Em poucos meses, a família fez dinheiro
suficiente para pagar as dívidas que tinham na mercearia local e outras
pequenas contas em atraso.
Logo de manhã, a primeira coisa que os donos
faziam era visitar os porcos para ver como estavam, pois criaram um forte
vínculo por eles. Acariciavam-nos com palmadinhas no lombo e davam-lhes fartas
tigelas de milho em grão, e aguardavam a chegada e a partida dos pequenos
leitões.
Mas
certo dia, ao chegarem ao curral, não viram um dos Lechonk lá dentro, a fêmea,
no caso.
Começaram a desesperar. O camponês correu
até a mulher e a filha sempre a lamentar-lhe, e percorreu toda a cidade e suas
ruas e becos escuros, em busca do animal desaparecido ou até mesmo possíveis
responsáveis pelo roubo.
Foi uma confusão tão grande que muitos
vizinhos e clientes habituais, que vez ou outra compravam Lechonk àquela
família, logo decidiram auxiliar ao aderir à causa para procurarem o Pokémon
juntos.
Viraram Zapapico do avesso, tamanho era o
desespero do dono da Lechonk. Procuraram em todos os trilhos entre as estradas,
em todos os baldes de lixo da rua, no interior de todas as casas.
Mas não havia qualquer sinal da Lechonk.
A filha do casal, ao ver os pais aflitos,
decidiu entrar também na incessante busca, pois também adorava a porca e os
ovos de Pokémon que desapareceram com ela, e o dinheiro que estes iriam render
iria fazer muita falta.
Olhou para a estrada a norte da cidade,
estrada esta que serpenteava sempre para cima, até Glaseado, e, apesar das
hipóteses quase nulas da porca ter ido por aquele caminho, lembrou-se de
procurar por lá.
Atravessou a passagem Dalizapa. E nada.
Subiu, e subiu, e nada.
Nada, pelo menos, até procurar tanto na
montanha e atingir o ponto mais alto de Paldea.
E não é que, para seu espanto, ao olhar para
o interior de uma cratera estranha recentemente formada na base da montanha,
encontrou a porca alimentando os seus leitõezinhos?
A jovem ficou radiante de felicidade, e como
não sabia como tanto uma cratera como a própria Pokémon foram ali acima parar,
gritou, eufórica, a sua suposição.
A primeira suposição que lhe viera à cabeça.
– A
Lechonk furou a montanha! A Lechonk furou a montanha!
Trouxe o animal de volta a casa, sempre a
gritar, e tudo voltou à normalidade.
E os gritos da jovem nunca foram esquecidos.
Ainda hoje, muitos que passam pela montanha,
e encontram alguma cratera funda ou alguma espécie de cavidade entre a neve,
gozam o sucedido, e perguntam sempre, com ironia.
– Será que foi algum Lechonk que furou a
neve?
Os habitantes de Zapapico reagem com fúria e
revolta, soltando pragas, sempre que alguém faz troça deles em frente a eles,
pois eles não são nenhuns parvalhões, como a lenda dita.
Tudo não passou de um mal-entendido da jovem
da história, que ficou imaginando barbaridades, e um povo inteiro não deve
carregar a fama de doidice que um individuo conquistou por si só.
Mas uma coisa é certa, não existem crateras
fundas na montanha, e se foi mesmo ou não uma pesada porca a cair do céu com
seus filhotes, sabe-se lá como, e a fazer aquilo, o facto mantém-se ainda em
mistério até hoje.
– É uma lenda
humana. Mas acho que podemos tirar uma boa lição disto. – Falou o Cetitan, para
concluir. – O que achaste?
– Acho que não
compreendi lá muito bem.
O Cetitan
coçou a cabeça, pois se esquecera, mais uma vez, que conversava apenas com uma
criança. E acabou por recontar a história, nesse momento, de uma forma bem mais
adequada à idade da pequena, suavizando e simplificando o vocabulário para
aumentar a sua compreensão.
– Então a
Grande Cratera de Paldea formou-se porque um Lechonk caiu do céu? – A Tinkatink
sorria, com os olhos a brilhar.
– A história
não menciona que a cratera seja a Grande Cratera de Paldea em específico. É
apenas um buraco qualquer que apareceu em Glaseado. – E gargalhou. – Mas nesse
caso… Deve ter sido uma porca mesmo muito grande para ter formado esse
enormíssimo poço no centro da região!