Posted by : Shiny Reshiram 15 de out. de 2024


Depois de se deliciar com a simplória Oran Berry, olhou em todo o seu redor. A neve fresca era fofa, as paredes em torno daquele sítio impediam os ventos de soprar com força, e as águas do rio eram calmas e ricas em Pokémon peixes, que tinham cara de ser excelentes vizinhos. Em muitos locais, grutas de gelo escavadas sobre as paredes de rocha e neve davam óptimos abrigos a quem ali habitava durante as tempestades e nevões.


Não parecia ser um sítio mau.


Obviamente, não se comparava em nada ao sítio quente e verdejante de Verão entre rochedos onde ela nascera… Sítio tal que ela nunca mais reencontrara e sentia já tanta saudade…


Mas com o tempo, ela poderia se habituar a tal passividade e começar a tratar aquele espacito do vale por seu novo lar…


Se o Corvo não o destruísse primeiro… É claro.


O Corvo…


Ela sentiu um arrepio na espinha. Talvez o efeito dos poderes curativos da Oran Berry já a lhe afetarem, ou apenas o medo que a simplória palavra lhe impôs no corpo.


Sua primeiríssima experiência com o Rei da montanha não fora a melhor. O maldito lhe roubara o martelo, e ela agora descobrira que ele não passava de um governador tirano que magoava os Pokémon locais, lhes arrancando partes do corpo e os deixando morrer de fome, por puro prazer.


Sacudiu a sua face, tentando se despertar dos pensamentos.


Ela não podia sentir medo dele. Ela não queria sentir medo daquela maldita criatura.


Ela tinha que ser a responsável. Aquela que libertaria a montanha do terror.


Ela teria de ser a salvadora daquela gente, além de vingar e recuperar o seu martelo precioso.


Olhou para cima. Quilómetros no céu lá estava o pico maior de Gleaseado, com a ave negra muito bem empoeirada em seu cume, adotando a forma de um pontinho negro distante, do tamanho de um grão de areia.


As densas nuvens rapidamente encobriram a visão.


Será que ele também a observava lá em baixo? Uma baga rosa e bem suculenta no meio da neve…


A Tinkatink estremeceu com a ideia, e apesar de tentar controlar os impulsos do seu corpo, deu um pulo, alerta, após sentir um toque amigo atrás de si.


Wohali deu uma gargalhada.


– Sou só eu, gordinha. Estás a te sentir melhor? Estás olhando para o vazio há uns bons minutos. – O Cetitan ferido observou, com esforço devido à dor que sentia.


Ela recompôs a postura, e assinalou com a cabeça.


Desejou rebater o assunto, perguntar-lhe se ele estava bem, pois ele perdera muito sangue, mas não tivera a devida oportunidade.


Pouco tempo depois, uma Cetitan fêmea rebolou pela encosta abaixo, e foi na direção do Cetitan, dando-lhe um enorme abraço para o receber. Sua face mostrava um mesclar de grande preocupação e alivio. E à medida que notava a real gravidade dos ferimentos, começou a desesperar, segurando a face do companheiro e lhe limpando as feridas. A barbatana da fêmea logo ficou coberta pelo sangue estancado do Cetitan macho.


– Andaste nas turras com o Corvo outra vez?! A desgraça vai voltar a se abater sobre nós!


– Eu vou ficar bem. Não se preocupe. – E deu-lhe um beijo firme na face. – Eu prometi a mim mesmo que iria acabar com isto de uma vez por todas. Nem que demore uma eternidade.


A fêmea fitou as crianças, com grande ternura no olhar, que, de certa maneira, também foi partilhada pelo companheiro. O grupinho estava tanto esfomeado que eram capazes de comer mais uns bons punhados de berries.


A sorte que eles tinham era que o vale carregava muitos minerais na neve, pedaços de gelo que os Cetitan e Cetoddle comiam, mas isso não era bastante. Podiam fortalecer seus poderes de gelo, mas seus corpos ainda necessitavam dos nutrientes existentes nos ‘’alimentos reais’’.


Após terminarem cada um sua cota, os pequenos mantiveram-se imóveis, ao redor do pai.


– Wohali, por favor. Para de acreditar em disparates. O Corvo é imparável. Eu não suporto perder mais ninguém... – E a Cetitan fêmea fechou os olhos, virando-lhe as costas. – Já conversámos sobre isto… Apenas… Continua a fazer o que aquele maldito manda. Pelo nosso bem. Pelo bem deles… Pela memória dela


– Sabes que eu não vou descansar enquanto não acabar com isto. – Falou, numa atitude bem séria, enquanto voltava a encarar a fadinha cor-de-rosa no meio da neve.


A Tinkatink, por instantes, teve o corpo inundado por todas as atenções do local. Vários outros Cetitan da colónia, e alguns outros Pokémon, muitos também do tipo gelo, que por ali habitavam, aproximaram-se para atender as novidades e receber a nova residente.


A esposa de Wohali, foi, obviamente, a primeira a manifestar interesse pela pequena.


– Quem é essa menina? – Ela questionou, de uma forma pasmada, ao se aperceber da presença da Tinkatink, que podia se passar bem à vontade por uma Berry, apesar de todas estas já estarem comidas.


A Tinkatink abraçou o próprio braço, ansiosa, já que ela própria não tinha mais nada pelo qual se agarrar para se sentir confortável face a tantas atenções. O peso do martelo fazia mesmo a falta, mas, com sorte, em breve o recuperaria.


– O gordo lá do vizinho não te contou?... Ela é a solução para todos os nossos problemas. – Ele disse, em tom confiante.


– Wohali…


– Ouve… Eu sei que a nossa pequena Brites nunca vai ser substituível. Mas…


– Não… Wohali… Mais uma boca para sustentar?...


Ele baixou a cabeça.


– Algumas tradições dizem que sete é um número sagrado, pois representa as setes virtudes de Arceus… Confia em mim, meu amor…


A fêmea adotou uma pose pensativa enquanto fitava os seus filhos.


Mencionar o Deus dos Pokémon sempre lhe apanhava desprevenida de alguma maneira. Nem todos eram crentes por ali, mas Wohali confiava bastante nas forças da natureza, nos sonhos e no destino, e para ele, alguém era a grande força responsável por controlar tudo isso.


– Acho que tens razão mas… Eu antes preferia dar-te outra cria que confiar assim tanto em um Pokémon de outra raça que acabaste de conhecer… – E embaralhou-se, e disfarçou. – Quer dizer… Aposto, tendo em conta o quanto és cabeça quente.


– Então, isso significa que o vizinho sempre te disse a fofoca nova! Não precisas de disfarçar! – Ele exclamou, um pouco brabo. – Ela será minha aprendiz, e se não concordares com isso, então seja como quiseres!


– Primeiro vamos para um sítio mais confortável para discutirmos o assunto. E deixa-me cuidar dessas feridas antes que infeccionem mais! As crianças estão ouvindo e vendo tudo aqui! Elas já estão traumatizadas que chegue com o rumo que a vida está a tomar, não precisam de atender nossas discussões.


– Eu sei… Eu sei… Mas lembra-te que não as podemos proteger assim para sempre.


– Eu as vou proteger de tudo o que eu puder enquanto eu for viva.


A mulher mandou as crias brincar para outro lado, e sem saber para onde ir, sem saber se era mesmo ou não desejável, a Tinkatink procurou seguir as pequenas.


Os dois cetáceos foram então até uma gruta profunda nas proximidades (o macho foi, mais na obrigação do que outra coisa), onde discutiram em privado mais de trinta minutos, até chegarem a um consenso. Pazes feitas e planos ditos, eles, por fim, saíram, renovados, com outras expressões no olhar. Wohali parecia firme e o sangue por fim estancara. As feridas cicatrizariam bem nas próximas semanas. Os dois brincaram e rebolaram que nem bolas de futebol na neve da encosta como uma espécie de ritual da natureza, se abraçaram, se beijaram, se acariciaram, e depois, lá acasalaram no meio do gelo quando ninguém estava a olhar.


Os pequenos Cetoddle eram companheiros bem agradáveis. Brincavam com o pouco que tinham à disposição. Apesar da natureza territorial dos Cetitan, os Cetoddle eram curiosos, e logo aceitaram a presença da fada, puxando por ela, incluindo esta nas brincadeiras, e lhe mostraram o novo lar. A criança era tímida, mas isso não era problema para as outras crianças, que não a excluíam ou tratavam por estranha, como geralmente acontecia às crias mais reservadas, muito pelo contrário, integravam-na o melhor possível.



– És nosso novo irmãozinho? – Questionou um.


– Vamos brincar! – Exclamou outro, a empurrando amigavelmente no braço. – Pronto! Apanhei-te! Agora apanha-me tu se puderes!


E todos desataram a correr, às gargalhadas, fugindo dela.


Ela olhou o seu redor, confusa por o que ocorria.


A Tinkatink não estava habituada á presença de outros Pokémon. Eram fadas solitárias e independentes, e por isso, ao início não entendeu exatamente o que estava a acontecer por nunca ter brincado assim com ninguém, mas logo entrou também na brincadeira, acreditando ser parte inicial do plano de treinamento que ela desejava sofrer.


Porém, sua percepção mudou, e tão rapidamente pensou ser um treino, como tão rapidamente abraçou as gargalhadas e a diversão.


Percorreram todo aquele vale, e a recém-chegada logo ficou a conhecer muitos dos seus recantos. Facilmente descobriu que o rio dava uma volta e terminava num grande riacho que serpenteava por entre umas rochas salientes montanha abaixo, muito além do seu sopé, até um enormíssimo lago que os humanos tratavam por Lago Casseroya.


Aquele vale era o lar da nascente daquele mesmo riacho, que podia ser visitada metros acima. Um fio de água caía constantemente, proveniente de uma estreita gruta numa elevação de rochas geladas, e tal pequena queda d’água formava uma lagoa na base das rochas.


Os Cetoddle pararam na beira da água, e se agacharam para beber. Toda a corrida e brincadeira dera muita sede aos seis rechonchudos Pokémon, que também não paravam de gritar e de falar, pois eram muito barulhentos. A Tinkatink fez o mesmo, e refrescou-se. Apesar de toda a neve e gelo da paisagem, a água não era fria ao ponto de congelar as papilas gustativas, muito pelo contrário, morna e suave, como se aquecida pela força do interior da terra.


– Afinal, como te chamas? – Questionou-lhe um dos Cetoddle, um de ar curioso. Entre os seis, parecia o mais velho.


– Sim, se vais viver connosco temos que saber o teu nome! – Afirmou o segundo Cetoddle no comando.


A Tinkatink fitou-o. Não era alguém de muitas palavras. Ela não soube bem o que responder. O que era um nome, afinal? Será que ela tinha algum? Ela nunca havia sido nomeada por ninguém, e foi a primeira vez que se deparara com a questão que era simplória e normal para muitos.


– O que foi? Passa-se alguma coisa?


– Sim, diz-nos quem tu és!


– Um Sneasel comeu-te a língua? – Riu um outro Cetoddle.


E a pressão das perguntas sem resposta começaram a deixar a fada cor-de-rosa visualmente perturbada.


– Ela não tem um nome, ainda. – O grupo ouviu a voz súbita de um adulto nas proximidades, e a figura imponente de Wohali surgiu atrás deles.


– Papá! Estás melhor? – E as crianças largaram a fada imediatamente para rodearem o recém-chegado.


– Estou, estou sim. E muito bem. A vossa mãe faz milagres. – Ele riu, fitando a fadinha. – Essa pequena Tinkatink viverá connosco de agora em diante, quero que ela seja bem tratada e bem-vinda na nossa família. Não a pressionem. Ela tem um papel muito importante a cumprir.


– E que papel é esse, papá? – Questionou um dos pequenos, com os olhos a faiscar de entusiasmo.


– Ela encontrou-me. E pediu-me para treiná-la. Vai ser um processo demorado mas… Nós os dois vamos fazer os possíveis para acabar com o Corvo de uma vez por todas.


Os Cetoddles deixaram de sorrir, e fizeram um silêncio. Reuniram-se num montezito de cabeças sorridentes, ansiosos em ouvir mais.


– Isso… Não é demasiado perigoso, papá?


– O Corvo já não magoou o papá o suficiente?


– Feridas são inevitáveis, mas quando chegar o momento, estaremos todos crescidos o bastante para nos sabermos defender e sobreviveremos. Já aguentámos pior, e muito, até agora, não foi?


E ele abraçou todas as suas crianças, que pareceram recuperar um espírito de esperança em seus corações.


– Então ela é tipo uma predestinada? Igual aqueles heróis das histórias da mamã?


Wohali soltou uma gargalhada.


– Quase isso.


A fadinha estava alheia a toda a conversa, mas assistir ao abraço reacendeu um fogo imenso em seu coração. O grupo voltou às brincadeiras, e ela entrou no clima com eles. Por instantes, esqueceu-se da falta que o peso de um martelo lhe fazia nos braços. Só seria uma pena que tal momento de lazer com o grupinho das crias não seria duradouro. Em breve, o Cetitan das cicatrizes voltaria para a vir buscar e iniciar os tão almejados treinos.


E em breve, ela teria que arranjar um substituto para sua arma. Alguma coisa mais resistente que um simplório ramo de árvore.


Ao final do dia, reuniram-se todos na gruta maior, ao lado dos Cetitan. Sem saber ao certo se tinha ou não permissão ali, a Tinkatink ficou ao relento, observando as cores do anoitecer. A neve parecia pintada de dourados à medida que o sol descia, até se esconder por completo e tudo ficar escuro e ainda mais frio.


Quando dormiam todos a sono solto, Wohali deixou o conforto do seu covil e procurou pela criança em falta. Ele sabia que não a devia pressionar a juntar-se ao grupo logo na primeira noite, pois a pequena estava ainda a processar muita informação nova a respeito do que ocorria, tanto com ela, como na montanha. Ele pretendia deixar tudo fluir ao seu próprio ritmo. A criança se juntaria a todos quando se sentisse pronta a tal.


Saiu da gruta e cheirou o ar denso do início da noite. A princípio, não a viu, e precisou penetrar um pouco mais além do nevoeiro serrado para a encontrar.


A Tinkatink situava-se perto da nascente do rio, na orla da água do seu bem distinto lago. Ali a paz era quase total, o que era bem-vindo após o dia todo a ouvir gritos confusos de outras crianças e a ser puxada de um lado a outro pelos Cetoddle tagarelas. Gostava deles, e da companhia deles sim, mas ainda sentia mais conforto na solidão, por estar tão acostumada a esta. Era como se ser mais sociável sugasse suas energias, por isso, precisava da solidão e do sossego da noite para recarregar as baterias e pôr em ordem nos pensamentos.


Numa área em específico em torno deste lago, concentravam-se pedrinhas redondas, que caíam vez ou outra com a água da cachoeira, e acumulavam-se no fundo da poça, sendo depositadas na neve devido à força da corrente. A criança havia deixado um pequeno pau caído num lado, e no outro, reunia as pedrinhas para a construção de um montinho firme, como um pilar de pedregulhos. Uma brincadeira simples, que adorava fazer sempre antes de anoitecer, ao estar deitada no solo.


Devido ao som constante da água, não notou a aproximação inicial do cetáceo. Mas a sombra do mesmo estendeu-se na parede à sua frente, e logo ela se apercebeu e o encarou. O velho Cetitan não estava de mãos a abanar, pois trazia consigo um embrulho de folhas e ramos espessos, recordando o papel de embrulho de algum tipo de presente. A silhueta era longa e fina, comprida, maior do que seu vasto corpo.


Ela sentiu o leve toque do novo amigo.


– Tens a certeza que queres fazer isto, pequena? O Corvo não é brincadeira.


– Sim. – A resposta da Tinkatink foi curta, direta, compreendendo onde o assunto queria chegar.


O olhar da criança não parava de fitar as águas da cachoeira embatendo no pequeno lago, e, mais a baixo, o lago sendo cortado pelo relevo irregular do vale e formando o riacho que desaguava no maior lago de toda Paldea quilómetros abaixo. O Cetitan sentou-se ao seu lado.


– És forte, e determinada. Gosto disso. Amanhã começamos os treinos mal o sol nascer... E se sentires frio durante a noite, podes dormir ao lado dos meus filhos. Não tenhas vergonha. Lá dentro é mais aconchegante que aqui fora.


Aconchego


Quantas vezes ela fora amaldiçoada pelo peso daquela simplória palavra? Com a ave negra à espreita a cada segundo lá no topo da montanha, era difícil imaginar agora o que a palavra aconchego realmente significava, pois aquele perigo começava a fazer a palavra perder o sentido.


Ela abanou a cabeça.


Não era como se o bafo gelado daqueles Pokémon do tipo gelo lhe fosse aquecer mais, de qualquer das maneiras, lá entre o ninho deles. Antes ficar por ali. A água quentinha da nascente amenizava a qualidade do ar, e a parede rochosa proporcionava um excelente abrigo sem teto. A neve quase nem caia ali. Sem mencionar que, uma parte da vista era caracterizada pela colina onde o Corviknight se empoleirava, e assim, ela podia vigiá-lo por entre as paredes altas.


Alguém tinha que ficar à espreita durante a noite, algo que, pelo conhecimento vago dela, não acontecia entre a colónia dos Cetitan.


Ela já se habituara há muito a dormir ao relento em todas as suas outras paragens, sempre alerta ao perigo iminente.


– Não quero que te sintas forçada a nada. – O Cetitan prosseguiu. – Por isso, fica a saber que o treino vai ser duro.


– Sim, mestre. – Falou ela, por fim.


Ele assentiu.


Mestre


Ser tratado por tal maneira formal despertou em seu interior uma sensação diferente, há muito esquecida. Ele não gostou de tal tom.


– Acredito que foste uma mensagem que o universo me deu. Não me desiludas. Vamos acabar com o reinado de terror daquela ave… – Depois, refletiu um pouco e acrescentou. – E não me voltes a tratar por mestre. Mestre é demasiado formal. Meu nome é Senhor Wohali.


– Desiludir? Não o farei não, senhor... Só queria o meu martelo de volta. – grunhiu, com os ombros encolhidos e a vozinha aflautada. – Ele é mau e merece sair do trono dele.


– É esse o espírito!


E o Pokémon baleia entregou-lhe o embrulho. A Tinkatink não sabia o que era um presente, logo pensou ser mais alimento, já que uma Oran Berry por si só, já às horas que fora ingerida, não sustentava seu estômago.


Mal Wohali notou ela a lamber a superfície do embrulho, intersectou-a de avançar. Infelizmente, não tinha mais nada para a alimentar, e por muita pena sua, teve que aguentar o som que era a barriga da criança a roncar durante todo o restante dialogo.


E suster uma certa sensação de culpa durante o resto a noite.


– Não! Não! Não é de comer! É um embrulho. Esconde uma coisa que é para ti. Desembrulha assim… Vês?... – E puxou numa das extremidades, mostrando-lhe como se fazia.


Ela seguiu-lhe os gestos, e folha a folha, removeram o papel verdejante que cobria o longo pau de madeira polida. Ela sentiu um sorriso assumir-lhe o rosto ao notar numa das extremidades o tipo de material amado que á muito não tinha em mãos.


Metal.


Uma negra chapa achatada estava presa ao pau. E apesar de um certo nível de ferrugem, não existia melhor encanto e surpresa naquele dia para a pequena. Usando suas capacidades naturais, podia moldar a chapa para assumir qualquer forma que desejasse, mas, gostou dela assim.


Levantou-se, e manobrou o pau, fazendo este zumbir à medida que cortava o ar. Analisava-lhe a forma e acostumava-se ao peso. Ainda era pequena, demasiado para conseguir suster o objeto com perfeição, logo desequilibrou-se incontáveis vezes, mas com o tempo e com o treino, iria se acostumar com a nova arma.


– Diverte-te com essa pá humana. – O Cetitan sorria ao contemplar a felicidade da companheira. – Os Pokémon da vossa espécie precisam de uma arma de metal para se sentirem completos. Não é um martelo, mas eu achei essa pá um bom substituto. Parece adequada. Mais tarde encontraremos algo melhor.


– Não! É perfeita! – Disse a pequena num guinchinho de felicidade.



Ao notar o olhar hipnotizado e brilhante da criança, o Cetitan decidiu retirar-se devagarinho, deixando a Tinkatink sozinha, a se divertir com a pá. Era quase como um momento de intimidade para a menina.


A pequena já imaginava usar a pá para cavar uma sepultura para todos os seus inimigos.


Iria precisar de um buraco bem fundo para o Corvo.



O treinamento a sério consistia em seguir as pegadas de Wohali para todos os locais que ele fosse, o auxiliando em suas tarefas diárias e missões. Logo descobriu que eram poucas as vezes que os Cetitan do vale paravam em seu lar para ver suas famílias, e naquela mesma semana, Wohali, e mais uns quantos habitantes dali, eram os encarregados das tarefas a se fazer na área sul da montanha.


Na próxima semana, seria a vez de um Cetitan desdentado ser o responsável por enfrentar nevões constantes e explorar a montanha em busca de alimento para oferecer ao Corvo. E na semana a seguir a essa, a esposa de Wohali se aventuraria ao lado de um bando de Sneasels encosta a baixo, sempre para sul, enquanto os outros dois teciam uma rota de exploração pela encosta da montanha, em sentido horário.


E assim, trocavam as zonas de exploração numa espécie de turnos, enquanto que, uma vez por mês, alguém tomava conta das crias.


– Levanta mais o peito para cima… Aperta mais os punhos… – Eram as ordens de Wohali enquanto a treinava a Tinkatink, nos momentos vagos em meio a suas tarefas.


Antes do sol nascer, eles haviam se reunido no centro do vale. Agora, desciam em caminhada constante, sempre acompanhando o leito do riacho. As nuvens densas encobriam o sol matinal ao ponto de ainda estar escuro.


O objetivo era descerem a montanha. Era um pouco arriscado e demorado, mas Wohali garantiu que no sopé de Glaseado, devido à altitude, a abundância era maior. Também mencionou um vizinho de Glaseado, lugar mais além, chamado Trilho Socarrat, onde o clima era mais quente, mas onde árvores cresciam em abundancia e alimento nunca terminava. Ir até Socarrat demorava dias, mas era uma caminhada que sempre tentavam fazer pois não passava de um sacrifício que muitas vezes os salvavam.


A manhã avançou, até a posição do sol anunciar o meio-dia.


O Cetitan ensinou-lhe um pouco de tudo sobre as berries que nasciam por ali e que eles colhiam, e a distinguir quais eram ou não os arbustos venenosos nas áreas sem neve, onde a grama crescia forte e saudável no pico do Verão. Em poucas horas, também aprendera nomes de Pokémon que não conhecia nem imaginava existirem por ali, além dos nomes de algumas plantas e árvores.


Wohali não estava a brincar quando disse-lhe que o treino seria intensivo.


A caminhada avançava á horas, sem parar, nem para comer, nem para beber, nem para respirar, e a Tinkatink já sentia os pezinhos gelarem, e os dedos que seguravam sua pá estavam a começar a ficar dormentes.


Em certo ponto, caiu no solo, exausta, e estava tão fraca que não conseguiu se levantar.


A criança fizera tudo à risca, com um esforço enorme, para tentar impressionar. Muitos trilhos percorridos pelo Cetitan eram arriscados, mas ela aguentava firme qualquer desafio.


Mas ela tinha seus limites, e mais uma vez, ela não passava de uma criança, e sentia sempre uma pontada de pena quando sua mente recuava até o vale, e as brincadeiras e palhaçadas do grupinho de Cetoddle enchiam as memórias com risos de diversão.


 Ocorreu-lhe a ideia ousada de que não podia voltar a integrar-se a eles quando regressa-se, pois se o fizesse, demonstrava fraqueza, e com a fraqueza, existia sempre o medo do Cetitan desistir de a treinar, pois deixaria de acreditar nela.


Ele parara para a auxiliar, e deixou-a recuperar o fôlego enquanto ele próprio cessava o seu avanço pelo trilho a sul.


– Já ouviste a história da Lechonk que furou Glaseado? – Questionou momentos mais tarde.


Talvez, ele próprio se apercebera que já estava muita informação incluída dentro da cabeça da jovem, e estava na altura de relaxar um pouco antes de prosseguirem, só para organizarem as ideias.


Contar uma história local parecia uma boa maneira para aclarar os ânimos.


Ela disse não com a cabeça, sem palavras, para lhe responder, enquanto seu peito subia e descia descompassadamente devido ao cansaço. Nunca convivera assim com ninguém antes, sempre fora solitária, óbvio que não conhecia as histórias que o vento soprava em torno da montanha.


Wohali então sentou-se ao lado dela, e começou a narrar, esperando que a criança compreendesse aquelas palavras. Em breve, ambos ficaram absortos na história.

 


Era uma vez, há muitos anos, uma pequena e pobre família de humanos em Zapapico que decidiram iniciar uma criação de porcos. O casal tinha uma única filha, e o homem era um camponês honrado, que não tinha muito para alimentar a casa, mas fazia todos os possíveis para não passarem fome.


Eles possuíam um Lechonk de estimação, e numa tentativa desesperada para reorganizarem a vida, decidiram arranjar uma fêmea para procriar. No início, a menina Lechonk custou-lhe uns bons trocados, mas o casal sabia que, com a chegada das crias dos dois Lechonk, a vida iria melhorar. O dinheiro regressaria à bolsa, pois a venda dos leitões cobriria todas as despesas.


Em poucos meses, a família fez dinheiro suficiente para pagar as dívidas que tinham na mercearia local e outras pequenas contas em atraso.


Logo de manhã, a primeira coisa que os donos faziam era visitar os porcos para ver como estavam, pois criaram um forte vínculo por eles. Acariciavam-nos com palmadinhas no lombo e davam-lhes fartas tigelas de milho em grão, e aguardavam a chegada e a partida dos pequenos leitões.


 Mas certo dia, ao chegarem ao curral, não viram um dos Lechonk lá dentro, a fêmea, no caso.


Começaram a desesperar. O camponês correu até a mulher e a filha sempre a lamentar-lhe, e percorreu toda a cidade e suas ruas e becos escuros, em busca do animal desaparecido ou até mesmo possíveis responsáveis pelo roubo.


Foi uma confusão tão grande que muitos vizinhos e clientes habituais, que vez ou outra compravam Lechonk àquela família, logo decidiram auxiliar ao aderir à causa para procurarem o Pokémon juntos.


Viraram Zapapico do avesso, tamanho era o desespero do dono da Lechonk. Procuraram em todos os trilhos entre as estradas, em todos os baldes de lixo da rua, no interior de todas as casas.


Mas não havia qualquer sinal da Lechonk.


A filha do casal, ao ver os pais aflitos, decidiu entrar também na incessante busca, pois também adorava a porca e os ovos de Pokémon que desapareceram com ela, e o dinheiro que estes iriam render iria fazer muita falta.


Olhou para a estrada a norte da cidade, estrada esta que serpenteava sempre para cima, até Glaseado, e, apesar das hipóteses quase nulas da porca ter ido por aquele caminho, lembrou-se de procurar por lá.


Atravessou a passagem Dalizapa. E nada.


Subiu, e subiu, e nada.


Nada, pelo menos, até procurar tanto na montanha e atingir o ponto mais alto de Paldea.


E não é que, para seu espanto, ao olhar para o interior de uma cratera estranha recentemente formada na base da montanha, encontrou a porca alimentando os seus leitõezinhos?


A jovem ficou radiante de felicidade, e como não sabia como tanto uma cratera como a própria Pokémon foram ali acima parar, gritou, eufórica, a sua suposição.


A primeira suposição que lhe viera à cabeça.


 – A Lechonk furou a montanha! A Lechonk furou a montanha!


Trouxe o animal de volta a casa, sempre a gritar, e tudo voltou à normalidade.


E os gritos da jovem nunca foram esquecidos.


Ainda hoje, muitos que passam pela montanha, e encontram alguma cratera funda ou alguma espécie de cavidade entre a neve, gozam o sucedido, e perguntam sempre, com ironia.


– Será que foi algum Lechonk que furou a neve?


Os habitantes de Zapapico reagem com fúria e revolta, soltando pragas, sempre que alguém faz troça deles em frente a eles, pois eles não são nenhuns parvalhões, como a lenda dita.


Tudo não passou de um mal-entendido da jovem da história, que ficou imaginando barbaridades, e um povo inteiro não deve carregar a fama de doidice que um individuo conquistou por si só.


Mas uma coisa é certa, não existem crateras fundas na montanha, e se foi mesmo ou não uma pesada porca a cair do céu com seus filhotes, sabe-se lá como, e a fazer aquilo, o facto mantém-se ainda em mistério até hoje.

 

– É uma lenda humana. Mas acho que podemos tirar uma boa lição disto. – Falou o Cetitan, para concluir. – O que achaste?


– Acho que não compreendi lá muito bem.


O Cetitan coçou a cabeça, pois se esquecera, mais uma vez, que conversava apenas com uma criança. E acabou por recontar a história, nesse momento, de uma forma bem mais adequada à idade da pequena, suavizando e simplificando o vocabulário para aumentar a sua compreensão.


– Então a Grande Cratera de Paldea formou-se porque um Lechonk caiu do céu? – A Tinkatink sorria, com os olhos a brilhar.


– A história não menciona que a cratera seja a Grande Cratera de Paldea em específico. É apenas um buraco qualquer que apareceu em Glaseado. – E gargalhou. – Mas nesse caso… Deve ter sido uma porca mesmo muito grande para ter formado esse enormíssimo poço no centro da região!



Capítulo Adicional Continua Na


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