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- PARTE 4 – O Combate – A Fada, o Corvo, e o Baleeiro
Regressaram ao
vale, bem à noitinha, depois de Wohali entregar ao Corvo a cota diária que este
requeria de alimento. Wohali explicou à Tinkatink que, pelo menos uma vez por
mês, os seguidores do Corviknight faziam uma vistoria no vale, procurando
comida escondida ou qualquer tipo de coisa que fosse contra as leis impostas
pela ave negra, ou se mostrasse uma simples ameaça.
Nessas alturas, a Tinkatink precisava de se esconder.
Aconteceu que,
depois do último encontro entre Wohali e o Corvo, estas vistorias começaram a
ser ainda mais imprevisíveis e frequentes. Foram inúmeras as vezes que, nas
semanas que se seguiam, a Tinkatink quase fora apanhada pelos olhares furtivos
de Sneasels perversos e pelos olfatos apurados de grupos temíveis de Greavard.
Por sorte, usava a pá para escavar um buraco, e se esconder debaixo da neve,
bem a tempo antes de ser intersectada.
Os dias
passavam depressa, e apesar dos treinos difíceis ao início, ela se acostumou.
Estava mais forte e revigorada, e já não era tão nova assim como no início. A
fase da adolescência estava a chegar.
Em meio de uma
noite que parecia igual a qualquer outra, fora buscar água ao rio para beber, e
decidiu passear pelo vale para inspecionar o terreno, quando notou um barulho
distante que não era natural, pois os seguidores mais fieis do Corvo não
costumavam realizar as vistorias durante a noite.
Passou perto
da gruta onde todos pernoitavam, parou, quando sentiu uma presença desperta
além da sua, e espreitou a figura de dois Cetitans ainda acordados. Começou a
ouvir o que os mesmos dialogavam.
– Wohali, não
estás a ser demasiado pesado com ela? Ela cresceu rápido, mas anseio que tanta
pressão possa ter afectado… é apenas uma criança! – Advertiu a mãe Cetitan. –
Ela pode não sentir nada agora… Mas e os traumas do futuro?
– Talvez…
Estes últimos dias têm sido puxados. Mas ela não parece incomodada, e está a se
dar lindamente. Amanhã vou dar-lhe uma folga, como recompensa do seu esforço.
Apenas uma criança.
A palavra
ecoou tanto que ela não prestou atenção alguma ao resto da conversa. Desde que
chegara, sempre ouvira aquela palavra. De certa maneira, ser inferiorizada
assim a revoltava friamente.
Olhou suas
mãos e apertou os punhos.
Tinha que se
dedicar mais. Começou a sentir essa pressão.
Quando podia
brincar com os novos amigos Cetoddle nos tempos livres, podia inventar
desculpas, tais como a de se sentir demasiado cansada para tal, só para não
passar uma falsa ideia de que ela era igual a tantos outros da sua idade.
Mas os
pensamentos rapidamente cessaram quando outro barulho fez seus ouvidos
aguçarem.
Por meio de
leves rasadas de vento, o som ecoou. Esperou, três vezes, pelo barulho estranho
que ouvira, só para se certificar de que não estava a sonhar.
Um crack maior
que os demais arrepiou-lhe a espinha.
Era gelo a
estalar.
Alguém
caminhava naquela direção, vindo do riacho. A superfície da água já começava a
congelar, criando uma fina camada de gelo, devido à aproximação do Inverno. Ela
conhecia bem o barulho que era alguém a pisar as ainda frágeis placas,
quebrando-as em estilhaços brilhantes que se desfaziam na água.
Deslizou com
uma cambalhota até uma duna de neve, e depois da duna, até um rochedo grande
existente na beira da água, consoante às técnicas de furtividade que lhe haviam
sido ensinadas nos últimos tempos, e que ela já proferia com certa maestria.
Penetrou a vista na escuridão e aguardou a chegada do inimigo.
Devia avisar os outros, suar o alarme, mas não tivera oportunidade para tal, pois toda a cena ocorreu demasiado rápido para o seu gosto.
O grupo de
lobos passou por ela, numa correria, a inspeccionarem o ar com seus narizes
cumpridos. Alguns tinham o corpo molhado devido ao gelo quebrado que
recentemente atravessaram, e tremelhicavam por terem caído na água fria. Eram
Lycanroc, tanto na Midday Form como na Midnight Form, guiados por um lobo maior
de pelo laranja, diferente dos demais, pois era um Lycanroc da Dusk Form, o
único Dusk Form da alcateia.
O grupo
peculiar tinha uma perversidade excêntrica gravada no olhar, o que os deixava,
obviamente, seguidores do Corvo, o que também veio a se confirmar com o que
eles dialogavam baixinho. As patas leves quase não se ouviam sobre a neve do
solo.
– Revistem
todo o vale! Ela não deve estar longe. – Ordenou o lobo cor de laranja, quase
num sussurro, para evitar que os habitantes locais acordem com o reboliço das
suas presenças invasoras.
– Do que
estamos à procura, afinal? – Questionou um outro, que não tinha lá cara de ser
muito inteligente.
– Uma cidadã
não identificada nos registos do chefe. – O Lycanroc murmurou. – As pegadas não
mentem. Ninguém escapa ao olhar atento do Corvo.
– E o que tem
de especial? Pode ser apenas uma cria nova ou…
– É uma
Tinkatink, e isso o Corvo tem a certeza. São inimigos naturais. Ele a encontrou
antes, mas parece que ela não saiu da montanha, e os rumores dizem que ela anda
a treinar com os Cetitan daqui e estão todos a conspirar contra as suas leis. –
O lobo estava sério. – Mal a virem, acabem com ela.
Sua existência propriamente dita havia sido
descoberta.
A Tinkatink
respirou fundo, antes de começar a entrar em pânico, alerta. Sentiu o nariz
pesado de um dos lobos perto da sua direção.
Demasiado próximo…
A mão segurou
a pá mais para si.
Precisava de
agir rápido.
Mas não
conseguia sozinha derrubar uma alcateia de lobos…
Ou será que
conseguiria o fazer sozinha?
Se ela
desejava acabar com o Corvo, tinha que estar pronta para qualquer tipo de
inimigos e desafios, em qualquer que fosse seus níveis de dificuldade.
Mas ao mesmo
tempo, Wohali sempre a garantiu que ela não era nenhuma predestinada, e que não
estaria sozinha na tarefa.
Decidida,
preparou-se.
Fincou a pá no
chão, impulsionando o corpo num salto em pleno ar. Os lobos, mal a avistaram,
reconhecendo sua cor vibrante em meio da noite, começaram a correr para a
abocanharem, aos saltos e mais saltos.
Mas a criança
era mais leve, e saltara mais alto que eles, cortando o céu negro.
Fora um erro
os lobos da alcateia abrirem as bocas e mostrarem seus dentes afiados, pois
alguma coisa penetrou-lhes pela garganta. Ainda em pleno ar, a Tinkatink
reunira energia e expulsara uma corrente de ar cheia de purpurina em todas as
direções.
Fairy Wind.
As finas
partículas penetraram nas mandíbulas sangrentas, engasgando-os e sufocando-os
breves minutos. Enquanto os lobos tossiam e se situavam face ao que acontecia,
ainda com os pulmões a arder, a Tinkatink deu uso a outro truque da sua manga,
ao agarrar em sua pá estimada.
Aterrou no topo da rocha onde se escondera. Antes de terem quaisquer oportunidades, os lobos foram atingidos por mais outra rajada de vento carregada por uma espécie de pó cortante. Mas o Fairy Wind era um golpe demasiado fraco para lhe fazer danos maiores além de simplórios arranhões que não passavam de uma distração, então, ela elevou sua pá no ar, e preparou-se para aterrar a mesma na rocha com todas as suas forças.
Esperava que o
plano funcionasse… Ela só tinha aquela oportunidade antes de virar ração para
cachorro.
A pá assumiu
um brilho rosa-avermelhado, atingindo a rocha. O feroz Brutal Swing fez a rocha explodir em mil bocados, que atingiram os
lobos e os fizeram recuar metros atrás. Mas ela não parou por ali. Em meio da
enorme barreira de poeira, que impossibilitava a visibilidade, a pequena
acertou em quase todos os Lycanroc com uma boa marretada no lombo e na cabeça.
Desorientados,
os lobos mal se aperceberam que a pequena explosão originara um som
suficientemente alto para chamar a atenção dos Cetitan, que despertaram da
noite de sono e correram logo até o local, prontos para defender o lar o melhor
que conseguiam e auxiliar a Tinkatink.
Sem esperarem
a poeira causada dissipar-se, apanhavam os lobos desprevenidos com esmagadoras
chicoteadas, um a um. O vale tornou-se um campo de batalha, os mais novos e os
mais incapacitados eram abrigados nas grutas congeladas mais profundas que
zelavam proteção, enquanto todos os mais velhos trocavam golpes atrás de
golpes.
A criança…
NÃO! A adolescente sentiu sua adrenalina atingir o auge quando viu o metal
aguçado da sua pá ultrapassar o pescoço de um dos Lycanroc. O lobo caiu no
chão, inerte numa poça de sangue.
Olhou ao redor
e procurou Wohali, que lhe dava cobertura tanto a ela como a sua esposa que,
usando todo o corpo, fazia o campo estremecer sempre que se atirava que nem uma
bola espinhosa, e esmagava os crânios dos inimigos.
– RECUAR!
Recuar! – Uivou o líder da alcateia, reconhecendo o facto de estarem a perder.
E os lobos
salteadores começaram a fugir com as caudas entre as pernas.
– Não os
deixem fugir! – Gritou Wohali aos companheiros.
A Tinkatink
deu outro pulo, e dando uso a sua foufura através de um Sweet Kiss mortífero, conseguiu imobilizar mais uns quantos. Um a
um, eram derrubados com golpes na nuca que quase lhes arrancavam a cabeça,
formando poças de sangue na neve lamacenta.
Pouquíssimos
conseguiram escapar encosta abaixo, e os poucos que escaparam, cambaleavam, e
levavam em seus corpos ferimentos marcantes o suficiente para sustentar
cicatrizes o resto da vida. Já outros, foram perseguidos e mortos pelos Pokémon
do vale.
Quando se
livraram dos lobos, Wohali segurou a pequena Tinkatink sobre a sua cabeça,
fazendo esta ficar acima de todos, e todo o povo dali brandiu gritos de vitória
e saudou a heroína da noite.
– Vivas à
nossa heroína! – Gritaram aos céus. – Vivas à nossa gordinha!
Durante o
restante serão, festejaram e dançaram até caírem para o lado, e todos tiveram
até direito a uma refeição farta e reforçada, usando berries que estavam
guardadas para entregar ao Corvo no dia seguinte. Mas, depois daquela situação
caricata, não lhes apetecia nada satisfazer os desejos maliciosos do Rei, e
apenas consumiram mais de metade da cota reunida. Arcariam as consequências
mais tarde, com a confiança renovada de que iriam voltar vencer qualquer
batalha.
A Tinkatink
estava tão exausta e tão cheia de tanto ter comido, que, pela primeira vez,
acabou adormecendo ao lado dos seus semelhantes, enquanto os mesmos conversavam
e riam.
Um sorriso
breve assumiu-lhe o rosto, quando sentiu o toque de Wohali a carregando de um
espaço a outro, e depois, um peso novo por cima de si.
– Eu sabia que
eras uma bênção de Arceus. – Ouviu ele dizer. – Boa noite, minha gordinha. Hoje
foi só a primeira de muitas vitórias.
Ele a tinha
coberto com uma larga folha de árvore, para evitar o frio excessivo que podia
ser as respirações dos cetáceos presentes. Era quente, uma sensação
reencontrada de aconchego. E tal material lembrava mesmo as palhinhas fartas de
seu antigo lar.
Abraçou melhor
sua pá, e desde esse dia, começou a dormir com eles nas grutas geladas.
Os corpos dos Lycanroc foram enterrados na
manhã seguinte, e durante algum tempo, viveram uma sensação estranha de tranquilidade.
Uma
tranquilidade que não fora proporcionada apenas pela alcateia derrubada, mas
também pela mais curiosa e fria das consequências.
– O Corvo
desapareceu depois do ataque da alcateia três dias atrás. – Anunciou Wohali,
quando reuniu todos os habitantes do vale para uma reunião urgente. – Vamos
aproveitar os tempos de paz…
– MAS Todos
sabemos que esta sensação falsa de tranquilidade não vai durar para sempre. –
Ouviram a voz da Tinkatink dizer, de repente, cortando a voz do Cetitan ancião
com um tom que, apesar de aflautado, assumia autoridade.
Ela estava
diferente, assumindo uma pose maior de domínio. Mas sua feição também mudara.
Sem se darem conta, e pela surpresa de todos, ela havia evoluído no meio dos
treinos da noite do dia anterior, e agora era uma bela Tinkatuff de porte
majestoso, peito saliente, cabelo cumprido e olhar confiante. A sua pá também
estava maior e, de certa maneira, mais intimidante.
Ela segurava
sua arma com firmeza, e bateu várias vezes com a extremidade de madeira no
chão. As pancadinhas suaves no chão gelado chamaram a atenção do mundo inteiro,
para a mensagem deveras importante que a jovem tinha a partilhar.
– Mantenham-se
atentos. O Corvo para ter desaparecido do seu trono é porque anda tramando
alguma.