Posted by : Shiny Reshiram 22 de out. de 2024

 


Regressaram ao vale, bem à noitinha, depois de Wohali entregar ao Corvo a cota diária que este requeria de alimento. Wohali explicou à Tinkatink que, pelo menos uma vez por mês, os seguidores do Corviknight faziam uma vistoria no vale, procurando comida escondida ou qualquer tipo de coisa que fosse contra as leis impostas pela ave negra, ou se mostrasse uma simples ameaça.


Nessas alturas, a Tinkatink precisava de se esconder.


Aconteceu que, depois do último encontro entre Wohali e o Corvo, estas vistorias começaram a ser ainda mais imprevisíveis e frequentes. Foram inúmeras as vezes que, nas semanas que se seguiam, a Tinkatink quase fora apanhada pelos olhares furtivos de Sneasels perversos e pelos olfatos apurados de grupos temíveis de Greavard. Por sorte, usava a pá para escavar um buraco, e se esconder debaixo da neve, bem a tempo antes de ser intersectada.


Os dias passavam depressa, e apesar dos treinos difíceis ao início, ela se acostumou. Estava mais forte e revigorada, e já não era tão nova assim como no início. A fase da adolescência estava a chegar.


Em meio de uma noite que parecia igual a qualquer outra, fora buscar água ao rio para beber, e decidiu passear pelo vale para inspecionar o terreno, quando notou um barulho distante que não era natural, pois os seguidores mais fieis do Corvo não costumavam realizar as vistorias durante a noite.


Passou perto da gruta onde todos pernoitavam, parou, quando sentiu uma presença desperta além da sua, e espreitou a figura de dois Cetitans ainda acordados. Começou a ouvir o que os mesmos dialogavam.


– Wohali, não estás a ser demasiado pesado com ela? Ela cresceu rápido, mas anseio que tanta pressão possa ter afectado… é apenas uma criança! – Advertiu a mãe Cetitan. – Ela pode não sentir nada agora… Mas e os traumas do futuro?


– Talvez… Estes últimos dias têm sido puxados. Mas ela não parece incomodada, e está a se dar lindamente. Amanhã vou dar-lhe uma folga, como recompensa do seu esforço.


Apenas uma criança.


A palavra ecoou tanto que ela não prestou atenção alguma ao resto da conversa. Desde que chegara, sempre ouvira aquela palavra. De certa maneira, ser inferiorizada assim a revoltava friamente.


Olhou suas mãos e apertou os punhos.


Tinha que se dedicar mais. Começou a sentir essa pressão.


Quando podia brincar com os novos amigos Cetoddle nos tempos livres, podia inventar desculpas, tais como a de se sentir demasiado cansada para tal, só para não passar uma falsa ideia de que ela era igual a tantos outros da sua idade.


Mas os pensamentos rapidamente cessaram quando outro barulho fez seus ouvidos aguçarem.


Por meio de leves rasadas de vento, o som ecoou. Esperou, três vezes, pelo barulho estranho que ouvira, só para se certificar de que não estava a sonhar.


Um crack maior que os demais arrepiou-lhe a espinha.


Era gelo a estalar.


Alguém caminhava naquela direção, vindo do riacho. A superfície da água já começava a congelar, criando uma fina camada de gelo, devido à aproximação do Inverno. Ela conhecia bem o barulho que era alguém a pisar as ainda frágeis placas, quebrando-as em estilhaços brilhantes que se desfaziam na água.


Deslizou com uma cambalhota até uma duna de neve, e depois da duna, até um rochedo grande existente na beira da água, consoante às técnicas de furtividade que lhe haviam sido ensinadas nos últimos tempos, e que ela já proferia com certa maestria. Penetrou a vista na escuridão e aguardou a chegada do inimigo.


Devia avisar os outros, suar o alarme, mas não tivera oportunidade para tal, pois toda a cena ocorreu demasiado rápido para o seu gosto.



O grupo de lobos passou por ela, numa correria, a inspeccionarem o ar com seus narizes cumpridos. Alguns tinham o corpo molhado devido ao gelo quebrado que recentemente atravessaram, e tremelhicavam por terem caído na água fria. Eram Lycanroc, tanto na Midday Form como na Midnight Form, guiados por um lobo maior de pelo laranja, diferente dos demais, pois era um Lycanroc da Dusk Form, o único Dusk Form da alcateia.


O grupo peculiar tinha uma perversidade excêntrica gravada no olhar, o que os deixava, obviamente, seguidores do Corvo, o que também veio a se confirmar com o que eles dialogavam baixinho. As patas leves quase não se ouviam sobre a neve do solo.


– Revistem todo o vale! Ela não deve estar longe. – Ordenou o lobo cor de laranja, quase num sussurro, para evitar que os habitantes locais acordem com o reboliço das suas presenças invasoras.


– Do que estamos à procura, afinal? – Questionou um outro, que não tinha lá cara de ser muito inteligente.


– Uma cidadã não identificada nos registos do chefe. – O Lycanroc murmurou. – As pegadas não mentem. Ninguém escapa ao olhar atento do Corvo.


– E o que tem de especial? Pode ser apenas uma cria nova ou…


– É uma Tinkatink, e isso o Corvo tem a certeza. São inimigos naturais. Ele a encontrou antes, mas parece que ela não saiu da montanha, e os rumores dizem que ela anda a treinar com os Cetitan daqui e estão todos a conspirar contra as suas leis. – O lobo estava sério. – Mal a virem, acabem com ela.


Sua existência propriamente dita havia sido descoberta.


A Tinkatink respirou fundo, antes de começar a entrar em pânico, alerta. Sentiu o nariz pesado de um dos lobos perto da sua direção.


Demasiado próximo…


A mão segurou a pá mais para si.


Precisava de agir rápido.


Mas não conseguia sozinha derrubar uma alcateia de lobos…


Ou será que conseguiria o fazer sozinha?


Se ela desejava acabar com o Corvo, tinha que estar pronta para qualquer tipo de inimigos e desafios, em qualquer que fosse seus níveis de dificuldade.


Mas ao mesmo tempo, Wohali sempre a garantiu que ela não era nenhuma predestinada, e que não estaria sozinha na tarefa.


Decidida, preparou-se.


Fincou a pá no chão, impulsionando o corpo num salto em pleno ar. Os lobos, mal a avistaram, reconhecendo sua cor vibrante em meio da noite, começaram a correr para a abocanharem, aos saltos e mais saltos.


Mas a criança era mais leve, e saltara mais alto que eles, cortando o céu negro.



Fora um erro os lobos da alcateia abrirem as bocas e mostrarem seus dentes afiados, pois alguma coisa penetrou-lhes pela garganta. Ainda em pleno ar, a Tinkatink reunira energia e expulsara uma corrente de ar cheia de purpurina em todas as direções.


Fairy Wind.


As finas partículas penetraram nas mandíbulas sangrentas, engasgando-os e sufocando-os breves minutos. Enquanto os lobos tossiam e se situavam face ao que acontecia, ainda com os pulmões a arder, a Tinkatink deu uso a outro truque da sua manga, ao agarrar em sua pá estimada.


Aterrou no topo da rocha onde se escondera. Antes de terem quaisquer oportunidades, os lobos foram atingidos por mais outra rajada de vento carregada por uma espécie de pó cortante. Mas o Fairy Wind era um golpe demasiado fraco para lhe fazer danos maiores além de simplórios arranhões que não passavam de uma distração, então, ela elevou sua pá no ar, e preparou-se para aterrar a mesma na rocha com todas as suas forças.


Esperava que o plano funcionasse… Ela só tinha aquela oportunidade antes de virar ração para cachorro.


A pá assumiu um brilho rosa-avermelhado, atingindo a rocha. O feroz Brutal Swing fez a rocha explodir em mil bocados, que atingiram os lobos e os fizeram recuar metros atrás. Mas ela não parou por ali. Em meio da enorme barreira de poeira, que impossibilitava a visibilidade, a pequena acertou em quase todos os Lycanroc com uma boa marretada no lombo e na cabeça.


Desorientados, os lobos mal se aperceberam que a pequena explosão originara um som suficientemente alto para chamar a atenção dos Cetitan, que despertaram da noite de sono e correram logo até o local, prontos para defender o lar o melhor que conseguiam e auxiliar a Tinkatink.


Sem esperarem a poeira causada dissipar-se, apanhavam os lobos desprevenidos com esmagadoras chicoteadas, um a um. O vale tornou-se um campo de batalha, os mais novos e os mais incapacitados eram abrigados nas grutas congeladas mais profundas que zelavam proteção, enquanto todos os mais velhos trocavam golpes atrás de golpes.


A criança… NÃO! A adolescente sentiu sua adrenalina atingir o auge quando viu o metal aguçado da sua pá ultrapassar o pescoço de um dos Lycanroc. O lobo caiu no chão, inerte numa poça de sangue.


Olhou ao redor e procurou Wohali, que lhe dava cobertura tanto a ela como a sua esposa que, usando todo o corpo, fazia o campo estremecer sempre que se atirava que nem uma bola espinhosa, e esmagava os crânios dos inimigos.


– RECUAR! Recuar! – Uivou o líder da alcateia, reconhecendo o facto de estarem a perder.


E os lobos salteadores começaram a fugir com as caudas entre as pernas.


– Não os deixem fugir! – Gritou Wohali aos companheiros.


A Tinkatink deu outro pulo, e dando uso a sua foufura através de um Sweet Kiss mortífero, conseguiu imobilizar mais uns quantos. Um a um, eram derrubados com golpes na nuca que quase lhes arrancavam a cabeça, formando poças de sangue na neve lamacenta.


Pouquíssimos conseguiram escapar encosta abaixo, e os poucos que escaparam, cambaleavam, e levavam em seus corpos ferimentos marcantes o suficiente para sustentar cicatrizes o resto da vida. Já outros, foram perseguidos e mortos pelos Pokémon do vale.


Quando se livraram dos lobos, Wohali segurou a pequena Tinkatink sobre a sua cabeça, fazendo esta ficar acima de todos, e todo o povo dali brandiu gritos de vitória e saudou a heroína da noite.


– Vivas à nossa heroína! – Gritaram aos céus. – Vivas à nossa gordinha!


Durante o restante serão, festejaram e dançaram até caírem para o lado, e todos tiveram até direito a uma refeição farta e reforçada, usando berries que estavam guardadas para entregar ao Corvo no dia seguinte. Mas, depois daquela situação caricata, não lhes apetecia nada satisfazer os desejos maliciosos do Rei, e apenas consumiram mais de metade da cota reunida. Arcariam as consequências mais tarde, com a confiança renovada de que iriam voltar vencer qualquer batalha.


A Tinkatink estava tão exausta e tão cheia de tanto ter comido, que, pela primeira vez, acabou adormecendo ao lado dos seus semelhantes, enquanto os mesmos conversavam e riam.


Um sorriso breve assumiu-lhe o rosto, quando sentiu o toque de Wohali a carregando de um espaço a outro, e depois, um peso novo por cima de si.


– Eu sabia que eras uma bênção de Arceus. – Ouviu ele dizer. – Boa noite, minha gordinha. Hoje foi só a primeira de muitas vitórias.


Ele a tinha coberto com uma larga folha de árvore, para evitar o frio excessivo que podia ser as respirações dos cetáceos presentes. Era quente, uma sensação reencontrada de aconchego. E tal material lembrava mesmo as palhinhas fartas de seu antigo lar.


Abraçou melhor sua pá, e desde esse dia, começou a dormir com eles nas grutas geladas.


 Os corpos dos Lycanroc foram enterrados na manhã seguinte, e durante algum tempo, viveram uma sensação estranha de tranquilidade.


Uma tranquilidade que não fora proporcionada apenas pela alcateia derrubada, mas também pela mais curiosa e fria das consequências.


– O Corvo desapareceu depois do ataque da alcateia três dias atrás. – Anunciou Wohali, quando reuniu todos os habitantes do vale para uma reunião urgente. – Vamos aproveitar os tempos de paz…


– MAS Todos sabemos que esta sensação falsa de tranquilidade não vai durar para sempre. – Ouviram a voz da Tinkatink dizer, de repente, cortando a voz do Cetitan ancião com um tom que, apesar de aflautado, assumia autoridade.


Ela estava diferente, assumindo uma pose maior de domínio. Mas sua feição também mudara. Sem se darem conta, e pela surpresa de todos, ela havia evoluído no meio dos treinos da noite do dia anterior, e agora era uma bela Tinkatuff de porte majestoso, peito saliente, cabelo cumprido e olhar confiante. A sua pá também estava maior e, de certa maneira, mais intimidante.


Ela segurava sua arma com firmeza, e bateu várias vezes com a extremidade de madeira no chão. As pancadinhas suaves no chão gelado chamaram a atenção do mundo inteiro, para a mensagem deveras importante que a jovem tinha a partilhar.


– Mantenham-se atentos. O Corvo para ter desaparecido do seu trono é porque anda tramando alguma.

 


Capítulo Adicional Continua Na

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