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- A Ganância, o Colar e o Guarda-Chuva - Contos Sete Zeros das Profundezas
Esta
é uma pequena história que conta como a febre da Grande Cratera não atingiu
apenas a população de Paldea, mas também alguns indivíduos de regiões
distantes. Se gosta da ideia de Pokémon de cores diferentes realizando grandes
feitos, e velhos criados encharcados portando guarda-chuva partidos, então
sente-se, relaxe, beba qualquer coisa e tome atenção ao que agora irei contar.
O antigo Imperador
da Paldea precisava de mais pessoas. Os últimos anos foram intensos, gastando
mais recursos e mão humana do que o previsto. As explorações na Grande Cratera
de Paldea avançavam num ritmo animador, mas a população e seus Pokémon já não
aguentavam muito mais a pressão. Alguns mais excêntricos até comentavam sobre o
possível declínio do Império devido a tantos gastos, mas logo silenciados. O
plano do Imperador era unificar-se com as regiões vizinhas para compensar os
recursos, algo que mais tarde formaria a Paldea que conhecemos hoje em dia. Digamos
que esta história começou mais ou menos antes do início desta fase da
unificação.
Trevor
era um velho e bondoso criado de uma mansão riquíssima algures em Unova, que,
por acaso do destino, ouvira falar das necessidades da região distante, e suas
ambiciosas viagens rumo ao desconhecido. A necessidade urgente de mão de obra em
Paldea percorreu vários cantos do mundo com pedidos educados e ofertas
generosas, mas muitos desconfiavam e eram poucos aqueles que aceitavam as
propostas ambiciosas do Imperador estrangeiro.
Ao início,
quando viu o solitário poster rasgado afixado na parede de pedra, quando
atravessava a rua depois de ir comprar mantimentos, naquela tarde cinzenta de
chuva, não imaginava que estava a olhar para o seu futuro destino. Para ele,
ela apenas um papel qualquer, que os senhores da mansão nem nenhum outro grande
senhor das redondezas iriam prestar atenção, mas Trevor mal imaginava que isso
estava para mudar.
Os rabiscos
que formavam a enorme Cratera eram desenhos bem apelativos, com um toque de
aquarela fenomenal, e Trevor gostou deles… E, mais importante, sabia quem iria
gostar bem mais.
Passou os dedos nas marcas suaves de tinta do papel molhado, e, quando mais ninguém estava a ver, tirou-o da parede e abrigou-o da chuva entre seus trajes esfarrapados – se bem que não iria fazer muita falta, pois outros papéis idênticos afixados nos arredores eram comuns.
A mansão onde
trabalhava localizava-se entre arvoredos, no sopé de uma montanha. A distância
até a cidade ainda era longa, por isso, chegara encharcado, pois nem o seu
guarda-chuva conseguia sustentar a força daquele pequeno temporal, quebrando-se
sempre na travessia.
O som de ferro
molhado do pesado portão das traseiras da mansão denunciou sua chegada. Percorreu
o alpendre, sacudindo o guarda-chuva e tentando o arranjar, enquanto apreciava
o pingue pingue da chuva no parapeito e nas árvores e flores do jardim.
Sentada num
banco de pedra, a ver as gotas a cair, estava uma jovem, cujas roupas eram
completamente diferentes das do velho criado, denunciando o seu estatuto social
mais elevado. O espaço era abrigado do vento e da chuva, por isso, a jovem podia
apreciar a paisagem e seu som característico à vontade, se inspirando, enquanto
as tintas do seu pincel preenchiam a superfície branca de um cavalete, formando
um quadro belíssimo.
O velho pousou
os sacos no chão de cascalho, e, apesar de estar a tremer de frio, manteve a
pose, removendo o chapéu para a saudar ao aproximar-se.
– Senhor
Trevor, estás lastimável! – ela olhou-o com espanto, parando brevemente os seus
afazeres. – Não precisava de ter ido à cidade hoje, com este temporal!
O homem voltou
a ajeitar-se.
– Chuva ou
sol, era o que precisava de ser feito. E é só umas gotinhas de água, não faz
mal a ninguém.
A frase dele
rasgou um sorriso largo da jovem. Lady Adelaide não tinha permissão para falar
com os criados da casa, mas quando seu pai encontrava-se ausente, gostava
sempre de se transformar na melhor amiga daqueles que faziam tanto pelo bem
estar dela e de todos os que ali habitavam.
O sorriso que
rasgou na sua face, aumentou ainda mais quando viu o criado retirar um papel do
bolso e entregar-lhe.
– Não é um
desenho bonito? Achei que irias gostar, minha senhora.
– Oh, senhor
Trevor! – exclamou, tomando a folha para si e a olhando de perto, apreciando
todos os seus detalhes. – Que bela ilustração da Cratera da Região Paldea! Mas
porque o senhor quis uma cópia deste poster para mim? Não está pensando sair
desta casa, para prestar serviço ao Imperador dessa região distante, pois não?
– questionou Adelaide, enquanto lia o folheto, porém, esquecera-se de algo
importante.
– Só pensai
que era um desenho bonito e que irias gostar. Não faço ideia o que nele tem de
escrito. – o velho justificou-se.
Senhor Trevor
pouco ou nada sabia ler, pois, educação, naquele tempo, não era para todos. Arrependida
pela sua questão impulsiva e inoportuna, guardou muito bem o poster, o expondo
ao lado do seu cavalete, e agradeceu-lhe mais uma vez.
– Obrigado,
Trevor! Agora vá lá arrumar esses sacos e mudar-se para uma roupa seca! Não
suportaria vê-lho doente por causa de um descuido destes! Logo o senhor! Que
sempre cuidou muito bem de mim e que me acolheu com amor de pai.
Ela ainda o
tentou ajudar com a carga, mas ele recusou como típico, pois não era o serviço
que donzelas tal como ela deviam realizar, apesar de Adelaide ter insistido um
bom tempo a o fazer. Sozinho, em silêncio, deixou a jovem no seu lazer, agarrou
nos pesados sacos e entrou na porta dos fundos da mansão, que dava diretamente
à arrecadação da grande casa.
Ai arrumou
tudo o que trazia consigo, uma tarefa que não fora nada fácil e demorou mais de
uma hora, pois ele tinha comprado mesmo muita coisa para reabastecer o stock o máximo que podia, e tinha que se
certificar se existia pacotes que não estavam estragados devido à chuva que os
molhou.
Começou por
expor tudo por cima da grande mesa de madeira central, dividindo por tipo, tamanho
e cor, colocando as frutas no açafate do centro da mesa e os produtos de
higiene nos armários. Em certo momento, no meio do trabalho, notou um risinho
familiar, e notou no canto do olho a jovem o espreitando, na fresta da porta,
com seu sorriso radiante.
Quando Lady
Adelaide notou que ele já sabia da presença dela, começou então por dizer:
– Meu pai não
está em casa, por isso, deixei no quarto do senhor um presente, para compensar
aquele desenho magnífico que o senhor me ofereceu. – e começou a sussurrar,
mais baixinho, para mais ninguém a ouvir. – Peço que o senhor Trevor o guarde e
cuide bem dele. E que o esconda de todos o quanto puder.
E saiu do lado
da porta, com um pequeno riso animador, correndo no alpendre até o seu banco
como uma criança às travessuras. Trevor coçou a cabeça, confuso com a oferta
repentina, mas a curiosidade o fez apressar-se no trabalho, organizando os
mantimentos nas prateleiras com gestos bem mais velozes do que os que proferia
anteriormente.
Quando terminou tudo e certificou-se que estava tudo okay, cheio de curiosidade, foi até seus aposentos, onde, por fim, vestiu uma roupa seca, e descansou um pouco da viagem antes de prosseguir nas tarefas da sua rotina. Já recebera presentes várias vezes, apesar de trabalhar ali desde que se lembrava, muitos dos senhores da casa sempre foram bem gentis com ele, apesar das regras que tinham e que limitavam em muito a interação entre todos.
Por cima da
cama bem aprumada, estava uma velha Pokéball reluzente, feita de apricorn, talvez
dos primeiros modelos a existir, entre almofadas confortáveis que a fazia se
destacar no meio do quarto escuro. Fitava-a fixamente, enquanto se trocava. O
que seria? Porque a jovem da casa lhe daria uma coisa cara daquelas?
Depois de
prontinho, agarrou na esfera bicolor. É claro que já carregara Pokéballs em
mãos no passado, mas nunca antes tivera que lidar com um Pokémon em mãos, muito
menos usar aquela tecnologia curiosa. Ainda demorou uns bons momentos a
procurar como soltar o monstrinho, revendo na mente vezes e vezes sem conta o
modo que via os outros a o fazer.
Quando a pequena
criatura soltou-se do seu interior, deu um pulo para trás com o susto, pela
súbita luz do raio surgindo à sua frente e o cegando, tamanho o brilho fora.
Sentou-se na cama, olhando a pequena cobra azulada, que o fitava com igual
curiosidade no chão.
Trevor piscou
os olhos. Era difícil acreditar no que via. Estendeu-lhe o dedo para o saudar,
com um pequeno sorriso, e a cobra gentil agarrou-lhe o indicador, também para o
saudar. O Pokémon não era um Pokémon qualquer, era uma relíquia viva, devido à
coloração de sua pele diferente das demais de sua espécie. Um Pokémon digno de
uma princesa. Na ponta da cauda da pequena cobra, uma grande folha se
destacava, tal como seus grandes olhos castanhos e expressivos.
O pequeno
Snivy de cor diferenciada não tardou a deslizar pelo braço do velho homem,
escalando seu corpo e apoiando-se em seu ombro, com a cabeça encostada ao
pescoço do humano e com a cauda pendendo em suas costas. Trevor acariciou-lhe a
cabeça, gostara muito daquele presente, mas não tardou em entrar num estado de
negação.
Saiu do
quarto, ainda com o valioso Snivy ao ombro, e procurou a princesa da casa. Lady
Adelaine ainda estava sentada no seu banco debaixo do alpendre com suas
pinceladas sinuosas no cavalete ao som da chuva. No jardim da casa, a mesma
caía mas já num ritmo monótono, e o céu clareava. Era o sinal que em breve a
chuva cessaria.
– Daqui a
pouco deixa de chover… Se o senhor ao menos tivesse aguardado mais um
bocadinho… Não teria apanhado aquela molha e tanto… – comentou ela.
E olhou para
ele, notando a pequena cobra ao ombro. Seus olhos encheram-se de entusiasmo.
– Oh! Gostou
do meu presente? E já vejo que ele também gosta de ti! Olha para a maneira como
ele abana a sua caudinha!
Trevor
analisou a pequena cobra e encarou o clima no jardim enquanto matutava nas
palavras certas. Depois voltou-se para a jovem, com uma vénia, tentando ser o
mais delicado possível no que dizia.
– Minha rica senhora,
lamento imenso… Não me leve a mal, eu sinto-me lisonjeado por tamanha oferta,
mas eu não posso aceitar ficar com este Pokémon. Ele é seu, um presente de seu
pai no seu décimo segundo aniversário, e um Pokémon de extremo valor. Ele não
me serve, da mesma maneira que seu valor é mais merecedor para casos como a senhora
e pessoas da sua classe.
– Que
disparate, senhor Trevor. O Clover é meu melhor amigo, e muito especial para
mim, e eu quero que ele faça companhia ao senhor. – e sua expressão entristeceu
face a tal rejeição, pois Lady Adelaide não gostava da sensação de ser
contrariada. – O senhor tem a coragem de rejeitar um presente tão especial,
vindo de mim? Pois não? Acredito vivamente que vocês dois se irão dar
lindamente, e Clover lhe ajudará imenso nas tarefas de mordomo.
Trevor
respirou fundo, por muito que custasse ficar com aquele pequeno peso ao ombro,
não conseguiu avançar na devolução do Pokémon. Diga-mos de passagem que, nos
meses seguintes, a presença de Clover tornou-se um marco enorme na vida do pobre
criado, e ambos acabaram inseparáveis.
Nos primeiros
tempos, senhor Trevor, sempre que se encontrava sozinho, soltava o Snivy e o
ensinava tudo o que podia, brincando com ele e o alimentando, mas sempre com os
devidos cuidados e avisos de Lady Adelaide em mente, para ambos não exporem-se
demais. O próprio Pokémon cobra era bastante curioso e dedicado, consumindo
rapidamente os ensinamentos fornecidos e melhorando seus bons modos.
Não tardou
muito tempo para que este Pokémon Shiny começasse a se esconder menos nas
roupas do novo dono, e se aventurasse além dos esconderijos onde Trevor o
abrigava, afinal, era difícil manter sua energia jovial longe dos serviços da
casa e, posteriormente, dos olhares curiosos. Trevor começou por o soltar mais
na presença de Lady Adelaide, pois só assim, integrava-se nos serviços
disfarçadamente, pois todos acreditavam que eram ordens infantis dela, e não do
velho homem.
Clover
acordava bem de manhãzinha, antes de todos, para começar as tarefas da rotina da
mansão. Auxiliava os restantes empregados com os afazeres, desde limpezas mais
profundas à jardinagem e preparos na cozinha tanto no almoço e jantar, e
acompanhava Trevor às compras, usando seus poderes para segurar o guarda-chuva,
criando videiras para aumentar o nível de abrigo do pobre homem, durantes as
viagens debaixo de climas mais tempestuosos. Nos caminhos mais longos, chegou
até mesmo a afastar Pokémon perversos que representassem perigo, como era o
caso de um grupo de Herdier ferozes que sempre abordavam Trevor para lhe roubar
o saco onde este transportava salchichas e carne.
Os senhores e trabalhadores
da mansão reprovavam o comportamento repentino do Pokémon da princesa da casa,
chegando até mesmo a dar sermões a Lady Adelaide que sempre respondia com ar
animado:
– É uma grande
ajuda a vocês, e o mais importante, é que ele adora o que faz!
A sorte entre
tudo isto é que era tudo gente muito humilde, logo, se habituaram ao famoso Snivy
Shiny trabalhador, esquecendo o valor dele devido ao tom de sua pele e raridade
da espécie. E assim, aceitaram a mão extra do monstrinho, nada desconfiados
que, no fundo, era tudo obra do senhor Trevor – mal notavam a aproximação toda entre
ambos e a confiança mútua.
O pequeno
Snivy azulado era uma alegria dentro da mansão, ao ponto que todos sentiam
muito a falta dele quando ele desaparecia por qualquer motivo que fosse nem que
o tempo fosse apenas uns míseros segundos. O ritmo dos serviços da rotina e
qualidade das limpezas também deram um avanço significativo.
Mas,
infelizmente, alguns segredos não podem manter-se vivos para sempre, e tudo
mudou naquela tarde ensoleirada. Lady Adelaide encontrava-se no seu banco de
sempre, com seu cavalete, tintas e pinceis, quando seu pai se aproxima, e nota
que a filha tentava reproduzir uma ilustração de um poster imundo de rua.
Adelaide sempre tivera o cuidado de esconder o poster do olhar atencioso dele,
para não dar falsas ideias ao pai, mas estava tão entusiasmada na tarefa que,
neste caso, nem deu conta do olhar do seu progenitor por cima do seu ombro,
fixando o cavalete e tudo o que se expunha em sua tela.
Curioso, o
homem começa, com seu tom grave e autoritário:
– Ó minha
filha, onde buscaste esse poster sujo e imundo? Saiste da mansão sem minha
autorização? Algum dos criados o deu?
Adelaide deu
um pulo quando o viu e ouviu sua voz, e ficou com as mãos a tremer, o que criou
um traço indesejado de tinta preta, cruzando a tela, e estragando a sua pintura
quase por completo.
– Ó meu pai! É
um belo desenho, não é? Foi o vento que o trouxe até mim, pobre papel,
arrancado da parede e esvoaçando até o nosso jardim, poisando levemente mesmo
em frente a meus pés, como poisam os pássaros. – mentiu, gaguejando.
O homem acariciou
a barba, pensativo. Era claro que não acreditava naquela história, pois como o
vento podia trazer um poster da longínqua cidade, sem que este se prende-se nos
ramos das árvores e matas vastas que circundavam toda a mansão e sopé da
montanha dali do lado?
– Não mintas
ao teu velhote, Adelaide, minha filha. Volto a questionar-te e responde-me com
a maior das tuas sinceridades: Onde buscaste esse poster sujo e imundo?
A rapariga não
gostava de mentir ao pai, mas sabia que não devia arriscar a verdade sobre o
presente do senhor Trevor. Respirou fundo, enquanto formulava qualquer desculpa
suficientemente convincente sem ser a realidade. O homem mantinha os olhos
impostos no poster e em toda a glória e fama que este anunciava em suas letras
sinuosas. As frases mais pequenas, em negrito, chamavam sua atenção, tanta que
mal dera conta da demora e nervosismo da jovem em lhe entregar respostas.
Adelaide
respirou fundo mais uma vez, soltando a sua nova desculpa.
– Encontrei em
cima da mesa da cozinha, deve ter vindo no correio, algum criado deixou-o lá.
O homem voltou
a elevar seu sobrante severo, na direção da jovem, desconfiado. Ainda não
acreditava bem na nova história, mas no final das contas, será que valia a pena
irritar-se por culpa de um miserável papel? Tomou o papel para si, guardando-o
bem no bolso, pois gostara dele. Adelaide não ousou tomar o papel de volta.
Ele virou as
costas e andou devagar até a saída, deixando atrás de si mais palavras à sua
filha.
– Se era só
isso, não precisavas de o ter mentido, minha criança.
– Oh meu bom
pai! Sei que todo o correio indesejado deve ser queimado, e não faço ideia qual
foi o criado que não cumpriu o seu dever, mas também sei que eu não devia ter
entrado em sala onde não tenho permissão em entrar. Mas a curiosidade foi mais
forte que o cumprimento da regra. Por favor, meu pai, não me pune pelo meu
descuido.
– Não o farei,
minha pequena. – comentou, já fora na porta, fixando o papel em mãos. – Mas que
não haja próxima vez.
Era difícil
decifrar o significado de tudo aquilo. Será que algum dos seus criados queria
sair? E ir mais além? Em busca de tesouros lendários na misteriosa cratera? O
senhor da casa não parou de matutar aquilo em sua cabeça. Sempre fora bem liberal
em relação às regras, as vezes, até demais. O chamado do Imperador o atingiu
com suas palavras, pois era uma oportunidade única que ganhar ainda mais do que
tinha, e, como ele próprio não queria viajar, achou que o mais indicado era
enviar o criado que queria guardar aquela folha para si e seus interesses, como
punição.
Nos dias que
se seguiram, todos os trabalhadores da casa foram convocados para uma reunião
na sala do nobre senhor. E, claro, entre todos, Trevor não era excepção. A sala
era escura e repletas de antiguidades, definitivamente, uma das salas mais
carregadas de preciosidades da casa, e não era comum qualquer pessoa que
habitasse a mansão ali dentro entrar sem autorização ou supervisão.
Quando chegou
a sua vez, o nobre homem sempre adepto da sinceridade, confessou o seu feito,
encantado com a riqueza que o circundava até o mais pequeno dos objetos
expostos.
– Trevor, meu
bom criado, porque darias uma folha com tamanhos e suspeitos ideais a minha
filha? Querias tirá-la de mim? Inundá-la com falsos pensamentos sobre o
horrível mundo exterior?
Trevor
acariciou o pequeno Snivy, como reação à ansiedade que sentia ao enfrentar o
seu senhor. O Snivy era tão pequeno que cabia facilmente, escondido, no
interior do seu casaco, e o velho esperava que o senhor da casa não o notasse.
– Meu senhor,
como bem sabes, eu não sei ler, mas sei apreciar um bom desenho quando o vejo,
e, sendo sua filha amante de artes, mal vi o papel afixado, acreditei que ela amaria
tanto sua ilustração ao ponto de lhe entregar um bocadinho de felicidade
naquela tarde triste e chuvosa.
– Muito gentil
de sua parte, Trevor. Mas isso parece-me mais um convite de namoro do que um
gesto bondoso. Mas, como sabes, temos regras que devem ser cumpridas. Peço
desculpa se é tudo um mal entendido por minha parte, mas se fora tudo obra da
sua inocência…
O velho homem
apertou mais o Sniny, como reação à punição que estava prestes a receber, e, de
repente, sente seu dedo ser mordido por baixo do casaco, pois a força que
fizera, sem ser proposital, fora demasiada para o que a cobra conseguia
aguentar.
Antes do
senhor da casa acabar de falar, lá estava o pequeno Snivy azulado e irrequieto
saindo do casaco do mordomo e rebolando até o chão, mesmo em frente a seus
olhos.
– O que vem a
ser isto, Trevor? – o senhor da casa aumentou a voz, mais severamente, fixando
o Pokémon planta e o reconhecendo de imediato. – O que fazes com o valioso
Snivy da minha filha?
O pequeno
Pokémon encolheu-se, cobrindo a cabeça com a folha da sua cauda. Trevor estava
com os olhos esbugalhados, pois tudo acabara de ir por água abaixo. O senhor da
casa continuou.
– Então é por
isso que esse Snivy anda muito fora da linha ultimamente? Você e os empregados
da casa andam a tentar roubá-lo?
– Não… Não foi
bem isso que… – o velho tentou explicar-se, mas o outro tomou uma pose ainda
maior de impaciência e superioridade, não o deixando continuar as
justificações.
– Não me
mintas, Trevor! Estou cansado das vossas mentiras! E muito desiludido contigo!
Sempre pensai seres de confiança, o melhor servo dentro desta minha casa!
Primeiro o poster sobre a Grande Cratera de Paldea encontrado nos vossos
aposentos pela minha filha, e agora isto? – e agarrou o Snivy pela cauda, a
pequena cobra, assustada, guinchou e sacudiu-se no meio do punho firme,
tentando soltar-se a todo o custo. – O que vocês andam a tramar? Roubar-me a
fortuna? Porque eu não me apercebi disto à mais tempo?! Por acaso sabes o valor
incalculável deste Pokémon? O quanto eu dei para o conseguir obter?
– Não… Meu
senhor…
– Chega!
Trevor! Abusaste da minha confiança e liberdade face a ti! Se é fortuna que
queres, então é fortuna que terás! – e removeu o poster do bolso, deslizando-o
por cima da secretária, o posicionando mesmo em frente dos olhos do velho
criado. O homem sentiu uma gota de suor escorrer-lhe da testa. – Achei esse
convite interessante, então te darei um serviço bem generoso que farás por mim…
Traz-me o tesouro de Paldea, ou, pelo menos, parte dele, e eu posso
recompensar-te e tornar-te um homem digno para o resto dos teus dias, tirando
de ti o título de criado esfarrapado e fedorento.
Trevor encarou
o seu senhor, com seus olhos cansados e rosto enrugado. Ajoelhou-se no chão, a
seus pés, suplicando para não ir e para o perdoar, pois já era velho para longas
viagens daquele nível, principalmente até terras distantes rumo ao desconhecido
e penetrando em profundezas perigosas.
Mas aquelas
palavras do seu senhor, infelizmente, eram mais uma ordem do que um acordo. E
fora assim que a viagem de Trevor, o criado, iria começar, para a longínqua
Paldea.
Naquela mesma
tarde, tudo fora preparado para a partida e os bens de Trevor confiscados, isto
incluía a Pokéball do Snivy Shiny, que retornara à pose da princesa, que o
aceitou de volta, sem palavras na garganta além de um certo arrependimento mudo.
O Imperador de
Paldea pagava o transporte de ida a todos os interessados logo depois de ser
contactado, algo que não foi difícil através de uma carta direta com recurso a
velozes Pokémon voadores e telegramas. E na semana seguinte, lá estava o velho
Trevor, fora dos portões da sua mansão, com apenas uma sacola com duas ou três
mudas de roupa, esperando o transporte chegar. Os portões fechados e os guardas
atrás destes, agarrando uma jovem em desespero, era uma cena triste e difícil
de se descrever.
Trevor não
ousou olhar para a expressão carregada de lágrimas de Lady Adelaide, tão
carregada como as nuvens cinzentas que percorriam como típico o céu do sopé da
montanha.
– Pai! Meu bom
pai! Por favor! Não envie nosso estimado criado para as loucuras dos Paldeanos!
Sabemos muito bem pelos rumores quais são os horrores na cratera encontrados, e
o quanto todos os anos milhares de vidas são perdidas naquele poço sem fim! Oh!
Meu pai! Por favor!...
A expressão do
senhor da casa ao lado da filha desesperada era inexpressiva, e o silêncio dele
valia mais do que qualquer palavra proferida. Uma carroça puxada por imponentes
Rapidash foi avistada a cortar a estrada e a estacionar fora do portão,
aumentando mais as súplicas da princesa, que ainda eram carregadas de esperança
para que aquela loucura parasse. Lady Adelaide bateu nas grades, pedindo para
que Trevor voltasse para o interior e conforto daqueles portões.
O idoso fechou
os olhos e respirou fundo, imóvel, pois sempre fora fiel e iria cumprir aquele
serviço, custe o que custasse. Não tinha coragem para olhar para trás e ver,
talvez pela última vez na sua vida, a grande casa e todas as pessoas queridas
que o acolheram todos aqueles anos. Apesar de todos os defeitos de sua vida de
mero criado, era sempre difícil abandonar o sítio que considerava lar.
Entrou então
dentro da carroça, cabisbaixo, e os Rapidash começaram a avançar a trote.
Antes dos
guardas terem qualquer reação, Lady Adelaide, num impulso, atirou uma Pokéball
na direção da carroça. A esfera de madeira atravessou o portão e partiu-se no
meio da estrada, soltando um pequeno Snivy azulado que logo correu na direção
da carroça em movimento, agarrando-se a ela com seus longos cipós. Clover
conseguiu entrar na carroça antes de ser interceptado pelos cavalos de fogo e
pelo homem que os segurava pelas rédeas, e aninhou-se no meio das pernas do
velho Trevor, que acariciou-lhe, aliviado por saber que teria alguma companhia.
Em breve a
força da chuva iria camuflar as lágrimas da donzela e a paisagem da mansão,
juntamente com a distância que agora os separava.
A viagem até
longínqua Paldea demorou cerca de dois meses e meio.
Depois de
atravessarem Unova até um porto que Trevor não sabia o nome, embarcaram num
enorme navio, permanecendo grande parte do tempo da viagem em alto mar. A
embarcação parou um dia ou dois em outras regiões para reabastecer, mas Trevor
estava tão entristecido que nem ousou sair do barco e explorar aqueles ares
novos. Os marinheiros tinham uma posição estranha face ao homem e seu Snivy de
cor esquisita, por isso, não ousavam conversar muito com ele além de lhe darem
comida ao almoço e jantar. Talvez tinham um certo nível de pena do destino a
onde o idoso e outros passageiros iriam parar.
A viagem sofreu
tempestades, com trovoadas tão intensas cortando o céu que Trevor apercebeu-se
que deveria ter mais medo daquela travessia do que da cratera onde iria
penetrar. Foram inúmeras as noites em branco, que agarrava o pequeno Pokémon
cobra como reação ao medo que corria nas veias. A embarcação quase naufragou,
mas depois dos esforços de todos, lá conseguiram navegar em segurança para umas
ilhazitas remotas onde arranjaram o navio e se fizeram de novo à rota.
O dia em que
finalmente chegaram a Porto Marinada, um pequeno porto comercial de uma das
regiões vizinhas de Paldea, fora um dia um pouquito animador depois daquela
assustadora viagem em alto mar. Trevor saiu com Clover ao ombro, e como já
estava habituado à ideia de seu destino final, juntou-se a outros infortunados
que conhecera a bordo e aproveitaram todos um pouco a estadia num café no porto
antes de seguirem viagem.
– Que
monstrinho é esse? Nunca vi nada parecido – questionou o barman, em inglês para
o homem de Unova perceber, passando uma cerveja por cima do bar até a companhia
de Trevor. O barman não parava de fitar Snivy.
O velho homem
silencioso olhou relutante para a bebida dos outros, apesar de os outros lhe
terem oferecido, ele nunca bebera álcool na vida e preferia não arriscar, sem
falar que não queria gastar logo o pouco dinheiro que tinha em coisas para
compensar as ofertas, pois o imperador não pagava custos adicionais, muito
menos pagava a viagem de regresso a casa, e ele lá sabia se iria encontrar um
tesouro sequer.
Trevor podia
ser um criado, mas não era burro face à missão onde estava metido devido a todo
aquele mal entendido com o senhor da casa.
– É um Snivy.
Um presente de uma amiga… – respondeu, sem querer revelar detalhes sobre a sua
cor real, pois esperava que ninguém reparasse. Pensar em Lady Adelaide era
doloroso, e ele raramente a tirava do pensamento.
Naquele
momento apercebeu-se que por ali ninguém sabia o que era um Snivy, tirando uma
ou duas pessoas que também eram de Unova ou tinham descendência por lá, por
isso, andava com Snivy à vontade no ombro.
– Vocês tem
meninas por aqui? – questionou um dos marinheiros, de repente, com as bochechas
rosas devido à bebida. O empregado apontou para uma porta das traseiras com um
cortinado encarnado. O marinheiro deu com o ombro no idoso depois de receber
aquela afirmação. – Hey Trevor! E então, também queres ir ter com umas
mulheres?
Assustado, ele
disse não com a cabeça, sem saber bem do que o outro estava a se referir.
– Nunca tive
ninguém quando era novo, quem quer agora esta carcaça velha? – e todos riram
com a frase do velho Trevor.
– Então o
senhor não tem ninguém? Família? Filhos? Nada? – questionou um outro marinheiro,
mais sóbrio, com curiosidade no olhar.
Trevor encarou
o copo de água que bebia, analisando o líquido translúcido.
– Fui criado
numa mansão minha vida inteira, mas a filha do meu senhor é como uma filha para
mim. Ela é tudo o que me importa.
Apesar de já
terem bastante álcool no sangue, os homens fizeram um silêncio respeitoso e
mudaram de assunto. Trevor sabia que cada um deles também tinham suas famílias
e problemas aos quais pensar, e metade nem voltaria vivo para os voltar a ver,
e, talvez, sua frase lhes relembrara da dura realidade.
Para quebrar o
clima triste, o pequeno Clover agarrou nas garrafas de bebidas com seus cipós e
começou a fazer truques por cima do bar, arrancando sorrisos de toda a gente.
Depois da
noite animada no bar em Porto Marinada, que se resumiu, basicamente, a
marinheiros bêbados cantando e comendo, Clover sendo um artista de circo e Trevor
ali no meio como Wooloo negro, sem saber o que fazer ou pensar, mas acabando
por rir um pouco das desgraças dos outros, passaram todos a noite nos quartos
do mesmo navio que os trouxera até ali.
Na manhã
seguinte, bem cedo, foram todos conduzidos para o interior de uma carruagem ao
lado de uma quantidade assustadora de gente. Estavam tão apertados e
desconfortáveis dentro da locomotiva que fora difícil prestar atenção à estrada
e ver a paisagem que a natureza de Paldea oferecia até o horizonte. Trevor e Clover
ainda conseguiram apreciar um ou dois momentos, mas as pessoas sempre se metiam
na frente, e logo, roupas malcheirosas e diferentes caras suadas e assustadas
eram a única coisa que tinham para fitar.
Idosos ou
crianças, jovens ou velhos, não importava idades ou faixas etárias e os Pokémon
que os acompanhavam e que Trevor desconhecia. Todos seguiam em silêncio e com
olhares distantes. A carruagem parava em várias estradas e acartava mais e mais
gente e Pokémon diferenciados no seu interior de diversas localidades, uns por
vontade própria, outros por obrigação, como se todos fossem simples mercadoria
e o bem-estar não existisse. Não comeram e nem beberam nada durante horas, e
bem ao final de uma tarde desgastante, viram-se entre montanhas.
Um túnel enorme
fora escavado entre aquelas escarpas rochosas. Ali todos saíram e foram a pé
até o outro lado o resto do caminho. Quando por fim atravessaram o trilho
escuro, viram-se perante uma paisagem de cortar a respiração, pois haviam
chegado ao destino.
Trevor acariciou Clover em seu ombro, e o
pequeno Pokémon encontrava-se agitado, tal como todos os outros Pokémon da
área, como se persentissem alguma coisa ruim que existisse lá em baixo.
– Parece-se
que chegamos, meu amigo. – murmurou o velho para seu Snivy.
Um nevoeiro cerrado
impossibilitava uma visão mais detalhada, mas todos tinham a certeza que
estavam à beira de uma enorme cratera que se estendia até o horizonte. A Grande
Cratera de Paldea os saudava com todo o seu misticismo e esplendor.
– Parece que o
dia está perfeito para descer. – comentou um dos exploradores, com a voz grave,
e fora difícil perceber se ele estava a ser irónico ou não, pois as nuvens eram
tantas e o vento soprava com força, que era impossível não imaginar o
surgimento súbito de um tornado no meio daquele poço nublado.
Pelos trajes
muito bem engomados do homem, era o líder da expedição que estava prestes a ser
iniciada. Ele vinha acompanhado de outras pessoas de uniforme com ar igualmente
importante e superior. Todos enfileiraram-se para ouvir. O homem repetiu a
mesma frase em diversas línguas, para todos os presentes compreenderem na
perfeição.
– Sei que
estão cansados e com fome, mas antes que as condições atmosféricas piorem,
vamos primeiro descer e lá em baixo todos serão recompensados com um jantar
farto e um bom vinho Paldeano. Começamos os trabalhos propriamente ditos amanhã
de manhã bem cedo. À medida que entrarem naquele elevador, preciso que cada um
diga seu nome e assina.
Naquele tempo,
uma instalação localizada na beira da cratera e responsável por sustentar a
plataforma (ou elevador, como quiserem chamar) e controlar todas as entradas e
saídas autorizadas dos exploradores, não passava de uma grande casota de
madeira. Ao seu lado, um mais modernizado, de metal estava a ser construído com
a tecnologia de ponta daquele tempo, mas o acesso a esta ainda era restrito.
Todos entraram
um por um na casota, e como era muita gente, aquilo ainda iria demorar. A
maioria dos treinadores foram obrigados a manter os seus Pokémon de maior porte
no interior de Pokéballs. Cyclizars, Pokémon lagartos leves e muito típicos
como montarias em Paldea desde a antiguidade, iam carregados com mantimentos e
com as coisas de cada um. Bens em excesso eram deixados na instalação, e a cada
dez pessoas fora atribuído um Cyclizar para auxiliar. E a quantidade de pessoas
que desciam no elevador eram trinta pessoas por vez.
A prioridade
era levar bens essenciais. Vinho e outros mantimentos mais caros reservavam-se
aos senhores que lideravam a expedição e a alguns casos especiais partilhados
com todos. Trevor estava habituado a comer pão todos os dias na mansão, por
isso, não surpreendeu a ideia de comer pão velho e duro caso a comida lá em
baixo fosse perdida ou escassa, quando viu um dos Cyclizars ser apenas carregado
com sacos de pão.
– Isto está a
demorar demais… – disse um dos exploradores, perto do sítio onde Trevor se
localizava a espera da sua vez para assinar o contrato. O homem batia com o pé
no chão, impaciente. – Carreguem mais o elevador – ordenou.
Trevor sentiu
um calafrio, e o seu Snivy encolheu-se mais contra o pescoço do seu humano e
abanou a cauda, ansioso. O homem que acompanhava o superior reprovava a ideia.
– Mas senhor,
não estaríamos a sair do peso da carga recomendada e por a vida destas pessoas
em risco?
– Estás a
sentir este vento forte? Temos que nos apressar. Com uma tempestade eminente vai
ser ainda mais complicado descer. E tempo é dinheiro, rapaz.
O outro
engoliu a seco, mas assim foi. Em vez de trinta por vez, foram sessenta. E depois,
em vez de sessenta, ao ver que o elevador parecia aguentar bem, a ordem foi
aumentar para noventa pessoas e seus Cyclizar. E isso aumentou o ritmo de
descida entre a névoa, e a população naquele descampado ao redor da instalação
lá se ia dispersando.
Chegara a vez
de Trevor assinar a papelada. Disse seu nome ao recepcionista. Não sabia ler,
por isso, confiou nas inúmeras linhas do contrato que lhe botaram em frente e
no pouco que a pessoa lhe dissera. Molhou a pena na tinta e escreveu um pequeno
símbolo no local onde disseram para assinar, o símbolo da mansão de onde vinha
e dos seus senhores. Desenhar isso bastava para se identificar, e Trevor até
tinha certa habilidade para a coisa.
Quando
entregou o papel, ouviu um estalo. Ao início ignorou, pensando ser apenas um
ruído qualquer devido à multidão presente, mas depois, apercebeu-se que era
mais sério do que pensava quando ouviu outro estalo, seguido de um grito
distante que se tornou num conjunto enorme de gritos de uma multidão, ecoando
em todas as direções.
O Snivy elevou
a cabeça, e saltou do seu ombro, indo na direção do elevador o mais depressa
que conseguiu.
A população
começou a se concentrar ali, desesperada, enquanto o pequeno Pokémon cobra
fazia uma força tremenda com vários cipós que acabara de conjurar. Trevor o
agarrou, para o ajudar a puxar, mas o peso que o Pokémon sustentava era imenso.
Várias pessoas também se juntaram para ajudar e agarraram-nos, puxando pela
corda do Pokémon tipo planta até as palmas das suas mãos ficarem ensanguentadas.
A corda que
sustentava a outra parte do elevador também estava prestes a ceder devido a
todo o peso, e Snivy achou que o melhor era criar um novo cipó para sustentar a
plataforma de igual para igual. A força que todos faziam era tamanha que o
Pokémon acabou por ficar envolvido numa aura magnífica, dando lugar a um
majestoso Servine.
Trevor encarou
seu Pokémon recém evoluído com espanto, e a nova força dos seus poderes em
conjunto com a de todos foi a suficiente para conseguir trazer a plataforma
para cima.
E com a
plataforma, os sobreviventes da queda do elevador chegaram a salvo. Nenhum dos
Cyclizar sobreviveu, as mercadorias caíram e foram perdidas, e das noventa
pessoas, umas cinquenta conseguiram-se agarrar à plataforma e uns aos outros, bem
a tempo para não caírem daquela altura considerável. Dizem que se não fosse o
Snivy, quer dizer, agora Servine, atuando a tempo, que o desastre daquele
descuido podia ter sido muito maior. O líder da expedição foi punido devido à
sua má decisão e ousadia, e Trevor e Clover foram vistos como pequenos heróis
naquele dia, e ambos garantiram desde já um bom dinheiro graças àquele feito,
caso saíssem vivos da cratera nos tempos que viriam, é claro.
O elevador fora
arranjado na tarde seguinte, e, bem à noitinha, todos conseguiram descer a
cratera. A plataforma foi devagar seguindo todas as regras de segurança para
não ocorrer outras perdas que nem as do dia anterior, penetrando nas nuvens,
que eram tão concentradas que todos ficaram encharcados e mal conseguiam ver-se
uns aos outros, mesmo estando próximos.
As densas
nuvens começaram a clarear, como se já não fosse noite, e, de facto, durante
muito tempo, senhor Trevor e o seu Servine não souberam mais o que era
escuridão, pois tudo ali em baixo, era tão claro e brilhante, como se tivessem
entrado num universo paralelo onde as próprias nuvens eram o sol intenso
refletindo seus raios de luz, num fenómeno que poucos conseguiram explicar.
E os anos
foram passando ali em baixo, pois nos contratos, apesar de poucos terem dado
atenção a esse detalhe miserável, escrito em letras bem miudinhas no final de
cada folha, dizia que cada um devia cumprir serviço na Cratera durante vinte
anos… Trabalhar vinte anos para o Imperador em nome do Império de Paldea.
Pode-se dizer
que a estadia de Trevor e Clover na expedição seguiu o ritmo e dificuldade que
quaisquer exploradores podiam seguir na Grande Cratera de Paldea. Passaram
fome, sentiram dificuldades, enfrentaram seres que ninguém imaginava enfrentar,
e que pareciam saídos de outro mundo ou vindos diretamente das lendas. Caíram
de desfiladeiros, quase foram atingidos por derrocadas, perderam pessoas
queridas, e assim viram a morte passar em frente aos olhos… Mas também passaram
bons momentos, com descobertas novas, novas amizades, e Pokémon selvagens
simpáticos que os ajudaram. Teve uma vez que Clover fora roubado por um grupo
de exploradores rivais que domavam ferozes Sevipers, mas outra onde o velho
Trevor reencontrara um antigo amor à muito perdido, ou como ele aprendera a
desenhar e fizera um magnífico desenho do interior da cratera, desenho este que
o Imperador utilizou anos mais tarde…
Infelizmente,
não dá para resumir muito mais as aventuras e desventuras de Trevor e Clover
passadas em vinte anos nas poucas páginas que me restam para contar esta
história. O evento do elevador fora um dos primeiros e mais importantes feitos
da dupla, e está na altura de concluírmos esta fase da vida do senhor Trevor,
com um pequeno achado, mas muito importante, que ele fizera certa tarde, muitos
anos depois da viagem se ter iniciado.
Alguns dias
eram mais rápidos que outros, e não era mentira que os mesmos começaram a
parecer ainda mais longos mal Trevor descobrira aquele detalhe relacionado ao
tempo de serviço a cumprir, pois estava cansado, e tinha mesmo muitas saudades
de casa devido a todo o tempo que já se encontrava ausente. O velho criado não
tinha propósito nenhum ali, não queria tesouro, e, desde o início, com o grande
acidente do elevador e sua enorme contribuição com Clover para o bem de todos,
entre alguns outros feitos heróicos ali e aqui, já tinha ganho bastante para
pagar ao senhor da mansão o mínimo que este queria.
Enquanto
outros almejavam mais e mais, senhor Trevor não queria mais nada, pois sentia
que não precisa de mais nada. Só queria paz e voltar para sua Unova, voltar
para a sua rotina monótona na mansão. Voltar a ver a chuva a cair no jardim, a
paisagem na montanha, ir às compras na cidade, usar seu guarda-chuva contra ventos
até este se partir, e, principalmente, voltar a ver o sorriso da criança que
servia, que o tratava tão bem, e que ele tinha acolhido como filha… Saber como
ela estava, pois já devia ser uma bela mulher, casada e com filhos.
O velho homem,
pouco a pouco, começou a ter sua saúde deteriorada, devido ao peso da saudade,
e afastava-se de todas as pessoas, preferindo a companhia dos Cyclizars que
carregavam a carga e iam atrás de todos nas caminhadas longas. O Servine muitas
vezes arranjava-lhe umas berries selvagens, com propriedades curativas, que
ajudavam bastante na sua condição, mas o homem triste estava velho, e parecia
que não ia aguentar muito mais.
Antes de
entrarem em grutas profundas em níveis muito mais a baixo no solo, longe da luz
das nuvens e da floresta com suas árvores e troncos de cristal, Trevor
sentou-se numa rocha, acariciando a cabeça de Clover, olhando o nevoeiro claro
que se estendia por cima da cabeça. A expedição preparava-se num pontinho
distante num acampamento improvisado, como tantos outros que construíam, e
também aproveitavam o ar livre uma última vez, como se estivessem prestes a
entrar numa sepultura, pois dizia-se que as grutas eram muito mais perigosas
que a selva que dominava os níveis superiores da Cratera.
Trevor, em
certo momento, notou um pequeno ponto brilhante debaixo da rocha onde se
encontrava sentado a descansar, e com a ajuda de Servine, acabou desenterrando
um objeto muito estranho. Talvez pertencera a algum explorador que por ali
passara em expedições anteriores e perdera, ou talvez era algum tesouro de uma
civilização antiga que sempre ali esteve e ninguém nunca tinha encontrado.
O homem, por
instinto, escondeu aquilo de tudo e todos em seus trajes, pois todos os bens e
relíquias encontrados eram confiscados pelos líderes da expedição, e ele não
queria o mesmo destino vindo daquele objeto bizarro, pois, por breves
instantes, este tornara-se muito especial para ele, pois fora uma virada em
seus sentimentos.
Parecia um
colar, com um grande e cintilante cristal na extremidade, e, naquele instante,
mal o vira, o velho homem ganhara uma força imensa, de forma inexplicável, para
continuar na expedição até o fim, se apercebendo que toda a sua vida sempre
fora um homem bem sortudo, e que no final, quer seja vivo, morto, ou qualquer
que fosse a surpresa do destino, aquela experiencia e todo aquele mal entendido
iriam valer a pena.
E assim, depois
de encontrar este colar que ainda iria dar muito jeito depois deste descobrir
seu segredo, usando-o muitas vezes para sobreviver e como fonte de esperança e
poder, a pequena história de Trevor, o velho criado, e seu pequeno Pokémon de
cor diferenciada, encaminhava-se para o final propriamente dito.
Uns vinte
cinco anos depois, Lady Adelaide encontrava-se na mansão de costume, com seu
típico cavalete, a pintar.
Ela estava
mais alta, com os cabelos longos, mas ainda mantinha um ar jovial. Ao seu lado,
várias crianças corriam pelo pátio nas brincadeiras, saltando poças de água. O
clima era chuvoso, como típico no sopé daquela montanha. As pinceladas sinuosas
eram bem mais experientes que as que realizava anos atrás, resultado de anos e
anos de prática, e ela reproduzia o jardim encharcado com toda a sua precisão.
Em certa
altura, acaba por desenhar uma planta, que antes não notara que estava ali.
Porém, a planta aproximava-se, rastejando, e sua silhueta tornara-se um longo
Pokémon cobra de lombo azulado, que Lady Adelaide reconheceu de imediato,
apesar de este estar muito diferente do pequeno Snivy que conhecia.
Largou tudo o
que estava fazendo e correu por debaixo da chuva, abraçando Clover com toda a
sua força. O Serperior envolveu-a em seu corpo, e deixou-se levar pelos beijos
repletos de saudade de sua dama. As crianças correram ao redor de ambos, dando
pulos na lama, interessadas no Pokémon que nunca antes tinham visto.
– Mãe! É o
Pokémon que contas das histórias! – exclamou uma das crianças, encantada.
– Sim! É ele
mesmo! – Adelaide confirmou à menina, e seu sorriso desvaneceu-se, e deixou uma
lágrima escapar, quando se apercebeu que o Pokémon vinha sozinho. – Clover… O
senhor Trevor… Ele…
O grande
Pokémon cobra baixou a cabeça, pensativo, e Lady Adelaide notou então as
cicatrizes que percorriam seu corpo, como se ele tivesse travado muitas lutas
naqueles anos todos, em busca da sobrevivência nas profundezas de Paldea. Cada
cicatriz era um troféu ganho depois de alguma história não contada, que restava
ser desbravada na imaginação dos leitores.
A esperança
estava quase a se desmoronar em lágrimas, quando Lady Adelaide ouve o portão da
mansão se abrir, e passadas no cascalho do alpendre.
Um homem
corcunda, extremamente idoso, magro e pálido, aproximou-se do banco, carregado
com vários sacos, e vinha encharcado, sacudindo um guarda-chuva quebrado. A
mulher correu até ele, e o envolveu num longo abraço, pois apesar de o senhor
ter perto de cem anos, não hesitara em ir à cidade prestar serviço antes de voltar
a casa.
– Senhor
Trevor! – Lady Adelaide desfez-se em lágrimas mal o viu. – Oh! Senhor Trevor!
Não precisava de se ter sujeitado a este temporal! Temos coisas em casa! O
senhor está… Típico como sempre!…
O velho
encontrava-se muito cansado, mas sorria imenso por estar de volta, sentou-se no
banco, e ela ao lado dele. Removeu do interior do bolso um colar, que lhe deu.
– Oh… Senhor
Trevor! É muito bonito! Mas sabe, não precisava… Acho que eu, nesta tarde
chuvosa, preferia receber outro poster encharcado em troca do que isso… –
explicou a donzela, olhando a relíquia.
O velho
começou a rir, bem antes do colar transformar-se numa pequena tartaruga, que
vinha com um papel na boca. O Pokémon deu um giro rápido, flutuando no ar, pela
surpresa da mulher. Após a jovem aceitar a folha em mãos entregue por este, a
tartaruga voltou a se tornar num belo colar, tão rápido, como se sua presença
nunca tivesse existido.
Não era um
desenho da Grande Cratera de Paldea por fora, mas sim, da paisagem em seu
interior. Um desenho que todos os exploradores daquele tempo receberam do
imperador de Paldea depois de cumprirem serviço, e poucos imaginavam que fora
feito pelo próprio Trevor, que queria desenhar pensando apenas no sorriso que
seus traços iriam arrancar da sua donzela. Um belo desenho de um sítio
carregado de boas e más memórias, e não um certificado qualquer. A arte
minuciosa devia ser admirada.
Rapidamente,
Trevor descobriu que o senhor da mansão tinha falecido anos antes, Lady
Adelaide casara e tivera filhos, e tornara-se ela a líder da casa. Trevor já
não precisava do dinheiro para deixar de ser um criado e ganhar um estatuto
melhor, mas o mesmo fora uma grande ajuda na mesma, pois, pelo que entendera, o
senhor da mansão deixara muitas dívidas a pagar depois da sua morte, tantas que
ninguém imaginava que ele se tinha afogado assim com negócios mal organizados
em busca de enriquecer mais. E lá ela tivera que vender muitas das riquezas do
pai e cortar custos, tanto que sentiram faltas.
– Tentai
contactar o imperador, pedindo para o senhor voltar, mas não consegui o
convencer… Me desculpe. – sussurrou Adelaide para o homem, carregada de pena. –
E ele exigia um preço grande, que já não tínhamos…
– Vai ficar
tudo bem agora, minha filha… – o idoso murmurou, com um brilho distante no
olhar. Pois nada mais daquilo importava. – A ganância traz consequências
complicadas de lidar, mas resta rezar para ter sorte e encontraremos um modo de
conseguir lidar com tudo isto… É só não carregar muito o elevador com nossa
bagagem.
Ela não
compreendeu muito bem o que aquilo significada, mas riu e o abraçou com força. Trevor
lamentou não ter estado presente para a amparar em seu ombro face a todas
aquelas dificuldades ou nos bons e maus momentos, mas agora, ver o sorriso e
felicidade da mulher o encheu de paz e tranquilidade, e ambos iriam recuperar o
tempo perdido.
O Serperior
Shiny voltou a ajudar nas tarefas da casa como antes, e Trevor cuidou dos
filhos de Adelaide como se fossem seus, e viveu feliz o resto dos seus dias,
falecendo muitos anos depois, rodeado das pessoas e Pokémon que o amavam.
Pode-se dizer que viveu muitos anos, mais anos que muitos não conseguem
alcançar.
Lady Adelaide,
tornou-se uma artista ainda mais formidável, e lamentou a morte dele,
sepultando-o no próprio jardim da casa, prometendo cuidar muito bem do colar e
da tartaruga estranha que o mesmo escondia. O colar passou de geração a geração,
e, apesar de poucos saberem sobre a tartaruga ou o verem apenas como um colar
ordinário, o mesmo acabou trazendo felicidade e sorte na vida dos habitantes daquela
casa e descendentes de Lady Adelaide. Pelo menos, até o mesmo desaparecer,
pouco tempo antes da mansão ser consumida por temporais e a floresta viva que a
circundava ficar seca e árida.
Hoje em dia,
ainda é possível visitar esta mansão abandonada no leste de Unova, alguns dizem
que ela fora palco de outras histórias relacionadas a Pokémon lendários, mas
essas já não nos interessam, pois, talvez, um dia, sejam contadas por alguém em
outra região…
Enquanto isso,
na encosta da Cratera de Paldea, até os dias de hoje, ainda são ditas histórias
sobre uma estranha cobra de cor azulada vinda de Unova, que salvou a vida de
muitas pessoas quando o elevador antigo que na época utilizavam para descer a
cratera corria risco de desabar quando uma das suas cordas rebentou.
Quanto ao paradeiro do colar propriamente dito, é provável que alguém o tenha vendido por um bom dinheiro ou atirado ao mar, onde, ao movimento suave das ondas, seguira o chamado da saudade e voltara para a longínqua Paldea. Voltara para a Cratera. Voltara para seu verdadeiro lar.