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- Capítulo 9 – Astronomia Náutica – Parte 2
– Manjar! Não!
– vi meu precioso Dachsbun cair.
Lágrimas
começavam a cair da minha face. Tinha duvidado daquela mulher e seu potencial,
e agora sofria as consequências da pior forma possível.
Sempre
imaginava aquele dia como um dos dias mais gloriosos e felizes da minha
jornada, afinal, era o grande evento que marcaria o fim da mesma, pois a mesma
se iniciara a pensar na chegada daquele mesmo dia.
Mas aquele fim
estava a se tornar num pesadelo em campo.
Consegui
derrubar o Copperajah, mas custou-me muitos sacrifícios. La Primera ainda tinha cinco Pokémon intactos, e, naquele momento,
só me restava um único monstrinho capaz de combater.
Retomei o meu
cachorrinho ferido para a sua Pokéball, e agradeci pelo esforço em vão. Comecei
a ouvir a multidão à minha volta a me insultar, pois queriam ver um combate
entusiasmante e demorado entre duas treinadoras de elite e só receberam uma triste
débil qualquer que perdera quase toda a equipa nem fazia vinte minutos.
Sentia-me um
saco de lixo, e veio outra náusea quando a imagem inundou-me o pensamento. Eu
estava tão desestabilizada por causa da minha má disposição, que não conseguia
conectar-me com meus Pokémon e lutar com todo o meu potencial.
O observar de
Geeta cruzou-se com o meu, antes deu soltar o último companheiro que me
restava. Ajoelhei-me. Sentia-me um fardo tão grande que mal consegui-a
olhar-lhe nos olhos, por ela ser tão superior e distante de mim.
Estava quase a
dizer que queria desistir…
Mas, ao mesmo
tempo, não sei como consegui uma última golfada de esperança para manter-me em
campo. Afinal, se eu estava ali, não podia simplesmente naufragar longe da
costa e morrer afogada.
Eu ainda era demasiado
orgulhosa para chegar a esse ponto.
– Vai Popó!
Usa Spin Out! – comentai, atirando a
minha ultima esfera ao ar.
– Body Press – Geeta ordenou ao seu
Pokémon, instantes depois.
Popó, o meu
Revavroom, disparou pelo campo a toda a velocidade, deixando atrás de si uma
enormíssima nuvem de toxinas provenientes da energia que ele produzia em seu
cilindro de motor. O Avalugg de Geeta também começou a caminhar, em passos tão
pesados que originavam mini tremores de terra.
Os corpos de
ambos os Pokémon chocaram entre si, fazendo a estrutura do estádio estremecer por
inteiro devido a tamanha força. O Avalugg já tinha sofrido muitos danos dos
meus Pokémon antes, e o Reravroom era o único que não tinha lutado.
As enormes
patas do Pokémon de gelo fraquejaram.
O tremor do
chão e o aroma característico do meu Pokémon contribuíram muito para o retorno
do meu estado de mal estar. Eu devia estar mais branca que papel. Maurício e
Bombur estavam preocupados comigo, um sentimento que se traduziu nas suas
expressões quando os fitei e distinguir entre a multidão, bem antes de ouvir o
arbitro da batalha anunciar que o Avalugg de Geeta não aguentara o golpe do
Revavroom e ficara fora do combate.
La Primera respirou fundo antes de
soltar o seu próximo companheiro. Ela também via a minha cara doentia.
– Se não te
sentes em condições, a batalha pode dar-se por terminada aqui.
Eu não queria
aquilo.
Não queria que
ela sentisse pena de mim.
Não queria que
ninguém já desse tudo por terminado, apesar deu só ter apenas um único Pokémon.
Pisei o chão,
frustrada.
A batalha
podia manter-se o tempo que fosse necessário para eu ganhar. Meu Revavroom fez
um barulho rouco, quando comecei a ouvir uma agitação entre os espectadores.
Ao início
pareciam gritos, depois frases desconexas, que, aos poucos, foram ficando
fortificadas, até se transformarem em uma única palavra.
Um sussurro.
Um pedido.
Glimmora, Glimmora, Glimmora… – diziam,
quase numa súplica.
A Campeã
sorriu com o que seus fãs solicitavam, depois virou outra vez a sua atenção até
a minha presença insignificante.
Estranhei
muito o momento que se seguiu.
– Se fosses
tu, o que fazias no meu lugar? Ignoravas, ou seguias a nova corrente? Entregavas
aos teus seguidores o que eles queriam ver?
Eu sabia que a
Glimmora era o Pokémon mais poderoso de La
Primera. Era sempre a última opção que a mulher soltava, bem no final do
confronto, quando ela não tinha outras opções.
E, naquele
instante, ela não queria saber se eu dava fanservice
ou não às pessoas que me rodeavam.
Ela queria
dar-me era uma oportunidade.
Uma
oportunidade de sonho, de lutar contra aquele tão precioso companheiro dela,
pois em circunstâncias normais, estava mais que óbvio que, com apenas o
Revavroom, eu não chegaria ao último turno da batalha, nem ficaria perto deste.
E era sempre em último recurso que a Geeta o soltava.
Segurei minha
respiração.
Apertei os
punhos.
– Mostra-a. –
pedi.
Não estava a
conseguir encará-la, mas sabia que Geeta sorria com minha audácia.
A Pokéball que
a mulher soltou era muito diferente das demais.
– Glimmora...
Sê uma das luzes que nos guia a todos.
Uma energia
começou a se acumular, vinda de todos os lados. As pessoas começaram a gritar,
eufóricas por finalmente algo entusiasmante a acontecer, e seus gritos e
chamados se intensificavam à medida que o cenário ficava escuro, apenas para
uma enorme coroa a cintilar no meio do recinto, cheia de esplendor. Fragmentos
de cristal e inúmeros pontinhos multicoloridos dançavam ao redor do ser,
cobrindo sua pele como uma armadura multicolorida.
A luz era tão
intensa que eu mal a consegui fitar. Meus olhos precisaram ainda de uns longos
minutos para se habituarem à enorme estrela que existia ali em frente, que
cintilava como se fosse a única a existir no universo.
– O que achas
dela? – ouvi Geeta questionar-me, com um tom carinhoso. Apesar de, bem no
fundo, ser desafiador.
– É… Linda…
Ainda mais, aqui. Tão alta, entre as nuvens. – tive de o admitir.
A luz da Glimmora
sempre me abismara. Aquela criatura e suas pétalas pareciam saídas diretamente de
um sonho graças ao efeito que os cristais entregavam. O Fenómeno Terastral
surgira em Paldea há poucos anos graças às pesquisas de uma tal Professora Sada,
e não era de admirar o mesmo ter-se tornado num sucesso estrondoso devido à
beleza e poder que entregava.
Geeta prendeu
a respiração, e olhou para cima.
– Navegação Astronómica
é fascinante. As embarcações antigamente só tinham como referência o céu noturno.
Sabias que os primeiros exploradores da Grande Cratera de Paldea usavam as
Glimmoras e seus padrões comportamentais para se guiarem no subsolo?
Se fosse hoje
em dia, eu iria penetrar mais naquela matéria por a considerar tão curiosa, mas,
na época, eu não era tão interessada assim em história.
– Bússolas.
Compassos. Astrolábios. Mapas. Barcos. Céu. Estrelas. Mar. Explorações. Descobrimentos...
– cuspi as palavras, pisando os azulejos do chão que formavam a rosa dos ventos
do campo. – Não quero saber. Sinceramente, estou a ficar um pouco cansada
destas metáforas idiotas.
– Não ignores
elementos da nossa história, Haruka. Podemos aprender com os avanços e recuos
dos passos dos nossos antepassados. – e realizou aquele maldito gesto outra
vez, dando lugar à sua ultima ordem. – Mortal
Spin.
A multidão fez
um alvoroço.
A Pokémon flor
de lótus abriu suas pétalas, antes sequer de eu conseguir reagir. A Glimmora
girou tão poderosa como uma broca, a alta velocidade em todo o campo, deixando
atrás de si um raio de luz faiscante devido ao seu corpo brilhante numa questão
de segundos.
Uma explosão
de cor e fragmentos de cristal inundara todo o recinto por completo. Ouvi o
grito de desespero do meu Pokémon, sendo consumido pelo impacto. Um Pokémon
cheio de vitalidade, levando tantos danos de um movimento que, nos meus
fracassados pensamentos, nem devia ter causado metade dos danos que realmente provocou.
Aquele poder
ia contra todos os precedentes.
Era o
verdadeiro fim.
– Revavroom
está fora de combate! – ouvi o árbitro anunciar. – A vencedora do combate é a
atual Campeã, Geeta!
La Primera! La Primera! La Primera! – as
pessoas começaram, a lhe glorificar.
Deslizei meu
corpo até o chão, deixando-me cair ao lado das lágrimas que derramavam em minha
face como um rio constante. Eu ainda tinha esperança no meu último Pokémon…
Ainda tinha… Ainda podia ter ganho, ainda podia ter recebido dinheiro e o
troféu, ainda podia ter reconstruído a minha casa de sonhos em Cabo Poco… Mas
estava tudo acabado. Quando iria pôr isso na cabeça?
Retornei
Revavroom para sua cápsula, ao mesmo tempo que Geeta retornou seu Pokémon para
o interior da Pokéball dela. O cenário voltou ao normal, agora que a grande
estrela desaparecera, e os muros de nuvens da cratera e o céu estrelado com sua
lua radiante voltaram a tomar a paisagem.
Mas nem tudo
acabava por ali. Ela manteve-se em pé, à minha frente.
Não sei bem
como, mas, em contrapartida, uma chuva de papéis e lixo começou a atingir-me, e
aquilo não estava nos planos de ninguém. As nuvens que derramavam aqueles insultos
eram as próprias pessoas que assistiram o espectáculo, maldosas, insatisfeitas
com meu fiasco.
Estava a ser o
pior dia da minha vida.
Senti que nada
podia melhorar naquele momento.
Ajoelhada, a
chorar, sem conseguir aguentar o fracasso, mal dei conta do momento que a chuva
de humilhação se dispersou, quando os seguranças tiveram que interferir nas
arquibancadas.
Em poucos minutos a população agitada desaparecera como ordem, e, quando dei por mim, só estava eu ali, a chorar rios de água em frente à minha adversária. Era algo um tanto vergonhoso, lamentar tanto aos pés de alguém imponente.
Geeta
olhava-me, como quem encarava alguém afogar-se no seu próprio desespero.
E foi quando
as lágrimas começaram a secar, depois de tanto chorar até não conseguir mais,
que ela aproximou-se mais de mim e mostrou que não estava a gozar com minha
figura.
– Agora que
estás mais calma. Quero que penses um pouco… Porque perdeste?
Outra questão
inoportuna.
Continuei de
gatas, fixando o chão. Mal conseguia abrir os olhos afogada nos soluços.
Perdi porque não pratiquei, fiquei a tocar
piano e a me divertir com meu companheiro em vez de treinar. Perdi porque
acreditei demasiado nos comentários dos outros. Perdi porque não acreditei no
potencial dela. Perdi porque estava mal disposta, e essa indisposição
atordoou-me os pensamentos. Perdi
porque abusei da minha sorte… – eram várias as coisas que vinham à minha
cabeça.
Vários
factores que eu culpava e que sim, contribuíram de alguma forma na minha perda.
Mas nada daquilo saiu da minha boca para justificar, além do silêncio das
minhas palavras.
La Primera abaixou-se, e tocou-me no
ombro, com aquela luva quente que cobria os seus delgados dedos.
O súbito
contacto físico fez-me encará-la por momentos.
Consegui
voltar a lhe fixar os olhos. O observar de Geeta cintilava como um par de
brilhantes estrelas, e, finalmente, consegui enxergar nela um restício de
humanidade. Algo que, de certo modo, me acalmou, apesar de manter minha
tristeza.
– Lembras-te
de eu te dizer, que quando eu cheguei a esta região, eu não sabia como navegar
nos caminhos de Paldea? – questionou-me.
– Sim,
disseste qualquer coisa sobre tomar qualquer trajetória… – murmurei. Por ter
sido das poucas coisas que ela dissera no início da batalha, ficaram marcadas
na época.
– Durante um
tempo, eu quis auxiliar todos nos seus caminhos, pois ninguém auxiliou o meu,
além da minha estrela. – ela forçou um sorriso misterioso, que pareceu triste.
– Mas depois me apercebi que… O céu tem milhares de corpos celestes, e se todos
somos diferentes, porque todos deviam se guiar apenas pelo brilho de um só
deles?
Encolhi os
ombros.
– Não é a Estrela
Polar a melhor referência para o norte?
Ela soltou uma
pequena gargalhada com a minha pergunta, por eu estar a levar tudo para o sentido
literal das coisas, pois ela estava outra vez a brincar com o lado figurado de
tudo aquilo.
– Perdeste
porque o brilho da minha Glimmora pode cegar muitos treinadores que chegam
demasiado perto dela. – ouvi ela explicar, atenciosamente. – Não foi nada mais
que uma situação onde a vida nem sempre corre como planeamos. Os ventos que por
ela correm podem nos obrigar a seguir um rumo diferente, um rumo que nos leve
até outro lugar e nos force a procurar uma nova estrela capaz de abrir a
escuridão que se segue. Mas não julgues o novo destino só porque não era aquele
que realmente querias alcançar. O que é novo consegue ser assustador, mas também
bonito de se ver, e pode surpreender.
O que é que
mais importava nesta altura além do meu título? Toda uma jornada e todas as
batalhas foram para nada? O que iria acontecer agora comigo, que fosse mudar,
tudo da maneira que eu visualizava? Que destino era esse que estava para
chegar?
Na altura assimilei
aquelas palavras com imensa dificuldade.
Tanto que já as
tinha esquecido.
Até relembrá-las
hoje…
Depois vi
Geeta virar as costas, começando a se distanciar devagar para ir embora, e
realizando o tal gesto sinistro, para se despedir.
– Espero que
consigas navegar nas novas águas que estás para descobrir. Aproveita as melhores
ondas. Mantém a esperança nas tempestades. E que sejas feliz não só na viagem,
mas também quando chegares ao final dela.
Os dois
ratinhos brancos estavam a discutir. E juntou-se mais dois ratinhos brancos
para a festa. Estava na rua, fora do grande edifício da Liga Pokémon, sentada
num banco, à espera que os meus Pokémon recuperassem na enfermaria. Ainda
estava maldisposta mas o ar dali de cima, vindo da cratera, me refrescava.
Ao meu lado,
no chão, grupinhos de Tandemaus se reuniam, brigando por algumas berries. Já,
no outro lado do banco, o meu amigo Bombur comia o pouco que restava das
pastelarias.
Arranquei a
caixa das mãos dele, e dei aos ratos.
– Hey! Eu
ainda não tinha acabado! – ele reclamou, mas ignorei.
Não era
permitido alimentar os Tandemaus famintos que habitavam a estrada que subia de
Mesagoza até a Liga Pokémon entre as montanhas da cratera, devido aos problemas
de população que a espécie podia dar. Mas, já que eu perdi a Grande Final, fui
humilhada em público e estava a ser um dia horrível, decidi alimentar os bem
ditos ratos na mesma.
Pelo menos
estava a fazer diferença na vida de alguém. Mesmo que essa ideia não me fizesse
sentir muito melhor.
Maurício
voltou alguns minutos mais tarde, enquanto eu sentia outro enjoo e via Bombur,
ao meu lado, a lamentar as migalhas de bolo de laranja espalhadas no chão. O
meu amigo olhou-me de cima a baixo, e eu notei que ele trazia um pequeno saco
castanho, daqueles das farmácias.
– Os meus
Pokémon estão assim tão mal que vão precisar de ser medicados em casa? –
questionei, preocupada. Foi a única coisa que consegui lembrar-me ao ver o
embrulho.
Maurício disse
não com a cabeça.
– Não é para
eles… – murmurou. – A enfermeira disse que eles vão ficar bem. Daqui a trinta
minutos recebem alta, e podemos finalmente voltar a casa.
Eu olhei,
desconfiada para o saco, e senti que aquilo também não era para ele próprio.
Devia ser para mim. E as desconfianças se confirmaram logo depois, pois, sem
mais demoras, Maurício e Bombur trocaram olhares.
– Haru…
Podemos conversar sobre uma coisa?
– Outra
pergunta? Vocês estão a parecer a Geeta agora. Ela que gosta de perguntas. –
disparatei, ainda de mau humor e traumatizada pela minha derrota.
Bombur
pigarreou, dando uma cotovelada no mais velho, para este falar logo o que tinha
a dizer e me perguntar a dúvida que ele tinha já bem antes do combate.
– Amiga...
Quando foi a ultima vez que as tuas cabeças de Scovillain cuspiram fogo? – ele
questionou, ficando muito vermelho de timidez a seguir. Uma timidez que também
se traduzia em preocupação.
Que… Que pergunta era essa agora?… –
lembro-me de pensar no momento, olhando para ambos, chocada.
Não…
Não podia ser…
Não podia ser o que eles estavam pensando…
– Eu sei lá… –
respondi, pensativa e furiosa ao mesmo tempo. – Vocês sabem que eu nunca fui
regulada. Está a ser o pior dia da minha vida e vocês aí com mierdas!
– Haru. Nós sabemos
que tu e o português fazem muitas
aventuras… picantes… – Bombur começou a sorrir, realçando a palavra picantes. Ele era menos desavergonhado
que o mais velho.
Eu fiquei mais
vermelha que piri-piri de Scovillain ao ouvir aquilo.
– Isso é… Isso
é impossível! – comecei, atordoada. – Nós os dois já tentamos antes e nunca
conseguimos… Algum de nós deve ter um problema…
– Nunca abuses
da sorte, Haruka… – Maurício murmurou para mim.
Talvez se eu
não tivesse abusado eu teria vencido a Geeta, mas em relação ao assunto que
eles mencionavam… Continuei sem saber o que pensar.
– Se… Seria
incrível se fosse verdade… Eu… Eu sempre quis isso… – gaguejei, olhando para a
família de ratinhos que ainda se deliciava com os restos de bolo.
E então o vi
esticar o saco na minha direção. Agarrei no embrulho e espreitei para o que
tinha dentro.
Meu coração
disparou.
– A Geeta está
lá dentro e deu-me isso… Para te dar. Não sei como mas ela sabia que eu te
conhecia e somos amigos de confiança. Ela pediu para ires fazer esse teste,
imediatamente.
– La Primeira? Deu-te o quê? – eu fiquei
sem entender nada. – Ela por acaso fez algum trocadilho com barcos, rotas
marítimas, estrelas, destino? ¿Una cosa
así? – e perguntei, a primeira coisa que me veio à cabeça.
– Falou em tesouros
encontrados em ilhas desertas onde podemos naufragar quando nos enganamos na
rota… – ele disse, movendo a cabeça num
sim confuso. Ele próprio não entendia o trocadilho.
Partes do que
ela me dissera em campo começaram a fazer sentido.
– Vá lá… –
Maurício segurou no meu ombro, para me apoiar. – Vai lá dentro e vamos tirar as
coisas a limpo.
De repente, só
noto os meus dois melhores amigos rirem da minha figura confusa e desajeitada,
quando corri na direção da casa de banho do edifício, aos trancos e barrancos,
praticamente esbarrando na porta da frente.
Certifiquei-me
que não tinha ninguém por perto, e tranquei a porta.
Li o manual e
a embalagem apressadamente. Ainda andava demasiado triste para prestar atenção
devida. Realizei o teste mas, no meu entender das coisas, dera negativo.
Sai logo a
seguir, tentando disfarçar o desapontamento, como se nada tivesse ocorrido.
Maurício e
Bombur me aguardavam perto da recepção. Fiquei surpreendida pela Geeta estar ao
lado deles, mas via distanciar-se para longe mal eu cheguei, até o meio de uma
legião de fãs perto da porta de saída que pediam autógrafos. Uma das coisas que
eu mais estranhei foi ela estar acompanhada do seu Pokémon flor de lótus fora
da Pokéball. Era claro que a Glimmora estava sem sua armadura e coroa de
cristal, por ser demasiado perigoso fora do campo de batalha, e ela parecia bem
mais pequena e frágil sem o efeito Tera lhe entregando a grandiosidade.
Tive a
sensação que, apesar de entregar autógrafos e saudar as crianças entre aquele
grupo de pessoas, Geeta não tirara os olhos de mim.
Virei-me para
os meus amigos. Já estava triste, mas, por algum motivo, me encontrara ainda
mais depois da realização do teste. Ouvi a Glimmora da Campeã fazer um
barulhinho distante quando realizou uma pirueta no ar para impressionar os
miúdos que se divertiam com os piões sinuosos que a flor realizava. Depois ouvi
a voz de Maurício.
– Haru… Isso
não foi… Demasiado rápido? – ele questionou-me, arqueando a sobrancelha,
desconfiado. – Fizeste tudo certo? Por acaso?
– Acho que
sim, mas de que serviu. Deu negativo. – encolhi os ombros, entristecida,
transmitindo o resultado.
–
Confirmas-te? Pode-mos ver?
Dei-lhe a
caixa, e eles abriram-na dentro do saco, escondida de todos, para não dar muito
nas vistas. As pessoas me olhavam de lado, com uma pressão de desprezo que eu
ainda iria sofrer durantes uns anos, até todos se esquecerem. Maldita hora que autorizei
o combate ser aberto ao público.
Os dois homens
fixaram os resultados. Depois se entreolharam e me fitaram de cima a baixo.
– O que foi?
Vão me julgar pelo meu fracasso também? – disse, incomodada com a chuva de
olhares.
Eles
puxaram-me um pouco mais para longe da multidão.
– Haruka.
Precisas de óculos? Viste mal o teste! – Bombur questionou-me com seu humor
particular.
– O teste está
positivo! Estás grávida! Haru!… – Maurício deu a novidade, quase a pular de
alegria, com um murmúrio carinhoso.
Pisquei os
olhos.
Os dois me
envolveram logo num abraço quente e demorado, enquanto novas lágrimas
escorreram. Não de tristeza, mas felicidade, pois aquele que tinha sido o pior
dia da minha vida também se tornara um dos melhores graças àquela noticia.
Eu mal podia
acreditar.
Este tempo
todo eu não tinha pensado na possibilidade, nem duvidado de nada das mal
disposições que me dominaram. A Campeão sorriu na minha direção, e desapareceu
de vista com a sua Glimmora seguindo-a ao movimento ondulante dos seus cabelos
negros.
Eu não
precisava mais do brilho daquele Pokémon para alumiar o meu caminho.
Pois a jornada
até ele já entregara tudo o que tinha para entregar, e agora, mudara de rumo, e
me abençoara.
Me abençoara
com uma nova estrela para seguir.
Nova estrela
esta que estava para nascer.
Tal como Geeta
lhe dissera tantos anos atrás, seria aquele um final da viagem?
E o que seria
de um final, sem uma estrela para a guiar na estrada?
Haruka observava o céu e o mar noturno pela enorme janela do quarto, enquanto apreciava um chocolate quente, com um ar perdido. Apertou a chávena morna, contendo a ansiedade. Respirou fundo, e acariciou o seu Pokémon esquilo que lhe dava apoio.
Chegara a hora.
Saiu do quarto
e dirigiu-se ao quarto de Juliana.
Em vez de
entrar pela porta sem pedir autorização, Haruka decidiu bater desta vez no
quarto da filha. O som das pancadinhas na madeira ecoara em toda a divisão.
Juliana ao início estranhou o gesto, mandando-a entrar – sua mãe nunca pedia,
em circunstância alguma, para entrar dentro do seu quarto, e sempre o fazia de
repente, sem lhe pedir.
A mulher
conteve a repulsa que sentiu ao, mal abrir a porta, notar um Cyclizar enorme
deitado em cima dos cobertores limpos, como um gigantesco urso de peluche em
cima de uma cama. Aquele Pokémon mal cabia em cima da cama, e era difícil não
imaginar a possibilidade de Juliana em dormir no chão só para dar ao seu
Pokémon o maior dos confortos possíveis, pois a jovem era bem capaz disso.
O Pokémon
estava com uma pata em cima de uma sanduiche, e no outro lado, mordiscava uma
laranja como uma bola de brincar.
Mal botou os
olhos em cima da mulher recém chegada, largou tudo o que estava fazendo, antes
sequer da mulher e sua treinadora terem tempo de reação.
– MOTO! NÃO! –
Juliana gritou, mas foi tarde demais.
O enorme
dragão foi contra Haruka, a derrubando no chão e lambendo-a por inteiro.
A mulher
tentou puxar o Pokémon para o lado, tirando aquele peso todo de cima de si, insatisfeita,
mas os mimos só pararam quando Juliana achou que o melhor a fazer, pelo menos
em frente à mãe, era retorná-lo para o interior da Pokéball.
– Mãe…
Desculpa, eu ainda tenho muito para o ensinar… – Juliana disse, ao tentar
ajudar a mulher se erguer, agora que o dragão fora contido.
Bem que
esticou a mão, mas a mulher não a agarrou, levantando-se por conta própria.
Haruka, com ar
enojado, ajeitou as roupas e sacudiu algumas marcas de sujidade nelas marcadas,
ainda a respirar fundo para não dar um sermão. Enquanto isso, Juliana
endireitou as cobertas da cama.
– Ainda
acordada? Já devias estar a dormir. – Haruka observou. – Tens que acordar cedo.
A rapariga de
pijamas atirou todo o seu corpo para trás, olhando para o teto de barriga para
cima, com os braços esticados.
– Não consigo…
– Estás assim
tão ansiosa? Posso te preparar qualquer coisa para beber e relaxares… Queres um
chocolate quente? Um chá?
– Não, obrigada.
Não preciso disso, mãe. Eu estou a pensar em como aquela batalha foi demais!
Haruka
sentou-se entre as cobertas, ao pé dela, e deu um sorriso simples.
– Fico
contente por teres ganho a uma treinadora tão experiente… Com o título de
Campeã… – murmurou.
Juliana
mostrou várias mensagens no seu Rotom Phone, o objeto moderno conseguia se
esticar, transformando-se num tablet. Nemona não tinha perdido tempo e já
confirmara algumas datas e encontros em Mesagoza com a amiga através do objeto.
Haruka sentiu-se feliz por ela ao ver as mensagens, pois Juliana há muito tempo
que não conversava com ninguém em seu telemóvel.
– Estás vendo
o que ela diz aqui? Nemona falou que eu tenho uma vocação qualquer, que devia ir
enfrentar os Líderes de Ginásio de Paldea, tentar ir na Liga. Que eu podia
fazer isso num projeto chamado Caça ao Tesouro ou sei lá o quê da escola… Eu
amei lutar mas… Mas eu não sei ainda se… Eu só ganhei porque segui o que tu me
disseste aquelas horinhas antes! E a empregada da mansão disse aquilo e eu
brinquei sujo!
– Eu também já
brinquei sujo para conseguir algumas coisas que eu sempre quis… Estavas
desesperada por ganhar. É normal. Não te devias consumir tanto por isso.
Juliana
estranhou tanta compreensão, pois achava que ofender os sentimentos de alguém
não era uma coisa boa a se fazer, apesar de Nemona já a ter perdoado através
das mensagens do Rotom Phone.
– Mãe! Tu
sabes tantas coisas sobre batalhas e Pokémon! Porque nunca me contaste antes
que também foste uma treinadora e já tiveste o título de Campeã!?
–
Título de Campeã? Onde foste buscar isso? – Haruka mostrou-se surpresa.
Por
coincidência, o tema que ela matutou foi o que Juliana também pensava.
–
Não foi o que disseste? Antes de entrarmos pelo portão?
–
Bem… Não foi bem isso que eu disse… Eu apenas te tinha dito que participei na Liga.
–
Oh… pois foi, depois a empregada apareceu e não acabaste de contar! E então?
Ganhaste?
A
mulher deu umas caricias no seu Skwovet ao ombro, o silêncio não combinou em
nada com o entusiasmo da jovem, que mal podia esperar a resposta.
–
Eu perdi na final.
–
Oh... – Juliana ficou um pouco decepcionada. – Mas chegar na final já é
impressionante!
–
Eu fiquei arrasada por perder depois de chegar tão longe… A Geeta é incrível. A
presença dela é algo fora do normal.
–
Foi muito difícil? As pessoas dizem que ela é fácil… – Juliana questionou com
curiosidade.
–
Fácil? As pessoas não deviam pensar isso dela. Até hoje é complicado de
lembrar, pois a batalha pareceu durar apenas uns segundos. Nunca é fácil olhar
para uma pessoa como se ela fosse um espelho que arranca de nós os nossos
maiores medos. E foi tudo por água abaixo devido a minha ignorância. Sem falar
que eu fui humilhada pelo público.
A
sua filha a fitava, em silêncio, esperando mais respostas.
–
Humilhada?...
A
mulher respirou fundo e fechou os olhos, ainda julgou ouvir os gritos da
multidão ecoando em torno de todo o campo de batalha. As lágrimas, a chuva de
papéis e ofensas… Aquilo era uma peça negra do seu passado que ela estava a
compartilhar, mas ainda doía.
–
O público esperava uma batalha longa e demorada, que valesse a pena ver. Os
seguranças até tiveram que intervir nas bancadas para as acalmar no final. E ao
passar nas ruas durante muito tempo todos me olhavam de forma estranha, pois eu
não dei a todos o que eles queriam.
–
Deve ter sido um dia horrível…
–
Não foi um dia horrível… – e abriu os olhos de repente, olhando para ela, de
tal maneira que Juliana, ao início, não entendera aquele observar tão carinhoso
contra si. – Não o foi de todo.
–
Mas… Se estás a dizer que foste humilhada…
–
O mundo é um lugar que pode ser horrível, Julie… Mas também pode ser um lugar
maravilhoso.
–
O que aconteceu de tão bom? – a adolescente questionou, como uma criança
curiosa, totalmente fissurada naquela história.
Haruka
acariciou o seu Pokémon. Depois de um longo silêncio, voltou a conversar.
–
Eu nunca te contei isto antes, mas… mas foi nessa mesma noite que eu descobri
que estava grávida! – e começou a rir, nervosa. – Meses depois eu te tinha nos
meus braços! Foi a melhor coisa que me aconteceu!
–
O quê?... A sério?! – a jovem encolheu os ombros, tímida pela descoberta.
A
mulher agarrou-lhe a mão. Juliana sentiu as mãos quentes da mãe a lhe
acariciarem.
–
Eu sei que eu não sou a melhor mãe do mundo. E eu ainda estou a aprender em
como lidar contigo. Eu peço desculpa se não acreditei em ti ou se por vezes eu
exagerei e fui demasiado protetora. Espero que me consigas perdoar.
–
É claro que eu perdoo! Mãe! Tu és incrível! E te preocupas sempre comigo! O que
fazes é pelo meu próprio bem! E eu sei que eu também não sou a pessoa mais
responsável que existe…
– É só que… – uma lágrima escorreu, vagarosa e
cintilante, pela sua face. – A tua batalha contra a Nemona fez-me aperceber o
quanto já cresceste, e o quanto consegues encontrar soluções que te podem levar
à vitória quando a necessidade bate à porta. – a lágrima tornou-se num rio. – Eu
tenho medo de perder a tua luz no horizonte… Mas… Está mais do que na altura de
entregar-te o leme e deixar-te navegar.
Juliana
encolheu os ombros, sem saber bem o que dizer, sem falar que não gostava nada
de ver a mãe a chorar. Ela sabia que a sua mãe tinha fundado a padaria como
maneira de ganhar uns trocos extra para ajudar na comida e alimentação
necessária para seu crescimento, e que fizera muitos sacrifícios.
Quando
deu por si, a mulher entregou-lhe uma chave para a mão.
–
O que é isto?
–
A chave do teu quarto.
Juliana
olhou para a porta do quarto, ainda perdida.
A
chave do seu quarto pendia na fechadura da porta como típico, reluzindo à luz
fraca da mesa cabeceira. A frase da mulher pareceu até uma brincadeira assim
fora do contexto.
–
Mas ela está ali… Para que é que…
–
Está tudo bem se não sabes se ser treinadora Pokémon é a tua vocação ou não.
Não precisas de te apressar com um interesse que só descobriste poucas horas
atrás. Respira fundo e aproveita o presente. Até mesmo depois de mais velhos,
nem sabemos ao certo o que queremos alcançar… Apenas encontra a estrela que
tenha a luz que melhor te guie pelas estradas.
Haruka
estava perdida no choro ao dizer aquilo. Sempre tentava ser forte, mas os
momentos de fraqueza a apanhavam desprevenida.
–
Não estou a compreender. Mãe! Podes falar em Espanhol? Eu não estou a entender
nada!... Hola?... Olá?... Mãe??...
Porque choras tanto?
Juliana
deu-lhe uns lenços de papel para ver se ela se assoava e se acalmava. A
situação estava num estado tão critico que a jovem já começava a ficar
preocupada com a crise que a mulher estava a ter. Até o Senhor Nozes decidiu
interferir no diálogo das humanas, dando-lhe toques no braço com suas patinhas,
para lhe chamar a atenção.
Ao
fim de uns vinte minutos, ela, por fim, limpou as lágrimas, quando não podia
chorar mais, e prosseguiu numa voz rouca, as explicações que a jovem precisava
de ouvir.
–
Eu falei com o Diretor, vir para Cabo Poco todos os dias é uma viagem longa, e
será muito cansativo para ti… Por isso, vais ficar num dos dormitórios da
Academia. Era para ser uma surpresa. Mas achei que era melhor o dizer agora.
Não precisas de te preocupar com nada além de levares a tua mochila e a tua
guitarra, já está tudo pronto.
A
informação caiu como um trovão.
–
Dormir na escola?! Só podes estar brincando comigo! ESSE DRAMA TODO SÓ POR
CAUSA DISSO?! – Juliana gritou contra ela, chocada. – Estavas aí a chorar como
uma tola! Eu estava a ficar mesmo preocupada contigo! E afinal de contas, é só
por causa DISSO?!
–
Não estás zangada comigo? Eu… Eu… Eu pensava que ias odiar-me pela ideia! –
comentou a mãe, surpresa, a gaguejar. – Que ias ter medo… Nunca ficaste assim
tão longe de casa sozinha!
–
Mãe! Claro que eu gosto de ficar em casa, e te ajudar na padaria, e brincar com
os Pokémon. Mas não estou com medo! Sim! Mesagoza é a maior cidade da região
Paldea, deve ter muita… Coisa assustadora lá, sim… – a jovem olhou para o chão,
pensativa. – Mas eu já passo as noites sozinha nas praias de Cabo Poco. Claro
que é perto de casa e eu posso voltar num instante, eu sei, mas… Deve ser quase
a mesma coisa!
A
rapariga então respirou fundo, e abraçou as próprias pernas, querendo acreditar
nas próprias palavras que dizia. A verdade é que sim, bem no fundo, ela sentia
uma pontada de ânsia com a ideia, pois viver sozinha não era algo que devia ser
desvalorizado, e era uma mudança drástica de responsabilidades.
Mas
não queria mostrar esse medo, pois a mãe parecia bem mais assustada que ela
própria com o rumo que as coisas estavam a tomar.
Quando
discutiu com a mãe mais cedo naquele dia estava inquieta para nunca mais a ver
na sua frente. Agora a própria mãe dizia para ela viver fora de casa e ter seu
próprio espaço longe dela, porque confiava nela e ela o melhor para ela.
Aquelas
informações, bem lá no fundo, criavam um estranho mesclar de sensações. Mas
Juliana decidiu ser forte.
–
Se ele… Se alguém… Pode ser em
qualquer lugar. Nunca estamos seguras em nenhum sítio. Mas isso é uma ideia que
eu já me habituei. Não precisas de te preocupar... Eu vou ficar bem!
–
Oh Julie… Desculpa se eu não consigo te proteger para sempre… – aquelas
palavras tinham um peso incrível, dito por Haruka, que estava, outra vez, a
descambar para o lado da tristeza. – Eu não posso mesmo continuar assim tão
protetora. Vais cair e ter que te levantar muitas vezes sozinha, por muito que
me custe ver-te magoada… Faz parte. Todos nós crescemos muito depois de receber
as cicatrizes.
–
Eu… Eu posso vir a casa todos os fins de semana! Ou algum dia, se sair das
aulas mais cedo! E eu nunca vou largar o Rotom Phone por nada! Vou te telefonar
todos os dias, todos os intervalos! – Juliana continuou a dizer, otimista, para
a tentar alegrar, ou arrancar um sorriso da face dela, mas não estava
resultando.
Apertou
a chave na palma da sua mão, com mais força, depois atirou-se aos braços da mãe
que tanto amava. Se as palavras não estavam a funcionar, pelo menos tentaria
acalmar a sua progenitora com a força do toque. A mulher parecia uma pequena
criança perdida que reencontrava um ente querido á muito tempo perdido.
E
assim a jovem ficou muito tempo, sendo embalada pelo silêncio da noite e pelo
amor e conforto de uma das pessoas que lhe eram mais preciosas no mundo
inteiro. Juliana já estava a ficar cansada, que acabou por adormecer nos braços
da mãe. Era o que dava ter ficado a noite toda atrás do maldito Cyclizar
estranho nas praias.
Quando
notou que a filha dormia a sono solto, Haruka deitou-a na sua cama com cuidado
e aconchegou-a nos lençóis. Achou que o melhor era não a deixar ali sozinha,
então soltou seus Pokémon para a aquecerem e fazerem companhia durante a noite,
aproveitando para também lhes contar a pequena novidade e pedir-lhe para que a
protegessem em Mesagoza.
Soltou
todos, incluindo, o Cyclizar estranho, que cheirou o ar e ocupou a cama toda,
sendo o maior e mais pesado cobertor de Juliana. O dragão apesar de ser o mais
irrequieto do grupo, até que compreendera o que estava a ocorrer e não fez muito
alarido.
Os
Pokémon fizeram um silêncio mútuo, observando a mulher confusa a viajar pelo
aposento, com dificuldades em se distanciar e ir embora devido ao vazio que
sentia. Pois agora andava à deriva numa noite escura, e não sabia para onde se
virar no meio da penumbra.
Aproximou-se
da porta, passando pela secretária da filha.
A
guitarra no expositor chamou sua atenção.
Passou
os dedos nas cordas, sem as tocar, e depois, analisou a madeira da superfície do
instrumento, que era cheia de arranhões. Uns mais recentes, realizados nas mãos
de Julie.
Mas
outros eram bem mais antigos, ainda do tempo do antigo proprietário do objeto.
Aí
Haruka apercebeu-se que as nuvens se abriram e o céu voltou. A sua pequena estrela
não se apagaria com a nova distância.
Ela
ficaria mais forte que nunca.
E
recordou-se de algo que dissera a alguém, num certo dia, há muito tempo, onde
ouvira a letra completa daquela tal maldita música que tanto odiava no passado.
No inicio é assustador, eu sei…
Mas vai deixar de o ser;
quando começares a ver;
as coisas num ângulo diferente.
Minha querida, podes crer…
[…]
E começou a
sussurrar, como uma simples canção de embalar, à medida que a vibração das
cordas também diminuíra. Até desaparecer e dar lugar ao silêncio total. Eu
lembro-me que eu o observava, fora da porta da padaria.
A nossa
criança em seu colo parecia minúscula em comparação com a guitarra que ele
tocava, completamente alheia a todas as maldades do mundo.
[…]
…O tempo muda em qualquer lugar;
no brinquedo a cor vai desvanecer;
estrelas vão deixar de brilhar;
para novas aparecer;
e a ritmos diferentes;
árvores sempre vão crescer…
Quando parou
de cantar, o homem olhou para mim, com um sorriso rasgado no rosto. Nossa filha
já estava a dormir, tão pesada como uma pedra. Ele pousou a guitarra ao seu
lado, aconchegando melhor a menina adormecida em seus braços.
– O que achas
que ela vai ser quando crescer? – o homem questionou-me.
Olhei para a
forma como ele a segurava, e não hesitei a brincar.
– Se a continuares
a mimar dessa maneira, ela nunca vai conseguir ser mais autónoma. Nunca vai
aprender a viver sozinha. Nunca vai aprender a estar por conta própria. Nunca
vai conviver com pessoas e Pokémon diferentes. Nunca vai fazer amizades... –
comecei a numerar, contando pelos dedos das minhas duas mãos. – e se isso não
for bastante, posso continuar a fazer a contagem.
Olhei também
para os meus pés, mexendo os dedos na sua direção, para o provocar, pois se
fosse um motivo por cada um dos meus dedos, ainda tinha uns quantos, os
suficientes para o acusar de uma quantidade assustadora de defeitos.
Ele começou a
rir da minha figura, e passou os dedos na superfície do banco.
– Senta-te
aqui ao meu lado. Desde o dia que ela nasceu que andas a trabalhar demais.
E assim o fiz,
contra a minha vontade.
Tinha saído
para o exterior ver se a roupa no estendal já estava seca para a dobrar. Tentei
manter-me imóvel, mas não consegui ficar muito tempo quieta, eu precisava de
continuar os meus serviços. Além da roupa, tinha que continuar na padaria,
arrancar ervas daninhas do pátio, cuidar das plantas do quintal… E mais
importante, tratar das encomendas para dar aos clientes na hora certa.
A lista só
crescia, num ritmo assustador, e eu adicionava sempre mais e mais coisas à
medida que me lembrava. Quando fui para me levantar, para ir na direção do
estendal, ele conteve-me.
– Pelo rugido
de Dialga, para quieta, mulher. Vamos só… Relaxar. – pediu, enquanto ajeitava
as roupas da criança.
– Tu é que és
demasiado folgado. – soltei, o mais realista possível. – Alguém tem que fazer
as tarefas domésticas, pagar as contas e arranjos da casa. Não é apenas a
vender lixo em Porto Marinada que se ganha a vida.
Ele soltou uma
pequena gargalhada com a minha audácia.
– A
inauguração da padaria foi um sucesso, e pelos vistos, será durante muitos mais
anos! És excelente neste trabalho, Haruka. Finalmente a usar o talento culinário
que tens para fazer qualquer coisa a teu favor. Sempre foste habilidosa com as
mãos. Estou muito feliz por partilharmos isto juntos.
Eu queria
dizer qualquer coisa para elogiar o tom responsável que ele tomava com sua
frase. Mas não o fiz, pois podia engolir as palavras amargamente.
– É engraçado
como mudar um pouco a rotina parece recomeçar tudo do zero.
– Ainda mais
com uma criança… – acrescentou ele, enquanto penteou os cabelos da filha com
seus dedos. – Ela aprende rápido. Acho que até já sabe tocar na guitarra melhor
do que eu! – depois disse-me, a rir.
– Então espero
que ela não desperdice o talento para a música da mesma maneira que nós dois desperdiçamos.
– acrescentei.
Senti uma
certa mágoa, e eu sabia que meu companheiro também a partilhava. Ele sabia
tocar aquela guitarra como ninguém. E, quanto a mim e a meu piano… Ainda
tocava, apesar de, mais tarde, o ter deixado de fazer por razões muito pessoais.
Ainda o tenho,
no armazém da casa, coberto com uma lona.
E é onde ele
se mantém guardado, até hoje.
A vida deu-nos
outras prioridades. Não podíamos continuar a ser uma dupla musical para sempre.
Nos dias mais
cinzentos e tempestuosos, ainda sinto vontade de tocar no piano e o ouvir
ressoar, mas a vontade logo passa, quando ocupo o meu tempo a fazer qualquer
outra coisa de mais útil e produtiva, principalmente se o for na cozinha da
padaria.
Afinal,
trabalhar na padaria também era como música para mim.
Ele fixou-me
uns momentos.
– E se ela
desperdiçar seu talento? E se a vida também não lhe der as melhores oportunidades?
E se ela não fizer as melhores escolhas?
Tantas
questões preocupadas sobre o futuro, por parte dele, naquela particular tarde,
me recordaram das palavras de La Primera.
E até era divertido criar metáforas, apesar de não ser o estilo de coisa que eu
costumava fazer.
Assim acabei
soltando uma delas, para lhe responder.
– Sendo
sincera, eu não sei bem… Eu só quero me
certificar que ela terá tudo o que precisa, enquanto eu estiver presente. Só
nos resta apoiar as suas escolhas e medir os astros com nosso melhor astrolábio,
sempre que não existir nuvens no céu. E se algum dia o vento não soprar, remaremos
contra a maré.